sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Valor Econômico – A bem-vinda queda da população / Artigo / Adair Turner


Desde que a China aboliu a política do filho único, em 1º de janeiro de 2016, os nascimentos anuais, após terem aumentado para 17,86 milhões naquele ano, na verdade caíram, de 16,55 milhões em 2015 para 15,23 milhões em 2018. O "baby boom" que não ocorreu não deveria surpreender.

Nenhuma outra economia bem-sucedida do Leste da Ásia impôs uma política de um só filho, mas todas têm taxas de fertilidade muito inferiores ao nível de reposição. A taxa de fertilidade do Japão é de 1,48 filho por mulher, a da Coreia do Sul, de 1,32 e a de Taiwan, de 1,22. A taxa de fertilidade da China quase certamente permanecerá bem abaixo do nível de reposição, apesar de todas as restrições sobre o tamanho da família terem sido abolidas agora.

A queda da população se seguirá a isso, inevitavelmente. De acordo com a projeção média da ONU, a população total do Leste da Ásia vai cair do 1,64 bilhão atual para 1,2 bilhão em 2100. Também não se trata de um fenômeno apenas do Leste da Ásia. A taxa de fertilidade do Irã (1,62) é atualmente bem inferior ao nível de reposição, e a do Vietnã, de 1,95, ligeiramente inferior. Na maior parte das Américas, desde o Canadá (1,56) até o Chile (1,76), as taxas de fertilidade já estão bem abaixo de 2 filhos por mulher, ou estão caindo aceleradamente em direção a esse patamar.

O padrão inquestionável é as economias bem-sucedidas terem taxas de fertilidade mais baixas: a do Chile é muito mais baixa que a da Argentina (2,27), e Estados indianos mais ricos, como Maharashtra e Karnataka, já têm taxas de fertilidade de aproximadamente 1,8. Nos Estados indianos mais pobres de Uttar Pradesh e Bihar ainda se observam taxas de fertilidade superiores à de 3 filhos por mulher.

Deveríamos sempre ser cautelosos quanto a inferir regras universais de comportamento humano, mas, como sugerem Darrel Bricker e John Ibbitson em seu recente livro "Empty Planet: The Shock of Global Population Decline", parece que podemos identificar uma delas. Desde que as taxas de fertilidade dos Estados Unidos e da Europa Ocidental caíram, originalmente, para menos de 2 filhos por mulher, na década de 1970, taxas maiores (por exemplo, nos EUA, que tiveram, em média, pouco mais de 2 filhos por mulher entre 1990 e 2010) ocorrem apenas onde a primeira geração de imigrantes vindos de países mais pobres trazem consigo essas taxas.

Em todas as economias bem-sucedidas em que as mulheres têm bom grau de instrução e são livres para optar, uma taxa de fertilidade inferior à de reposição é o resultado médio dos comportamentos individuais diversificados.

Muitas pessoas condenam essa contração demográfica porque ela implica que um número menor de trabalhadores terá de sustentar um contingente crescente de pessoas idosas. Mas, embora uma queda muito acelerada da população, como a que o Japão pode vivenciar, seja difícil de administrar, taxas de fertilidade moderadamente inferiores ao nível de reposição (digamos, de 1,8 filho por mulher) seriam não apenas administráveis como também benéficas para o bem-estar da humanidade.

Por outro lado, no nível mundial, quanto mais baixa for a população mundial final, menos acirrada será a competição em torno do uso da terra, que resulta do aumento da demanda por alimentos e da conveniência de preservar a biodiversidade e a beleza natural.

A queda gradual da população a que chegaremos, desde que resulte da livre escolha, deve ser vista com bons olhos. Por seu lado, políticos autoritários machistas do sexo masculino, como o presidente da Rússia, Vladimir Putin, o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdoganm, e o presidente brasileiro Jair Bolsonaro, veem o crescimento da população como um imperativo nacional e a elevada fertilidade como dever da mulher. E até muitos comentaristas não machistas consideram que há algo de antinatural ou de insustentável na queda da população, que as sociedades em acelerado processo de envelhecimento têm inevitavelmente de ser menos dinâmicas e que a imigração de grande escala é a reação essencial à queda demográfica.

Mas as exortações dos políticos autoritários machistas serão ineficazes enquanto as mulheres forem livres para escolher. E os que propõem a imigração como a solução necessária para um problema exagerado têm de encarar uma realidade simples: se todas as pessoas da Terra gozassem de prosperidade e de livre escolha, a imigração de outros planetas não seria uma reação viável à queda da população mundial provável decorrente.

Essa queda mundial está, no entanto, mais provavelmente a um século de distância. Na verdade, o maior desafio demográfico ao bem-estar da humanidade não é a baixa fertilidade ou o envelhecimento da população, e sim as altas taxas de fertilidade e o acelerado crescimento da população ainda observados no Paquistão, em boa parte do Oriente Médio e na África, onde a população total, de acordo com a ONU, poderá subir do atual 1,3 bilhão de pessoas para 4,5 bilhões até 2100, mesmo se a taxa média de fertilidade africana cair para níveis próximos ao de reposição até essa data (alcançando 2,14 filhos por mulher na projeção média da ONU).

Bricker e Ibbitson afirmam que a queda da fertilidade poderá ser mais acelerada do que sugere a projeção média da ONU. Mas o recente declínio foi mais lento que o previsto pela ONU dez anos atrás. Em consequência disso, as projeções de população mundial para 2050 aumentaram, dos 9,2 bilhões aventados na projeção da ONU de 2008, para 9,8 bilhões na mais recente revisão, de 2017.

A expansão populacional resultante, tanto no norte do continente africano quanto na África Subsaariana, dificultará a tarefa de chegar ao nível de investimento per capita necessário para sustentar o crescimento acelerado da economia ou para criar de forma suficientemente acelerada o número de empregos capaz de absorver uma população em idade ativa em rápido crescimento. Uma população jovem subempregada, por sua vez, tenderá a representar uma ameaça de instabilidade política por muitas décadas.

Uma queda da fertilidade mais acelerada geraria enormes benefícios para esses países, tornando, ao mesmo tempo, a sustentabilidade mundial mais fácil de alcançar. Felizmente essa queda não exige o inaceitável nível de coerção da política chinesa de um só filho. Instruir as meninas, oferecer-lhes acesso a meios anticoncepcionais e liberá-las das exigências machistas de líderes religiosos ou políticos conservadores bastaria. E deveria ser alta prioridade. (Tradução de Rachel Warszawski)

Adair Turner, presidente do Instituto para o Novo Pensamento Econômico e ex-presidente da Autoridade de Serviços Financeiros do Reino Unido, é presidente da Comissão de Transições Energéticas. Copyright: Project Syndicate, 2019.

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