Lula e Rui Falcão saíram na defesa do manifesto dos advogados, comprometidos em boa parte com os envolvidos na corrupção
O
caso mais extremo, tão admirado por certos setores da esquerda
brasileira, é o da Venezuela, com seu “experimento” de “socialismo do
século XXI”. Na verdade, trata-se de uma mera repetição do comunismo do
século XX, tendo como único elemento diferenciador o fato de se dizer
democrático quando, na verdade, não respeita regras democráticas ou,
melhor ditas, republicanas.
O Judiciário é totalmente dominado,
até recentemente o Legislativo era completamente controlado, os meios de
comunicação são severamente reprimidos e cooptados por empresários
laranjas do governo, a Petrobras deles é usada para objetivos
nitidamente políticos, milícias aterrorizam a população e assim por
diante. Na fachada, a “democracia” lá seguiria vigorando, pelo
menos no dizer do atual governo brasileiro, que tem uma relação de
cumplicidade com os bolivarianos. A ideologia tomou completamente o
lugar da diplomacia.
Em certo sentido, dá para entender. O cerne da
questão reside no que eles entendem por democracia. A verdade,
certamente, não é a sua preocupação. Bons exemplos têm aparecido nos
últimos dias e semanas. Todos eles mostram processos de perversão da
democracia, como se a corrupção partidária patrocinada pelo PT e
partidos aliados sobre o Estado brasileiro encontrasse aqui uma
sustentação.
Mais do que isto, tal forma de utilização da
linguagem política poderia prenunciar um processo de subversão mesma da
democracia. Não estamos evidentemente lá, mas há graus de uma evolução
que devem ser seguidos atentamente, quando mais não seja na defesa mesma
da democracia. O ex-presidente Lula e o presidente do PT saíram
em uníssono na defesa do manifesto dos advogados, comprometidos em boa
parte com os envolvidos na corrupção do Estado. São os ricos
“companheiros” que se aliaram neste assalto ao patrimônio público. Que
advogados defendam os seus clientes, nada mais normal. Agora, que o
façam dizendo defender o “estado democrático de direito” é simplesmente
hilário. Nenhuma pessoa de bom senso poderia compartilhar tal disparate.
Acontece
que parte destes advogados não consegue entregar aos seus clientes o
que tinha prometido, a saber, a impunidade. Assim era no passado.
Acostumaram-se tanto com esta situação, enriqueceram com isto, que
chegaram a considerar que a exceção era a regra, ou seja, a impunidade
seria a regra mesma de uma sociedade democrática.
Estão, portanto,
perplexos diante de uma nova situação, em que instituições republicanas
como o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal estão
cumprindo rigorosamente com suas funções institucionais. Tornam-se,
agora, alvos, como se a responsabilização dos criminosos, empresários,
agentes, executivos ou políticos, não devesse ser a regra. A perversão é
total. Os defensores do estado de direito tornam-se, nesta visão
deturpada, os algozes da democracia.
Na verdade, o ex-presidente
Lula e o presidente Rui Falcão parecem estar advogando em causa própria.
Não faltou nem mesmo a defesa dos seus dirigentes presos e processados.
Até hoje os condenados pelo mensalão são considerados “guerreiros do
povo” brasileiro e defendidos enquanto tais. Há maior desrespeito ao
“estado democrático de direito”, neste claro desprezo ao Supremo
Tribunal Federal e ao seu longo processo de julgamento do mensalão?
Ambos
chegaram a afirmar que o Brasil viveria em um “estado de exceção”, que
substituiria o “estado democrático de direito”. O presidente do PT
chegou a dizer que o processo atual corresponderia ao pior período do
regime militar, em que não vigorava o habeas corpus. Qual é a noção de
regra que orienta tais declarações? Tudo sinaliza para a defesa do status quo de aparelhamento petista do Estado brasileiro, com a privatização partidária da própria Petrobras, hoje uma ruína de si mesma. [o
próprio Rui Falcão considera assaltar a Petrobras e outras fontes de
recursos públicos uma 'atividade partidária'; por isso, o repúdio da
organização criminosa que preside ao senador Delcídio Amaral, líder do
governo petista da Dilma, que cometeu o grave erro de roubar para ele
mesmo, não repartindo com o PT.]
Para
eles, valeria a exceção, a ausência de regras democráticas, pois, no
entender deles, só o feito por eles, nos malfeitos que os caracterizam,
poderia ser considerado democrático. Identificam, na melhor tradição
comunista, o partido com o Estado. Do mesmo tipo é o discurso
governamental e petista de que o processo de impeachment seria um
“golpe” contra a democracia. Desconsideram a própria Constituição, da
qual este instituto faz parte. Pior ainda, o Supremo ainda recentemente
afirmou a sua plena validade, embora tenha alterado alguns dos seus
ritos.
Ora, tratar do impeachment como golpe nada mais é do que um
desrespeito ao “estado democrático de direito”. Aliás, no passado, o PT
defendeu este instituto no impeachment do ex-presidente Collor e
advogou, mesmo, pelo impeachment do ex-presidente Fernando Henrique. Lá
valia, agora não!
Embora o Fórum Social Mundial, que está
ocorrendo em Porto Alegre, tenha perdido o seu glamour de antanho, ele
não deixa de ser um termômetro do que pensa o PT e os movimentos sociais
que orbitam em seu entorno. Ora, a marcha inaugural e os discursos de
representantes do governo caracterizaram-se pela “denúncia do golpe”.
Note-se a sincronia entre essas declarações, as declarações de Lula, o
manifesto dos advogados e o pronunciamento do presidente do PT. A sua
menor preocupação é a defesa do “estado democrático do direito”. Estão,
na verdade, pregando a “exceção”, a eliminação das regras republicanas!
Fonte: O Globo - Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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