quarta-feira, 15 de julho de 2015

Os inocentes úteis e inúteis que saem em defesa da truculência da PF e do MP estão é no movimento “Fica Dilma!”





A Operação Lava Jato se transformou num “work in progress”. As versões de depoentes e delatores vão mudando ao sabor dos ventos e de acordo com as mais variadas conveniências. Imagino a trabalheira dos advogados de defesa, não? Nunca se sabe qual é a nova história do dia. Uma coisa é certa: há, como se diz em Dois Córregos, gente de butuca lá no Palácio do Planalto.

[Uma pergunta dos editores do Blog Prontidão Total: como andam as investigações sobre o governador e consultor-fantasma Fernando Pimentel?] 

O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, sabe que está na mira. Dez entre dez governistas empedernidos vivem hoje à espera do grande momento: quando é que uma ação espetacular da Polícia Federal vai invadir o seu gabinete ou arregaçar sua casa em Brasília e seu apartamento no Rio? Alguns bobos estão convictos de que isso poria fim à crise política.

Na entrevista que concedeu na segunda passada ao programa “Os Pingos nos Is”, que ancoro na Jovem Pan, afirmou o deputado sobre o fato de ser um dos investigados da Operação Lava Jato: “Não descarto que ainda possam existir desdobramentos políticos. Até porque, a gente está no meio da eleição do Ministério Público, e querem me usar nesse processo. Inclusive, o meu advogado, que é o ex-procurador-geral da República, que fez a denúncia do mensalão, o doutor Antonio Fernando, me recomendou que não falasse de público no assunto até a eleição do Ministério Público. Ele mesmo quer falar”.

Vamos ver. O doleiro Alberto Youssef acusou Cunha se ser beneficiário do pagamento de propina no aluguel de navios-sonda para a Petrobras em 2006. Que evidência ele tem? Afirmou que isso lhe fora relatado em 2011 pelo empresário Júlio Camargo, da Toyo Setal. Camargo fez acordo de delação premiada — logo, para obter um benefício, tem de falar a verdade, certo? Pois bem, em depoimento, ele negou ter pagado propina ao agora presidente da Câmara. Ocorre que estamos diante da chamada “obra aberta”, e uma versão sempre pode ser corrigida por outra. Chegou a Cunha a informação de que Camargo teria mudado de ideia e agora o acusa de ter recebido propina. Pergunta: ele vai receber o prêmio por ter negado ou por ter confirmado o pagamento de propina?

Cunha está convencido, embora se negue a tratar publicamente do assunto, de que José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Rodrigo Janot, procurador-geral da República, atuam para torná-lo réu da Operação Lava Jato. Nessa lógica, ao mandar o presidente da Câmara para a fogueira, o agora procurador-geral estaria prestando um favor ao Planalto, que, por sua vez, o recompensaria não criando dificuldades para reconduzi-lo ao cargo.

A operação espetaculosa desta terça contra os senadores que, insista-se, não começaram a ser investigados ontem teria soado como um sinal de advertência: ninguém está a salvo. Afinal, PF e MP estão dispostos a demonstrar que se vai fazer justiça “erga omnes” (para todos) e que o Brasil vai virar “A República”, de Platão… Para quem se conformou com o latim mal aplicado e para quem não conhece “A República” de Platão, a coisa parece bem arranjada.

Mas ainda falta a peça que completa o quebra-cabeça. É importante alvejar Cunha só porque o governo perde todas no embate com ele? Não exatamente. É que, na possibilidade de haver uma denúncia à Câmara contra Dilma, o que é melhor para o Planalto? Um presidente com o controle de boa parte da Casa ou obrigado a se explicar?

Não se trata de uma hipótese conspiratória, mas apenas da natureza do jogo. Alguns tontos que atuam como animadores de torcida do pega-pra-capar da PF e do MP, confundindo a defesa do estado de direito com a defesa da impunidade, mal sabem será que não sabem mesmo? que estão é atuando como linhas auxiliares do Palácio do Planalto e do “Fica Dilma”.

Querem ficar chocados? Pois não! A PF e o MP exageraram, sim, apesar dos carrões de Collor. O Estado de Direito é coisa mais séria do que isso



Nada a perder senão os grilhões, não é mesmo? Fernando Collor de Mello já me processou, contei aqui. Perdeu. Meu advogado foi o brilhante e nunca suficientemente elogiado Manuel Alceu Affonso Ferreira. O que penso sobre esse político? Recorram ao arquivo. Mas o façam também para saber o que eu disse quando achei que havia exageros da Polícia Federal e do Ministério Público contra Eliana Tranchesi, Celso Pitta, Paulo Maluf e, ora vejam, José Dirceu, entre outros. Eu tenho princípios. Não penso isso ou aquilo a depender da ideologia do objeto da minha análise.

Eu me espanto com o sucesso empresarial de Collor? Ah, eu me espanto. O jornal “Gazeta de Alagoas” deve ser o mais lucrativo do mundo. Na Casa da Dinda, foram apreendidos um Porsche avaliado em R$ 400 mil; uma Ferrari, de R$ 1,5 milhão, e um Lamborghini, de R$ 2,5 milhões. É claro que tudo gera, vamos dizer, certa estupefação, não é? Especialmente para quem acabou se dando mal por causa de uma Fiat Elba.


Sim, a operação de busca e apreensão foi autorizada pelo STF, eu sei. O que me incomoda é a ação espetaculosa. Desculpem-me o conservadorismo, mas, na democracia — QUE É O CONTRÁRIO DA REPÚBLICA DE PLATÃO NA MAIORIA DOS ASPECTOS —, é preciso tomar mais cuidado, muito especialmente com quem detém a representação popular.

Acho Collor uma figura política desprezível, mas, na sua reação, ele aponta uma questão absolutamente correta: ele não foi nem mesmo ouvido. “Ora”, dirá alguém, “isso não é preciso. Pode-se deflagrar uma operação, com intervenções dessa natureza, antes de qualquer depoimento. Assim, impede-se que a pessoa possa destruir provas.”

Concordo. Com a devida autorização judicial, não há nada de ilegal nisso. Mas esperem aí. A Operação Lava Jato, de que a Politeia é desdobramento, é de março do ano passado. Sabendo-se investigado e tomo Collor como um caso emblemático porque é a mais midiática das figuras —, se quisesse destruir provas, convenham, ele já o teria feito, não é mesmo?

Eu me pergunto se a operação desta terça foi deflagrada, de fato, em benefício da investigação ou para ser exemplar. Dada a lógica, parece-me difícil que estejamos diante do primeiro caso. Na democracia, o estado é um exemplo, mas não atua para exibir cabeças como exemplo, mesmo quando a personagem é Collor, que igualmente deve desprezar o que penso. No dia 14 de julho, no aniversário da Queda da Bastilha, é um alívio poder escrever isso.

As ações da Polícia Federal e do Ministério Público têm despertado a preocupação em muita gente responsável. Rodrigo Janot está em campanha eleitoral para ser reconduzido à Procuradoria-Geral da República. Collor e seus carrões de luxo servem como uma luva ao descaminho do estado de direito.  Estou no jornalismo desde 1986. Há 29 anos torno público o que penso por intermédio de textos na imprensa. Ao longo desse tempo, mudei, sim, de ideia algumas vezes. Mas nunca condescendi com um estado que não dá bola para os limites legais.

Nem Collor me faz abrir mão dos meus princípios. Quem está a fim de textos hidrófobos certamente encontrará a página do seu agrado. Eu me oponho ao petralhismo, e sou muito antigo nisso, porque não confiro a nenhum ente o poder de agir acima da lei e da razoabilidade.

Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - Revista Veja

Blog Prontidão
 

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