Luiz Carlos Azedo
Erros de conceito custam caro para qualquer estratégia empresarial. Costumam causar desastres irreparáveis, como os de Mariana e Brumadinho. O poder da Vale nos estados onde atua, como Minas, Pará, Maranhão e Espírito Santo, além do poderoso lobby que sempre manteve junto ao governo federal, ao Congresso e ao próprio Judiciário, foi exercido de forma permanente para reduzir custos com medidas de segurança e de controle de impacto ambiental. Prefeituras de todas as áreas onde atua vivem perdendo as quedas de braço com a empresa, que prefere fazer políticas compensatórias de caráter social e urbano do que investir mais pesado na redução de danos ambientais. Agora, a casa caiu.
O plano para “descomissionar” todas as suas barragens construídas pelo método de “alteamento” a montante é uma confissão de culpa e o reconhecimento de que houve erro de conceito na forma como a empresa resolveu tratar os dejetos de suas atividades de mineração, que poderiam ser reaproveitados utilizando tecnologias mais modernas. “Todas as barragens da Vale apresentam laudos de estabilidade emitidos por empresas externas, independentes e conceituadas internacionalmente”, alega a companhia. As represas que desmoronaram, porém, também tinham esses laudos. No caso de Brumadinho, seus responsáveis já estão até presos.
Qual é a razão de tais medidas não terem sido adotadas antes? A própria Vale fornece uma pista. Estima-se que serão gastos R$ 5 bilhões para a desativação das barragens, ao longo dos próximos três anos. A empresa está sendo obrigada, por medida de segurança, a suspender as operações de Abóboras, Vargem Grande, Capitão do Mato e Tamanduá, no complexo Vargem Grande, e as operações de Jangada, Fábrica, Segredo, João Pereira e Alto Bandeira, no complexo Paraopeba, incluindo também a paralisação das plantas de pelotização de Fábrica e Vargem Grande. Deixarão de ser produzidos 40 milhões de toneladas de minério de ferro ao ano, dos quais 11 milhões de toneladas de pelotas.
A Vale pretende redirecionar a produção para outras regiões do país — cada vez mais, as suas atividades de mineração se deslocam de Minas/Espírito para o Pará/Maranhão — e aproveitar todos os trabalhadores da empresa, mas qual será o impacto na economia das cidades mineiras e capixabas, em termos de arrecadação e geração de emprego e renda? Com certeza, será muito negativo. O caso de Brumadinho, nesse aspecto específico, é muito pedagógico, pois reflete um erro de conceito da empresa em relação ao reequilíbrio de suas atividades com o meio ambiente e o entorno social. Há outros erros correlatos, mas o principal talvez seja a subordinação da agenda ambiental aos interesses da produção e da lucratividade financeira da empresa, custe o que custar, embora isso esteja em contradição com a missão definida no planejamento estratégico da própria: “Transformar recursos naturais em prosperidade e desenvolvimento sustentável”.
Narrativas
Brumadinho também pôs de pernas para o ar a narrativa do novo governo sobre a questão ambiental, que se tornou uma agenda emergente. Os trabalhos no Congresso serão reabertos amanhã, mas nos corredores da Câmara e do Senado, ontem, já se articulavam uma comissão especial de inquérito para investigar a Vale e outra comissão, mista, isto é, em conjunto com o Senado, para investigar milhares de barragens existentes no país, muitas delas sem licenciamento sequer. Não se deve demonizar a mineração, que é uma atividade essencial para a economia do país, mas há que se repensar o modus operandi das companhias: o custo da tragédia de Brumadinho será muito maior do que aquele que se teria se tivesse adotado medidas efetivas. O saldo dessa tragédia, até agora, é de quase 100 mortos e mais de 250 pessoas desaparecidas. O impacto na opinião pública das operações de resgate é mundial e já mobiliza os organismos internacionais e acionistas da própria Vale.
Mariana é um exemplo do poder do lobby da Vale junto aos governos, ao Congresso e ao Judiciário no sentido de não honrar suas responsabilidades ambientais e sociais; a empresa simplesmente se recusa a pagar as multas aplicadas e é um dos atores mais poderosos no sentido de desmoralizar os órgãos de controle ambiental e seus técnicos. A narrativa de que a legislação e a fiscalização ambientais são um entrave ao desenvolvimento não é somente falsa, é um erro de conceito. Mais ou menos como achar que o aquecimento global é uma cascata dos seus pesquisadores, quando as alterações climáticas estão aí mesmo, alterando a rotina das pessoas e provocando catástrofes naturais pelo mundo. O Brasil não está fora disso.
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