Após quatro mandatos como senador, um como governador e quatro como deputado estadual, Pedro Simon (Caxias do Sul, 1930) está deixando a vida pública. O que era para ser uma aposentadoria por vontade própria, transformou-se em um “exílio” forçado
Simon, em um evento no Rio em 2011Na primeira entrevista após a derrota nas urnas, o expoente do PMDB gaúcho analisa as eleições deste ano dizendo que os ataques do PT e a falta de comando do PSB resultaram na derrota de Marina Silva no primeiro turno. Elogia a gestão Itamar Franco (1992-1994), afirma que até a ditadura militar tinha mais ética e moral do que o Governo petista e que o PMDB vive há mais de duas décadas, às custas de migalhas. Uma curiosidade, ele até hoje chama o seu partido de MDB, as siglas de Movimento Democrático Brasileiro, a legenda dos opositores do regime militar que deu origem ao PMDB em 1980. A seguir os principais trechos da entrevista.
Pergunta. O senhor esperava que Aécio e Dilma se enfrentariam no segundo turno?
O que aconteceu com a Marina foi inesperado
Resposta. Não. O que aconteceu com a Marina foi inesperado. Ela tinha uma vitória quase irreversível, mas enfrentou uma campanha de uma brutalidade principalmente por parte do PT. Foi algo radical, violento. O Governo usou as redes sociais, contrataram jovens, fizeram uma espécie de faculdade para que esses jovens atacassem a Marina. Diante disso tudo, a Marina sucumbiu. Por outro lado, houve uma reação à ação do PT que favoreceu o Aécio. Além disso, no último debate do primeiro turno, ele se saiu muito bem. Teve uma parte dos eleitores da Marina que acabou migrando para o Aécio.
P. O senhor está dizendo que o jogo foi sujo. É isso?
R. Mais que isso. Foi algo insuportável. Foram tantos absurdos que quase ninguém suportaria. Ficou fora do terreno da racionalidade. Na verdade, a candidatura da Marina era quase um estado de espírito. Ela queria fundar um partido, a Rede, a Justiça eleitoral não deixou, ela caiu em um partido que a recebeu rapidamente e por um acaso do destino virou candidata. Quando ela surgiu como concorrente, ela tinha uma firmeza tão grande que parecia que a vitória seria irreversível. Eu achava que ela estaria eleita. Em todos os meus anos de vida pública, não me recordo de ter visto algo parecido com o que a Marina sofreu. Na primeira eleição após as Diretas Já, houve o embate do Fernando Collor com o Lula [da Silva]. Eu era governador do Rio Grande do Sul e estava com o Lula. Ele estava empolgando a população. A vitória dele era dada como certa por alguns setores. No último debate o Lula agiu de uma maneira tão violenta que ele perdeu feio. Me lembro de estar assistindo o debate e reconhecemos que ele perdeu o debate, mas isso não alterava o resultado da eleição. No dia seguinte, a Globo, no Jornal Nacional, montou uma edição, cinematográfica, pinçando trechos do debate que mostravam que o Collor era um gênio e o Lula, um idiota. Esse Jornal Nacional derrotou o Lula mais do que o próprio debate.
P. Na sua opinião, esses ataques pelas redes sociais são hoje, pra Marina, o que o Jornal Nacional foi em 1989 para o Lula?
O Aécio esteve a ponto de jogar a toalha
R. Não sei se tiveram o mesmo peso. Mas além das redes sociais, houve todo o uso da máquina institucional. A mobilização contra a Marina foi impressionante. Com o início da propaganda vamos ver outros ataques, mas como isso já ocorreu no primeiro turno, acho que há grandes chances do Aécio ganhar a eleição. Custo a crer que o governo não intensifique os ataques. O Aécio esteve a ponto de jogar a toalha e dizem que foi o Fernando Henrique [Cardoso] quem o estimulou a continuar na disputa. [O candidato tucano já disse que não pensou em desistir da campanha].
P. E por que o senhor confia na vitória de Aécio?
R. O PT está há doze anos no Governo. Se ficar mais quatro anos vai a 16. Não há regime ou ditadura no Brasil, excluindo a militar, que durou tanto tempo. Nem Getúlio Vargas, que ficou 15 anos no poder ficou tanto tempo. Sem contar que de 1934 a 1937 viveu um momento de democracia. Acho que o Governo da Dilma está sentindo o que aconteceu com a Marina e estão preparados para atacar cada vez mais o Aécio.
P. Voltando ao assunto Marina, o senhor acha que ela não fez nada de errado para não ir ao segundo turno? Foi só culpa dos ataques?
O PSB não tem tradição de governo. É um partidinho pequeno, que não tem nada
R. Fazer, ela fez. Faltou um comando mais positivo. O PSB não tem tradição de governo. É um partidinho pequeno, que não tem nada. É gente ingênua, um governadorzinho aqui, outro lá. E a Rede, da Marina, tem menos experiência ainda. Quando estavam com o Eduardo Campos como candidato, era uma campanha normal, tranquila, não se esperava grande coisa. Quando ela entrou, que houve aquela evolução, explodiu o apoio, e veio a guerra do PT, eles não tiveram condições de reagir. Um dos exemplos de coisas erradas foi a questão dos homossexuais, que eles não revisaram o programa de governo e ficou parecendo que ela voltou atrás de um posicionamento que já havia dado. Faltou preparo na formulação do programa do partido. Outra coisa foram as declarações desnecessárias. Por que ela foi discutir a autonomia do Banco Central? Era uma questão que não estava em discussão. Não era ela, ou seu assessor, um economista que quis dar uma de bacana, quem deveriam trazer esse assunto para o debate.
P. Por que seu partido, que está com a Dilma nacionalmente, no Rio Grande do Sul apoia o Aécio? Não há um contrassenso?
R. Temos um problema existencial com o MDB nacional. Nós entendíamos que deveríamos ter uma candidatura própria. Se está lá o PSDB, o MDB entra no governo. Se está o PT, o MDB entra no governo. Tudo isso em troca de dois ou três cargos de quinta categoria. E há uma série de restrições do MDB do Rio Grande do Sul com relação ao MDB nacional. Então, todas as causas que nos levaram a apoiar primeiro o Eduardo, depois a Marina, nos levaram agora a apoiar o Aécio. Nós não nos identificamos com a linha do Governo Dilma.
P. Como o Aécio deve atuar para ganhar na região Sul do país?
Fui reforçar as fileiras do partido. Mas eu não tinha a mínima chance de vitória
R. O Aécio terminou lá em cima no Rio Grande do Sul. Há uma restrição do Rio Grande do Sul ao PT. E essa restrição se manifestou pelos votos da Marina e do Aécio.
P. E aí no Estado, o candidato de vocês, José Ivo Sartori, era o terceiro nas pesquisas e passou para o segundo turno em primeiro lugar. Como isso foi possível?
R. Foi sensacional. Ele começou com 3%, os primeiros programas de televisão eram bem lúcidos, mostrou a história dele como filho de colonos, gente humilde, e mostrou muita competência que veio vindo, crescendo e agradou o Rio Grande todo. No final, enquanto o Tarso Genro [o atual governador petista] se firmou com os ataques, com a radicalização, e a Ana Amélia [candidata derrotada do PP] respondeu, o Sartori não tomou conhecimento da briga e apresentou propostas. Não teve preocupações em questões pessoais. Os dois perderam.
P. O senhor chegou a anunciar sua aposentadoria e acabou mudando de ideia no último momento.
Estive lutando contra o fim da tortura, participei de vários momentos sempre do mesmo lado. Nunca mudei.
R. Eu determinei, resolvi que não iria concorrer. Escolhemos um candidato a senador, o Beto Albuquerque (PSB). Eu estava deixando a vida pública. Com a morte do Eduardo, a Marina virando candidata a presidente, o Brasil inteiro pediu que o Beto fosse o vice dela. Aí, faltava trinta e poucos dias e não tínhamos candidato a senador. A rigor, eu não me candidatei, me meteram, na marra. Eu praticamente não saí de Porto Alegre, da região metropolitana, não fiz propaganda. Tanto é que a colinha para a votação continuava aparecendo o nome do Beto. Não tinha material de campanha.
P. O senhor foi forçado?
R. Todos nós sabíamos que eu não queria. Fui reforçar as fileiras do partido. Mas eu não tinha a mínima chance de vitória. Sabia disso. Eu meditei muito quando decidi encerrar uma vida pública. Poderia encerrar perdendo uma eleição ou encerrar no alto da carreira. Mas eu não podia encerrar. Na hora que me botaram a faca no peito eu tinha de reagir. Eu aceitei, sabendo que não ganharia.
P. Foi um sacrifício que o senhor fez pelo partido?
R. Todo mundo acha isso. Eu prefiro não fazer essa avaliação direta.
P. E qual o balanço que o senhor faz dos seus anos de vida pública?
R. Como diria São Paulo, “combati o bom combate”. E eu sobrevivi. Não posso analisar todas as posições que eu tive. Quem me conhece desde guri sabe que até hoje eu fui uma pessoa que teve uma linha de ação sem se desviar dela. Sempre respeitei a democracia, a seriedade a credibilidade e a minha história mostra isso. Quando eu estava em São Borja, no enterro do Getúlio Vargas [em 1954], eu estava lutando pela manutenção do João Goulart que foi deposto pela ditadura, eu estava nas fileiras do MDB na sustentação contra a ditadura. Estive lutando contra o fim da tortura, participei de vários momentos sempre do mesmo lado. Nunca mudei.
P. O senhor gosta de fazer citações bíblicas. Na sua última campanha o senhor fez mais uma.
R. Sim. Eu sou franciscano. Eu citei que Moisés, com 80 anos, conduziu o povo judeu, então eu, aos 84, também poderia ajudar o meu povo na caminhada.
P. Qual foi o momento de sua vida pública que mais lhe marcou?
O MDB virou essa dolorosa realidade de se contentar por meia dúzia de carguinhos e deixa de lutar pelo o que é necessário.
R. [Simon respira fundo e se cala por 32 segundos]. Eu diria que foi a caminhada do MDB para derrubar a ditadura. Eu me senti um cruzado. O MDB era um grupo de homens puros buscando lutar contra a ditadura, estabelecer uma democracia. A história do Brasil, quando for escrita desse nosso atual período, deve dizer que os nossos partidos políticos não têm biografia. A única história positiva foi a do MDB nas Diretas Já. Foi um partido que esteve ao lado da sociedade, não se dobrou, não se virou para o lado da ditadura militar, era um partido que buscava a transformação. Por outro lado, acho que na hora que o MDB foi à Constituinte, elegeu o Tancredo Neves, dando um passo para o fim daquele período, foi um momento de enorme significado. Infelizmente, o negativo que eu vejo é que com a morte de Tancredo, e esse Sarney aí assume o Governo, surge aquela divisão, entre os que não o apoiam e os que querem pegar as migalhas do Governo. Aí o MDB saiu da linha. Virou essa dolorosa realidade de se contentar por meia dúzia de carguinhos e deixa de lutar pelo o que é necessário. O MDB se transformou em algo muito triste.
P. Desde então o senhor não identifica nenhuma outra iniciativa positiva dos partidos?
R. Houve um momento que acreditei que o PT teria uma garra, uma coragem de um grande partido. Eles pareciam as comunidades de base que existiam no MDB. A luta que eles tinham quando eram oposição era qualquer coisa de notável. Quando chegaram ao poder, foi o pior partido do poder. Na história brasileira não há um período tão doloroso como em dois momentos nos últimos anos: o mensalão e a corrupção na Petrobras. O PT chegou ao governo e se tornou o partido mais triste, mais vergonhoso de nossa história. Foi pior até do que a ditadura militar, no campo da ética, da seriedade.
P. Como assim, pior do que a ditadura?
O PT chegou ao governo e se tornou o partido mais triste, mais vergonhoso de nossa história
R. Sim. No campo da ética foi. Esses escândalos de corrupção foram vergonhosos. O PT tem um lado positivo. Houve avanços na área social. O Bolsa Família e outras coisas foram extremamente positivas. Mas no que tange à ética e à moral, não há no mundo escândalos maiores do que o mensalão e a Petrobras, com a cúpula do PT envolvida.
P. Na avaliação do senhor, qual foi o melhor governo que o país já teve?
A imprensa, infelizmente, levou o Itamar Franco para o lado folclórico
R. Itamar Franco (1992-1994). Porque o Itamar assumiu no pior momento. O impeachment afasta o presidente eleito [Collor]. Uma CPI dos Anões do Orçamento. Ele assume sem partido, sem apoio, sem nada. Nós montamos o governo ao lado dele. Fizemos uma reunião com todos os presidentes e líderes de partidos. E fizemos uma cópia do pacto de Moncloa, na Espanha [termo assinado em 1977 diante de uma grave crise financeira e social após o fim da ditadura Franco]. O Itamar não tinha o povo do seu lado. O povo não votou nele, o povo votou no Collor e o Congresso votou [pelo impeachment] do Collor. O Congresso botou o Itamar no Governo, então o Congresso era o responsável pelo Itamar. Fizemos um grande acordo envolvendo desde o menor até o maior partido. Ele disse que se houvesse uma crise nacional, “convoquem a mim e eu respondo a vocês”. E a recíproca foi verdadeira. Ele governou com uma grande coalizão. Ele lançou o Plano Real, o plano mais sério, mais importante, que na verdade vem salvando esse país. No Governo dele, não houve uma vírgula de corrupção. Não teve deputado, senador, que ganhou dois mil réis para comprar coisa nenhuma. Absolutamente nada. O Real foi negociado em debates acalorados, mas foi votado sem nenhum cheiro de corrupção. Quando o chefe da Casa Civil foi citado na CPI, na mesma hora o Itamar mandou ele se afastar do cargo e só voltou quando se comprovou que não havia nada contra ele. Governo da maior dignidade.
P. Por que poucas pessoas fazem essa avaliação?
R. A imprensa, infelizmente, o levou para o lado folclórico. Ele era caipira, era não sei o quê e botou nele uma marca que não devia. Na minha opinião ele fez o Governo mais sério e correto do Brasil.
Fonte: Portal Gama Livre / Jornal Bahia em Pauta /
Jornal El Pais. Por AFONSO BENITES. Foto: Estadão Conteúdo/EL PAIS -
17/10/2014 - - 08:11:22
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