Alex Tajra e Marcelo Freire
Do UOL, em São Paulo
10/12/2018 04h00
A decisão do Itamaraty de retirar a candidatura do Brasil
para sediar a COP-25, no próximo ano --sobre a qual o
presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), disse ter tido participação--,
ainda recebe críticas de diversos setores, tanto no exterior quanto no país.
Em conversa com o UOL durante a conferência
"Brasil-China: Propostas para o Futuro", realizada pelo Cebri (Centro
Brasileiro de Relações Internacionais), em São Paulo, no último dia 30, a
ex-ministra do Meio Ambiente Izabella Teixeira falou sobre os desafios contra o
desmatamento da Amazônia e para a produção de alimentos de baixo carbono. Ela
também alertou para os potenciais prejuízos brasileiros em não sediar a cúpula
climática.
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“Não existe esse fantasma do carbono, tem que contar isso
para ele [Bolsonaro]”, diz a ex-ministra, aludindo à Contribuição Nacionalmente
Determinada (NDC, na sigla em inglês), conjunto de metas voluntárias firmadas
pelos países para reduzir a emissão de gases do efeito estufa. “As pessoas
criaram um fantasma, soltaram um elefante na sala, e isso não tem sentido”,
critica Teixeira.
Suas
palavras ecoam análises de ambientalistas e ONGs. Na COP-24, que vai
até a próxima sexta-feira (14) em Katowice, na Polônia, um grupo de mil
organizações se declarou contra a decisão. "Bolsonaro cancelou a oferta
para sediar a COP-25 no próximo ano porque leu no WhatsApp que o Acordo de Paris
é uma ameaça à soberania do Brasil", diz o texto lido na última
quarta-feira (5) no evento.
Em outra ironia durante a conferência, o
Brasil foi "homenageado" com o prêmio Fóssil do Dia, entregue
pela organização Climate Action Network para os países que eles consideram
atrasar as negociações sobre mudanças climáticas.
"O local de nascimento da convenção climática da ONU
[durante a Rio 92], uma vez celebrada por seus avanços espetaculares na redução
do desmatamento e mitigação do aquecimento global, tornou-se motivo de chacota
dos negociadores em Katowice", afirmaram os organizadores da premiação.
"Corredor Triplo A"
Entre os motivos para a retirada da candidatura do Brasil
como sede, Bolsonaro citou a falta de recursos e o que chama de "Corredor
Triplo A".
“Está em jogo o 'Triplo A' nesse acordo. O que é o 'Triplo
A'? É uma grande faixa que pega dos Andes, Amazônia e Atlântico, 136 milhões de
hectares, ali, então, ao longo da calha dos rios Solimões e Amazonas, e que
poderá fazer com que percamos a nossa soberania nessa área", disse
Bolsonaro.
Mencionado diversas vezes pelo militar, o corredor, como
já publicado pelo UOL e por outros
veículos, não tem qualquer relação com o Acordo de Paris ou com a
conferência do clima das Nações Unidas. Na realidade, o "Triplo A"
nada mais é que uma proposta que nunca saiu do papel.
A ideia até ganhou força nos últimos anos, mas não foi
adiante. Pouco antes da COP-23, realizada na Alemanha em 2017, países da
América Latina tentaram se organizar para oferecer propostas concretas para o
que seria um grande corredor de preservação ambiental. O Corredor
Andes-Amazônia-Atlântico, ou Triplo A, envolveria a proteção de 309 áreas
(957.649 km²) e 1.199 terras indígenas (1.223.997 km²).
Para a ex-ministra, que ocupou o cargo entre 2010 e 2016 e
participou da adesão do Brasil ao Acordo de Paris, não há nenhuma menção do
chamado "Corredor Triplo A" na NDC e no acordo, porque o “Brasil tem
um programa de áreas protegidas na Amazônia, o programa mais ambicioso do mundo
em termos de proteção ambiental”. “Nós temos 60 milhões de hectares de
área protegida. Não precisamos fazer corredor para lugar nenhum, é dentro do
nosso território, feito com parceria os governos estaduais. Não é mito, é
política pública”, diz.
Além disso, segundo Teixeira, o futuro governo não tem
compreensão de que sediar a cúpula do clima transcende as questões ambientais.
“Do ponto de vista da COP e sobre a importância do Brasil na discussão das
mudanças climáticas, existem vários lugares, como o setor produtivo, o
setor privado e a sociedade, que não toleram o desmatamento na Amazônia.
Isso tem que ser traduzido em compreensão política, e imagino que o governo
eleito não tenha essa compreensão.”
Ela diz que o protagonismo do Brasil nos debates sobre
alterações climáticas está diretamente relacionado ao papel do país na economia
mundial, o que sofreu uma transformação considerável nas últimas décadas. Se há
40 anos o país importava alimentos, hoje ocupa o posto de segundo maior
exportador dessas commodities no mundo, segundo dados da FAO (Organização das
Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
“A agricultura brasileira se fez campeã e tem que ser
orgulho de todos nós. Mas politicamente o Brasil precisa produzir alimentos com
base na agricultura de baixo carbono. E nós estamos criando essas tecnologias.
Isso não vem do capital internacional, ao contrário, vem da nossa capacidade de
inovação tecnológica, de produzir mais com menos impacto ambiental, atendendo
esses novos requisitos de mercado, em que sustentabilidade e baixo
carbono influenciam na hora da compra”, argumenta a ex-ministra.
Brasil informal
Regulamentar o Código Florestal e implementar as diretrizes
do Acordo de Paris, segundo a ex-ministra, que atualmente integra o Núcleo
de Mudança do Clima, Meio Ambiente e Uso da Terra do Cebri, podem impulsionar o
país economicamente e trazer parte da agricultura que vive na informalidade
para o que ela chama de "compliance legal". “O país está
desperdiçando uma chance de sair na frente com algo que é produzir mais
alimentos, incrementar produtividade, sem provocar desmatamentos.”
“O Brasil tem chances de pegar isso de forma inteligente e
separar a agricultura séria da agricultura que desmata. Porque, pelo que eu
ouço de todas as lideranças do setor, e isso é sinal de amadurecimento
político. Os agricultores não querem o desmatamento ilegal, e sim [querem] cumprir
o Código Florestal. Isso foi dito até pelas pessoas de extrema-direita que
estão ao lado do presidente eleito, não precisa criar nenhum fantasma”, diz
Teixeira.
Mas o que perdemos ao deixar de sediar a COP? “O país deixa
de compartilhar sua visão estratégica nos próximos 10 ou 20 anos, em termos de
potencializar isso que só o Brasil tem. A NDC não é só dinheiro, é visão de
desenvolvimento. Quais negócios que emergirão disso, quais desafios
tecnológicos, quais novos modelos de negócios, startups? Isso é a implementação
da NDC.”
Duas Alemanhas desmatadas
As discussões em torno das mudanças climáticas e a
hipotética saída do Brasil do Acordo de Paris surgem em meio a uma desconfiança
por parte dos ambientalistas de que as políticas de Bolsonaro podem piorar o
desmatamento na floresta amazônica. Pesquisadores do Inpe (Instituto
Nacional de Pesquisas Especiais) temem que a alta demanda por commodities como
soja e carne acabem causando uma maior destruição dos biomas brasileiros, como
a floresta amazônica e o cerrado.
Como exemplo, o instituto registrou, em 30 anos, um total de
783 mil km² desmatados de floresta amazônica, o que equivale
a uma área duas vezes maior que o território da Alemanha. Em 2018, a
taxa foi a mais alta da última década: 7.900 km², dos quais cerca de 95%
correspondem a cortes ilegais.
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