quarta-feira, 16 de janeiro de 2019

O Globo – Grileiros já ameaçam terras indígenas / Coluna/ Míriam Leitão

O Globo – Grileiros já ameaçam terras indígenas /
Coluna/ Míriam Leitão


Em uma semana o presidente Jair Bolsonaro fará sua estreia em Davos e a ordem interna foi de mobilização para preparar uma boa apresentação. Os outros dois integrantes do governo que falarão lá são conhecidos do mercado e dos presentes nesse encontro anual, o ministro Paulo Guedes e o ministro Sergio Moro. O foco será melhorar a imagem do governo que, admite–se internamente, não é boa no exterior. Eles, contudo, enfrentarão outros problemas.

O primeiro é que a elite do capitalismo mundial, que se reúne anualmente nas montanhas geladas que inspiraram Thomas Mann, há muito tempo mudaram–se de ar mas e bagagens para um conceito mais atual de sustentabilidade. Querem ouvir Paulo Guedes contar como tornará as contas públicas sustentáveis. Querem ouvir a história do juiz ícone do combate à corrupção no Brasil, agora em nova função. Mas querem também saber o que o governo pretende fazer para proteger florestas e seus povos originais. Não por querer interferir nos destinos internos do país, mas porque o combate aos gases de efeito estufa, a luta contra as mudanças climáticas, exige que cada um faça a sua parte. E o Brasil mesmo escolheu a sua parte: atingir o desmatamento zero em 2030. Ontem, o ministro do Meio Ambiente disse que o país continuará no Acordo de Paris. Mas o governo tem criticado essas metas.

Neste momento, grileiros estão se sentindo estimulados, pelos sinais exteriores do governo, a invadir terra pública, principalmente terra indígena. Foi o que já começou a acontecer na Terra Indígena (TI) Uru–eu–wau–wau, a 322 quilômetros de Porto Velho, em Rondônia, segundo informou a “Folha”. O risco, segundo o relato do jornal paulista, é enorme, porque os grileiros avisaram aos índios que o acampamento deles vai aumentar. O Instituto Socioambiental confirma o perigo sobre essa área.

Recebo notícia das aldeias Awá Guajá, no Maranhão, onde estive com o fotógrafo Sebastião Salgado,em2013.Asinformaçõessãodequeos grileiros estão se organizando em São João do Caru para retomar as terras das quais foram expulsos na desintrusão havida em 2014. Ontem, o cacique Antonio Guajajara, da TI dos Caru, me disse que o perigo realmente é grande. A terra Awá Guajá, um paraíso raro no Maranhão devastado, já foi demarcada e homologada. Vinha sendo sitiada por invasores, que foram retirados.   

Agora os grileiros se reúnem novamente. Neste domingo foi marcada uma reunião em Maguary e convocados, para ela, produtores de São João do Caru, Governador Newton Bello, Zé Doca e Centro Novo. O objetivo é voltar para a terra indígena. Os índios da aldeia Juriti são os mais ameaçados. Para fazer a reportagem, eu passei uma semana nessa aldeia. A maioria dos índios nem fala português porque a etnia foi contatada nos anos 1990. São poucos e vulneráveis e a terra que preservam é preciosa porque é um dos últimos remanescentes da Floresta Amazônica no Maranhão. Fiz lá, com Salgado, a reportagem “O Paraíso Sitiado”, que ganhou o prêmio Esso. Os grileiros são conhecidos e estão se organizando para invadir de novo as terras. Os índios começaram a pedir socorro a outros indígenas da região. Pode haver uma tragédia.

Se o governo Bolsonaro não fizer imediatamente um sinal claro de que isso não será permitido, haverá uma onda de invasões de terras indígenas. A própria Funai alertou que a TI Arara, no Pará, estava sendo invadida. O ministro Carlos Alberto dos Santos Cruz disse, na entrevista que me concedeu, na semana passada, que é um absurdo interpretar que o governo aceitará invasões de grileiros. Mas é assim que estão sendo entendidas as decisões tomadas pelo governo Bolsonaro de enfraquecera Funai, levá–la da Justiça para o Ministério da Mulher e Direitos Humanos e entregar a demarcação de terras indígenas a um líder ruralista dentro do Ministério da Agricultura.

Os investidores hoje não olham apenas a performance da bolsa, a reforma da Previdência, a trajetória da dívida. Querem saber desses indicadores econômicos, mas muitas empresas e fundos têm limitações nas suas regras de conformidade e de governança a investir em países que desmatam, ignoram os compromissos no combate à mudança climática ou onde grileiros invadem terras indígenas.

Os discursos do presidente e dos seus ministros podem ser muito aplaudidos, mas num segundo momento o que o governo Bolsonaro tem dito e feito nas áreas climática, ambiental e de direitos indígenas pode se voltar contra o objetivo de atrair investidores. Nem só de ajuste fiscal vive a imagem de um país, mesmo diante dos capitalistas.

Bolsonaro fará estreia em Davos, com os investidores de olho no ajuste, mas também em temas sensíveis, como as políticas ambiental e indígena

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