terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Ruralistas articulam aprovação do pacote do veneno com ministro do Meio Ambiente

Ameaça à vida

Ruralistas articulam aprovação do pacote do veneno com ministro do Meio Ambiente

 

Pauta da reunião de Ricardo Salles com Frente Parlamentar da Agropecuária, que vazou, inclui temas ligados ao desmantelamento e regras de proteção ambiental

por Cida de Oliveira, da RBA publicado 23/01/2019 16h35, última modificação 24/01/2019 11h05
Wikimedia Commons
pacote do veneno na pauta de ricardo salles
O afrouxamento das regras para aumentar o consumo de agrotóxicos está entre os temas tratados entre Frente Parlamentar da Agropecuária e o ministro Ricardo Salles

São Paulo – O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, vai discutir com o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Alceu Moreira (MDB-RS), 13 temas de interesse exclusivo dos ruralistas. O encontro consta da agenda oficial do ministro de hoje (23).


Entre pontos elencados em ofício encaminhado pelo dirigente da FPA, que foi vazado, estão a articulação política para aprovação do PL 6.299/2003 – mais conhecido como Pacote do Veneno–, a revisão da composição, competências e perfil dos integrantes do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) e do tempo de julgamento de processos de autos de infração do do Instituto Nacional de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama). A pauta inclui ainda rever o Decreto 6.514 de 2008, que trata das infrações e sanções administrativas por agressão ao meio ambiente, estabelecendo processo administrativo federal para apuração dessas infrações.

Na prática, isso significa que o agronegócio está sendo recebido pelo titular do Meio Ambiente para tratar de assuntos que não são de interesse ambiental e muito menos da sociedade. O Pacote do Veneno tem a missão de afrouxar ainda mais as atuais regras para registro, produção, comercialização e utilização de agrotóxicos.

Esses produtos são reconhecidamente causadores de câncer, malformações congênitas e uma infinidade de problemas graves, incapacitantes e que podem matar a médio e longo prazo. Sem contar a contaminação de rios, lagos e aquíferos. Sem contar o risco de perda de negócios no comércio exterior.

A mudança da configuração do Conama está associada ao controle do agronegócio também nessa instância, responsável entre outras coisas pela aprovação de políticas ambientais. Para isso, pretendem esvaziar a participação da sociedade e de especialistas, eliminando assim o controle social.

Ministério e ruralistas pretendem também modificar todas as regras envolvendo a fiscalização ambiental, afrouxando normas para facilitar a vida de desmatadores e poluidores e endurecer penalidades contra servidores que vierem a multar.

Nesta segunda-feira, reportagem da Folha de S.Paulo informou que o ministro Salles estuda a criação de regras que permitam punir fiscais que apliquem multas consideradas inconsistentes pela pasta. O plano é responsabilizar os servidores que tenham autos de infração revertidos em outras instância.


fpa.jpg
FPA1.jpg

Articulação

Representante do Ministério Público Federal no Conama e coordenadora adjunta do Fórum Nacional contra os Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, a procuradora regional da República Fátima Borghi considera extensa a pauta discutida entre ruralistas e o Ministério do Meio Ambiente (MMA).


“Abarca uma rede de modificações que me parece vaga e daí para pior. Vai precisar de um estudo aprofundado de cada item. Há itens que precisam de reformas, mas para maior proteção ao meio ambiente ou para acabar com a falsa imagem de proteção quando o que ocorre hoje em dia é a proteção insuficiente", disse a procuradora, que pretende levar a discussão, ponto por ponto, à Quarta Câmara de Meio Ambiente do Ministério Público Federal. "Precisamos conversar com especialistas na área, de forma a apontar as melhorias necessárias e buscar impedir retrocessos".


Fátima defende ainda a imediata articulação com toda a sociedade civil, com apoio das mídias sociais, já que o Congresso está muito diluído, com atenção voltada principalmente à eleição de mesa diretora. “Toda a sociedade precisa abrir um campo de resistência, pressionar seus deputados".

 

Formação de milícias

 

A movimentação entre ruralistas e o ministro não chega a surpreender, conforme avaliação do coordenador da Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, Alan Tygel.  "Ricardo Salles é diretamente ligado ao agronegócio. Já trabalhou para a Sociedade Rural Brasileira (SRB), e sua indicação foi comemorada pelo Nabhan Garcia, presidente da UDR (União Democrática Ruralista) envolvido com porte ilegal de armas e formação de milícias", destaca.

 
Tygel considera que, ao atender o chamado da bancada ruralista, Salles comprova o temor de que representaria um "anti-ministério do Meio Ambiente, ou um ministério anti-Meio Ambiente, cuja única razão de existir é não atrapalhar os latifundiários do agronegócio responsáveis pelo desmatamento no Brasil".


Além disso, a agenda da reunião não foge ao que vem sendo a pauta dos ruralistas, com a liberação de agrotóxicos, a flexibilização do licenciamento ambiental e fim das multas, através de mudanças no Conama.


"No caso da primeira agenda, referente aos agrotóxicos, a colaboração de Salles se dará em duas medidas: liberação geral do registro de agrotóxicos dentro do MMA, e apoio político para aprovação pelo Congresso do Pacote do Veneno, para que o MMA nem precise mais opinar no registro", afirma.


No entanto, conforme destaca Tygel, é muito grave alteração no Conama, já que o órgão está inserido na estrutura do Ministério. "Assim, este órgão que é responsável por criar e aplicar normas ambientais, poderá ficar bastante fragilizado. O Conama, entre várias atribuições, é responsável por decidir em última instância sobre multas impostas pelo Ibama, e estabelecimento de critérios para o licenciamento de atividades poluidoras".


A expectativa, segundo ele, é das piores: um ministério contra o meio ambiente, que fará de tudo para limpar o caminho de poluição, doença e morte para o agronegócio.


Apesar da importância da questão ambiental no campo internacional, que poderia se reverter em pressões contra o governo de Jair Bolsonaro (PSL), a base ruralista tem grande força. Tanto que foi fundamental na eleição do ex-deputado federal e mais ainda na sua sustentação, conforme lembra o coordenador da Campanha Permanente.


"A marca deste governo, sem dúvida, é a completa confusão e desorganização. Mas caso ele recue em relação às demandas históricas dos ruralistas, pode ser o tiro de misericórdia. Seguiremos acompanhando atentos, especialmente em relação à tramitação do Pacote do Veneno e da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos, ambas prontas para ir à votação no plenário da Câmara".


Gravado na Granja do Torto, logo após a eleição de Bolsonaro, o vídeo abaixo circulou nas redes sociais. Mostra o então futuro ministro junto com o dirigente da Sociedade Rural Brasileira, deputado federal eleito Frederico D’Ávila (PSL-SP) e o “comandante em chefe das forças agrícolas”, o presidente da União Democrática Ruralista (UDR) Luiz Antônio Nabhan Garcia, atual secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura. 

Nenhum comentário: