A
Operação Lava Jato se transformou num “work in progress”. As versões de
depoentes e delatores vão mudando ao sabor dos ventos e de acordo com
as mais variadas conveniências. Imagino a trabalheira dos advogados de
defesa, não? Nunca se sabe qual é a nova história do dia. Uma coisa é
certa: há, como se diz em Dois Córregos, gente de butuca lá no Palácio
do Planalto.
[Uma
pergunta dos editores do Blog Prontidão Total: como andam as
investigações sobre o governador e consultor-fantasma Fernando
Pimentel?]
O deputado
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara, sabe que está na mira.
Dez entre dez governistas empedernidos vivem hoje à espera do grande
momento: quando é que uma ação espetacular da Polícia Federal vai
invadir o seu gabinete ou arregaçar sua casa em Brasília e seu
apartamento no Rio? Alguns bobos estão convictos de que isso poria fim à
crise política.
Na
entrevista que concedeu na segunda passada ao programa “Os Pingos nos
Is”, que ancoro na Jovem Pan, afirmou o deputado sobre o fato de ser um
dos investigados da Operação Lava Jato: “Não descarto que ainda possam
existir desdobramentos políticos. Até porque, a gente está no meio da
eleição do Ministério Público, e querem me usar nesse processo.
Inclusive, o meu advogado, que é o ex-procurador-geral da República, que
fez a denúncia do mensalão, o doutor Antonio Fernando, me recomendou
que não falasse de público no assunto até a eleição do Ministério
Público. Ele mesmo quer falar”.
Vamos ver. O
doleiro Alberto Youssef acusou Cunha se ser beneficiário do pagamento
de propina no aluguel de navios-sonda para a Petrobras em 2006. Que
evidência ele tem? Afirmou que isso lhe fora relatado em 2011 pelo
empresário Júlio Camargo, da Toyo Setal. Camargo fez acordo de delação
premiada — logo, para obter um benefício, tem de falar a verdade, certo?
Pois bem, em depoimento, ele negou ter pagado propina ao agora
presidente da Câmara. Ocorre que estamos diante da chamada “obra
aberta”, e uma versão sempre pode ser corrigida por outra. Chegou a
Cunha a informação de que Camargo teria mudado de ideia e agora o acusa
de ter recebido propina. Pergunta: ele vai receber o prêmio por ter
negado ou por ter confirmado o pagamento de propina?
Cunha está
convencido, embora se negue a tratar publicamente do assunto, de que
José Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, e Rodrigo Janot,
procurador-geral da República, atuam para torná-lo réu da Operação Lava
Jato. Nessa lógica, ao mandar o presidente da Câmara para a fogueira, o
agora procurador-geral estaria prestando um favor ao Planalto, que, por
sua vez, o recompensaria não criando dificuldades para reconduzi-lo ao
cargo.
A operação
espetaculosa desta terça contra os senadores — que, insista-se, não
começaram a ser investigados ontem — teria soado como um sinal de
advertência: ninguém está a salvo. Afinal, PF e MP estão dispostos a
demonstrar que se vai fazer justiça “erga omnes” (para todos) e que o
Brasil vai virar “A República”, de Platão… Para quem se conformou com o
latim mal aplicado e para quem não conhece “A República” de Platão, a
coisa parece bem arranjada.
Mas ainda
falta a peça que completa o quebra-cabeça. É importante alvejar Cunha só
porque o governo perde todas no embate com ele? Não exatamente. É que,
na possibilidade de haver uma denúncia à Câmara contra Dilma, o que é
melhor para o Planalto? Um presidente com o controle de boa parte da
Casa ou obrigado a se explicar?
Não se trata
de uma hipótese conspiratória, mas apenas da natureza do jogo. Alguns
tontos que atuam como animadores de torcida do pega-pra-capar da PF e do
MP, confundindo a defesa do estado de direito com a defesa da
impunidade, mal sabem — será que não sabem mesmo? — que estão é atuando
como linhas auxiliares do Palácio do Planalto e do “Fica Dilma”.
Nada
a perder senão os grilhões, não é mesmo? Fernando Collor de Mello já me
processou, contei aqui. Perdeu. Meu advogado foi o brilhante e nunca
suficientemente elogiado Manuel Alceu Affonso Ferreira. O que penso
sobre esse político? Recorram ao arquivo. Mas o façam também para saber o
que eu disse quando achei que havia exageros da Polícia Federal e do
Ministério Público contra Eliana Tranchesi, Celso Pitta, Paulo Maluf e,
ora vejam, José Dirceu, entre outros. Eu tenho princípios. Não penso
isso ou aquilo a depender da ideologia do objeto da minha análise.
Eu me
espanto com o sucesso empresarial de Collor? Ah, eu me espanto. O jornal
“Gazeta de Alagoas” deve ser o mais lucrativo do mundo. Na Casa da
Dinda, foram apreendidos um Porsche avaliado em R$ 400 mil; uma Ferrari,
de R$ 1,5 milhão, e um Lamborghini, de R$ 2,5 milhões. É claro que tudo
gera, vamos dizer, certa estupefação, não é? Especialmente para quem
acabou se dando mal por causa de uma Fiat Elba.
Sim, a
operação de busca e apreensão foi autorizada pelo STF, eu sei. O que me
incomoda é a ação espetaculosa. Desculpem-me o conservadorismo, mas, na
democracia — QUE É O CONTRÁRIO DA REPÚBLICA DE PLATÃO NA MAIORIA DOS
ASPECTOS —, é preciso tomar mais cuidado, muito especialmente com quem
detém a representação popular.
Acho
Collor uma figura política desprezível, mas, na sua reação, ele aponta
uma questão absolutamente correta: ele não foi nem mesmo ouvido. “Ora”,
dirá alguém, “isso não é preciso. Pode-se deflagrar uma operação, com
intervenções dessa natureza, antes de qualquer depoimento. Assim,
impede-se que a pessoa possa destruir provas.”
Concordo.
Com a devida autorização judicial, não há nada de ilegal nisso. Mas
esperem aí. A Operação Lava Jato, de que a Politeia é desdobramento, é
de março do ano passado. Sabendo-se investigado — e tomo Collor como um
caso emblemático porque é a mais midiática das figuras —, se quisesse
destruir provas, convenham, ele já o teria feito, não é mesmo?
Eu me
pergunto se a operação desta terça foi deflagrada, de fato, em benefício
da investigação ou para ser exemplar. Dada a lógica, parece-me difícil
que estejamos diante do primeiro caso. Na democracia, o estado é um
exemplo, mas não atua para exibir cabeças como exemplo, mesmo quando a
personagem é Collor, que igualmente deve desprezar o que penso. No dia
14 de julho, no aniversário da Queda da Bastilha, é um alívio poder
escrever isso.
As ações
da Polícia Federal e do Ministério Público têm despertado a preocupação
em muita gente responsável. Rodrigo Janot está em campanha eleitoral
para ser reconduzido à Procuradoria-Geral da República. Collor e seus
carrões de luxo servem como uma luva ao descaminho do estado de direito. Estou no
jornalismo desde 1986. Há 29 anos torno público o que penso por
intermédio de textos na imprensa. Ao longo desse tempo, mudei, sim, de
ideia algumas vezes. Mas nunca condescendi com um estado que não dá bola
para os limites legais.
Nem Collor
me faz abrir mão dos meus princípios. Quem está a fim de textos
hidrófobos certamente encontrará a página do seu agrado. Eu me oponho ao
petralhismo, e sou muito antigo nisso, porque não confiro a nenhum ente
o poder de agir acima da lei e da razoabilidade.
Blog Prontidão
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