Recorde de visitantes em Fernando de Noronha aumenta
risco de impacto do turismo no meio ambiente
Destino recebeu mais de 100 mil turistas em 2018; plano
de manejo prevê cerca de 89 mil por ano.
Por Tatiana Coelho, G1 — Fernando de Noronha, PE
29/01/2019 06h00 Atualizado há 12 minutos
Turistas na Praia da Conceição em Fernando de Noronha:
número de visitantes bateu recorde em 2018 — Foto: Fábio Tito/G1
O futuro de Fernando de Noronha preocupa os biólogos. É que
o número de visitantes que a ilha recebe não para de crescer, recentemente
influenciados pela busca das baladas ou da selfie perfeita. Foram mais de 100
mil turistas em 2018, um recorde. O plano de manejo, documento obrigatório em
unidades de conservação e que serve para estabelecer normas de uso baseadas em
estudos, da ilha prevê que Noronha deveria receber em média 89 mil visitantes
por ano.
“Antigamente, você analisava os gráficos e tinha uma
variação estatística sazonal. Nos últimos três anos não teve. Tem mais gente no
fim de ano, mas estatisticamente não é relevante a diferença", diz José
Martins da Silva Júnior, analista ambiental do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade (ICMBio)..
"Ficamos quase que o ano todo lotados”- José Martins da Silva Júnior, analista ambiental do ICMBio
E quanto mais gente, maior a demanda por água, saneamento,
energia e tratamento
de lixo. Maior a demanda pelos passeios e maior o impacto no meio ambiente
local.
O G1 viajou até a ilha para a estreia da série
"Desafio Natureza”, que vai mostrar as questões ambientais que desafiam
esses destinos e como cada um de nós pode fazer a sua parte para amenizar o
problema.
Veja os temas desta 1ª etapa do "Desafio":
- Fernando de Noronha, lado B: série do G1 mostra desafios do lixo no 'paraíso'
- O lugar onde ninguém tira selfie: para onde vai o lixo de Noronha
- A ameaça do plástico que vem do oceano
- Noronha tenta vetar o plástico descartável desde 1996
- Como planejar sua viagem
- Um passeio pela ilha
- Como você pode participar do desafio do lixo
Problemas de infraestrutura
Apenas 50% das casas de Noronha têm coleta de esgoto. A água
é do dessalinizador local ou da chuva e com frequência o racionamento é
necessário.
O administrador da ilha, Guilherme Rocha, acredita que a
infraestrutura da ilha melhorou nos últimos anos e que o número de visitantes
pode ser revisado.
“Existe um estudo de capacidade de suporte que foi realizado
com base em dados de infraestrutura da ilha relativo ao ano de 2004 (ou seja,
há 15 anos). Durante esse período, tivemos melhorias na infraestrutura da ilha.
Mas está nas nossas pretensões a realização de um novo estudo de capacidade de
suporte. Estamos contratando uma empresa para fazer esse trabalho”, diz.
Para o ICMBio, a ilha já está no seu limite de capacidade e,
se o ritmo de crescimento continuar, Noronha pode perder seus status de
“paraíso” e lugar de preservação.
“A situação atualmente é que a gente ultrapassou o limite da
ilha e precisa rever conceitos. Rever o que fazer para retornar a um padrão que
a ilha consiga suportar, que a questão ambiental consiga suportar", diz
Silmara Erthal, gestora responsável do ICMBio.
"Se continuar no ritmo de crescimento que está, a gente
vai transformar isso aqui em qualquer outra praia, em qualquer lugar”, Silmara
Erthal, ICMBio.
Turismo sustentável
Como uma unidade de conservação, Fernando de Noronha precisa
ter regras para visitação do público. Além do controle do número de visitantes
ao longo do ano, existe controle de horário em algumas praias e trilhas com
limite diário de entrada de pessoas.
O objetivo deste turismo sustentável é preservar a natureza
enquanto proporciona uma experiência e conscientiza a população.
É o controle que garante que a experiência em Noronha seja
diferente de qualquer outro lugar no Brasil. Por isso, o papel do ICMBio é
também garantir uma boa experiência ao visitante, isso inclui não ter atrativos
lotados.
Para José Martins até seria possível colocar mais gente nos
atrativos, mas a experiência seria prejudicada: “A experiência que se quer é de
que o visitante cumpra o papel dele de conservação do meio ambiente e sirva
como uma aula de educação ambiental, que mexa com a cabeça do visitante para
ele entender a natureza. ‘Olha, aqui não pode fazer isso, mas é tão bonito’,
‘não pode fazer isso, mas é tão fácil de ver golfinho’”.
“O efeito das regras psicologicamente é assim: será que tem
tanto golfinho porque não pode mergulhar com eles? Será que tem tanta tartaruga
porque tem que respeitar as praias de desova? Isso acaba atuando até
subconscientemente nas pessoas”.
Já para Guilherme Rocha, a preservação não está diretamente
ligada ao aumento ou diminuição do número de visitantes: “A Ilha de Fernando de
Noronha é incomparável a qualquer lugar. Estamos planejando, realizando,
trabalhando e buscando ainda mais parcerias para torná-la a ilha oceânica mais
sustentável do mundo. Isso implica em tomar atitudes que a gestão respeite cada
vez mais o meio ambiente".
"Apenas aumentar ou diminuir a entrada de turistas não
significa, necessariamente, a melhoria da sustentabilidade na ilha”- Guilherme
Rocha, administrador da ilha.
ICMBio e administração - Noronha é um distrito de Pernambuco
e tem seu comandante apontado pelo governo do estado - divergem sobre alguns
temas: “O controle que o ICMBio faz e que o estado faz é muito diferente. Tudo
que acontece em Noronha o estado deixou, mas algumas coisas conseguimos
impedir. A gente dá limites”, diz José Martins.
Obras irregulares
Em outubro de 2018, o Ministério Público Federal, recomendou
que a administração da ilha não aprovasse obras contrárias ao plano de manejo.
A administração reclama que não compete ao ICMBio aprovar ou
não obras na ilha. Em reunião a Assembleia Popular Noronhense (APN) se
declararou a favor do plano de manejo, que também garante moradia digna para os
habitantes de Noronha, e contrários às obras de grandes empreendimentos.
À época, o procurador geral adjunto do Governo do Estado,
Ernani Médicis, disse que Pernambuco não vai abrir mão de licenciar projetos.
“O licenciamento ambiental não precisa de autorização do Instituto Chico
Mendes. Nós não vamos compactuar com questões que ofendam competência
administrativa do Estado”.
O ICMBio alega que o maior problema são as obras autorizadas
pelo estado, mas que não seguem o plano de manejo. “Nós queremos um acordo com
regras claras e o Ministério Público vai nos ajudar, pode ser com um Termo de
Ajustamento de Conduta”, disse o chefe do Núcleo Integrado do ICMBio, Felipe
Mendonça.
A Noronha do Instagram
O perfil do turista que visita a ilha mudou bastante nos
últimos anos. Antes procurada por ecoturistas, Noronha entrou na rota das
pessoas depois de se tornar a queridinha de famosos.
“Atualmente, está vindo visitante para balada, para a
selfie, para uma promoção nas suas redes sociais. Uma selfie de um ator ou uma
atriz que é seguido por milhões de pessoas tem um apelo que está trazendo gente
para fazer a tal da foto. Tem gente que chega no atrativo, tira foto e vai
embora. A pessoa não está contemplando, não está vivenciando o lugar... para
quê vir então? É muito triste”, lamenta Silmara Erthal, do ICMBio.
Para a única guarda-parque mulher da ilha, Gabriela Campos,
a visão que as redes sociais dão da ilha não é a realidade. “As pessoas não
entendem as regras porque acham que são prioridade e, além disso, se frustram
porque veem na TV aquele turismo lindo dos famosos. E realmente para eles é
assim”, diz.
“Eles (os famosos) não pegam lama, não fazem passeio das
trilhas, eles só andam de barco. O visitante chega aqui querendo ser igual e
daí pega uma trilha dessas e fica inconformado. Noronha é vendido da maneira
errada”, Gabriela Campos, guarda-parque.
Nenhum comentário:
Postar um comentário