Atualizado em 21 de agosto, 2014 - 17:21 (Brasília) 20:21 GMT
O presidente do Conselho Mundial
da Água, Benedito Braga, disse em entrevista à BBC Brasil que a atual
crise hídrica em São Paulo e em outras cidades do Sudeste é uma
"oportunidade" para esta região do país, que deveria se inspirar no
exemplo do Nordeste para enfrentar o problema.
"Esta região aprendeu com as crises do passado e criaram uma infraestrutura para conseguir sobreviver a este momento díficil. O Ceará é um bom exemplo disso."
Tarifa exponencial
Braga também defende que haja uma mudança no atual modelo de cobrança de tarifas de consumo de água.Para o especialista, somente um aumento exponencial do preço seria capaz de fazer consumidores usarem este recurso de forma racional.
O hidrologista defende que seja imposto um limite "razoável" de consumo para cada residência e que, a cada metro cúbico utilizado além dele, o valor da tarifa seja em primeiro lugar triplicado.
Caso seja ultrapassado um segundo patamar de consumo, o preço seria elevado em seis vezes, e assim por diante.
"A única forma de fazer as pessoas reduzirem seu consumo é gerar um impacto no bolso."
A Sabesp já aplica um aumento progressivo do valor da tarifa de acordo com o consumo.
A empresa cobra em São Paulo um preço fixo de R$ 16,82 pelo uso de até 10m³.
Entre 11m³ e 20m³, a tarifa por metro cúbico sobe 56%. Se forem usados entre 21m³ e 50m³, o preço sobe mais 149%. Acima disso, há um acréscimo de 10% no valor do metro cúbico.
"Minha proposta é que o valor seja triplicado após um limite razoável para cada residência. Depois, sextuplicado", afirma Braga.
"Quando o consumidor receber a conta, vai perceber que não tem como pagá-la e ai vai entender que há uma crise e economizar."
Aumento do consumo
Esses números mostram que, mesmo em meio a pior crise de água já registrada na região atendida pela empresa, quase um quarto das residências paulistas teve um aumento no consumo de água.
A porcentagem das casas com esse aumento ficou em 24% em maio, baixou para 21% em junho, subiu para 26% em julho e está em cerca de 22% em agosto, segundo dados parciais contabilizados até o último dia 11.
Os dados da Sabesp ainda mostram que um bônus oferecido a paulistas que reduzirem seu consumo de água em 20% não foi capaz de gerar uma grande economia de água.
Desde fevereiro, as residências que cumprem com esta redução ganham um desconto de 30% na conta no fim do mês.
Mas o consumo nas 43 cidades da região metropolitana de São Paulo terminou o primeiro semestre com um aumento de 1,1%. Isso ocorreu por causa de um aumento de 4% entre janeiro e março.
Já entre abril e junho, houve uma redução de 2%, o equivalente a 6 bilhões de litros, algo que a Sabesp considerou "significativo" diante do aumento de 5% nas ligações de água neste período.
'Falta de consciência'
Para Braga, isso é um sinal de que a população não está consciente da crise hídrica, "caso contrário não haveria aumento do consumo"."A mídia fala muito da crise, mas, se não impactar no bolso do cidadão, ele acha que é assim mesmo e que não é uma situação tão grave assim, porque tem água na torneira", diz o especialista.
O governo estadual paulista chegou a anunciar em abril que iria cobrar uma multa de 30% pelo aumento do consumo de água. A medida veio após quedas sucessivas do nível do Sistema Cantareira (que abastece a Grande São Paulo) por causa de uma escassez de chuvas.
A multa seria aplicada a partir de maio, foi adiada para junho e nunca chegou a sair do papel.
Crise hídrica
O alerta sobre a estiagem soou em
São Paulo em dezembro, quando choveu 72% abaixo do normal. Em janeiro e
fevereiro, a média foi 66% e 64% menor, respectivamente. Foi a estiagem
mais intensa desde 1930.
Para agravar a situação, o último
verão foi o mais quente desde 1943, quando começaram as medições. A
temperatura média, de 31,3°C, ficou 3°C acima do que no verão passado.
Em abril, o nível do Sistema Cantareira estava em 12%.
Desde então, o nível do Sistema
Cantareira chegou a zero pela primeira vez na história e foi preciso
usar metade do chamado "volume morto" (cerca de 200 bilhões de litros), a
água que se encontrava abaixo dos níveis de captação usados até então.
Isso elevou o nível do Cantareira, que voltou a cair e está em 12,6% atualmente.
O governador paulista Geraldo Alckmin desistiu da medida em julho por considerá-la desnecessária diante do aumento do número de consumidores que aderiram ao programa de bônus da Sabesp.
Ele disse que "91% da população aderiu ao uso racional da água. Quase 40% ganhou o bônus", disse o governador na época.
Segundo dados de agosto da Sabesp, 78% dos consumidores reduziram seu consumo até agora.
"A multa gera muita confusão porque seu processo legal é complicado e ela pode ser questionada pelo Ministério Público", diz Braga.
"O aumento exponencial da tarifa é possível porque é uma decisão que cabe exclusivamente à agência reguladora."
Volume morto
Diante da perspectiva de falta de chuva até novembro, o governo do estado já obteve autorização para captar uma segunda parte do volume morto, estimada em 100 bilhões de litros.Braga considera a medida "absolutamente necessária porque não há como fazer uma previsão climatológica de longo prazo".
"É uma forma de se precaver em relação a verão menos chuvoso, porque nenhuma obra de infraestrutura para levar mais água para o Sistema Cantareira será concluída no curto prazo", diz Braga.
"Obras já são por si só algo demorado e isso se agrava no nosso país, porque temos uma legislação ambiental e de licitações altamente complexa, o que faz com que obras levem dez vezes mais tempo aqui do que na China, por exemplo."
O especialista acredita que a escassez recorde de chuvas entre o final de 2013 e o início deste ano dificilmente se repetirá, mas esclarece que isso não significa que a crise estará resolvida.
"As previsões do CPTEC (Centro de Estudos do Tempo e Estudos Climáticos, órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia) indicam que teremos um verão normal. Se isso se confirmar, chegaremos nesta mesma época do ano que vem com o nível dos reservatórios em 30%", diz Braga.
"Isso é preocupante, porque ai dependeremos de novo da chuva, e não podemos ficar à mercê da chuva."
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