domingo, 25 de janeiro de 2015
( Por Eliane Cantanhêde. Estadão) Num estilo mais direto e crítico do que de costume, o ex-vilão da
campanha presidencial, Armínio Fraga, disse ao Estado que o ministro da
Fazenda, Joaquim Levy, “largou bem, mas é uma ilha de competência em um
mar de mediocridade, com honrosas exceções”. Segundo Armínio, que foi
presidente do Banco Central no governo FHC e seria o homem da economia
num eventual governo de Aécio Neves, “o governo é carregado de
incompetência, de ideologia e de corrupção”.
Depois de virar o vilão da história durante a campanha, como o sr. se sente agora?
Estou me desintoxicando da campanha. Eu não sou vilão e me
irritava o baixo nível do debate e aquela verdadeira produção de
mentiras e de cenas, tudo muito teatral. Eu dizia uma coisa, eles
deturpavam ou tiravam do contexto. Dizia outra, eles deturpavam de novo.
Então, foi tudo muito frustrante. E eu não sou desse mundo.
Que mundo?
De campanha, de debate político, de confronto parlamentar. Sou
uma pessoa engajada, que pensa o Brasil, que pensa política pública,
mas não faço política diretamente.
O que o sr. conclui com a experiência?
Estamos vivendo uma enorme crise de valores e isso é
gravíssimo. Nós temos exemplo para todo lado, é mensalão, é petrolão,
mentiras na campanha, como se tudo isso fosse muito natural. Não é.
E a economia?
Há um ciclo, desde que o presidente Lula mudou de linha na
área econômica no segundo mandato, com características populistas que
incluem esse tipo de discurso distorcido e muito difícil de se
contradizer. Muita gente acredita que um regime populista não se
derrota; ele mesmo quebra, se destrói. Então, o que o Aécio tentou na
campanha, e nós todos junto com ele, foi derrotar um regime populista
que tem tentáculos enormes que atingem um número imenso de pessoas.
Baixo crescimento, inflação alta, juros altos, nada disso foi capaz de derrotar Dilma. Por quê?
No que se refere ao ciclo econômico, as coisas às vezes
demoram a acontecer. As implicações de uma desaceleração drástica do
crescimento, como ocorreu no primeiro mandato dela, ainda não se fizeram
sentir. Estão a caminho. E quem vai sentir mais são os mais pobres. São
sempre eles, sempre, sempre, sempre.
Pode-se dizer que a grande falha da era petista é a perda de competitividade?
Não gosto dessa palavra, competitividade. Ela tira o foco da
palavra mais importante, que é produtividade. Como você chega a ser
competitivo? Produzindo. Então, falta uma educação de qualidade,
empresas acopladas aos melhores padrões globais, trazer para cá o que
presta. O Brasil não precisa focar apenas em inovar. Em algumas áreas
pode apenas imitar. E nem isso nós estamos conseguindo.
O Levy não está indo bem?
O Levy largou bem, mas é uma ilha de competência num mar de
mediocridade no governo Dilma, com honrosas exceções, como os ministros
Izabella Teixeira (Meio Ambiente), Kátia Abreu (Agricultura) e Alexandre
Tombini (Banco Central). Sozinho, o Levy vai até um ponto. Pode evitar
ou postergar um rebaixamento do crédito do País e até acalmar um pouco
as expectativas, mas o lado qualitativo que nós imaginávamos vai
continuar muito prejudicado. O Brasil tem uma renda per capita que é
menos de 20% da americana. Então, há um espaço enorme para crescer. O
Brasil deveria crescer e pode crescer, e rápido, mas tem de arrumar as
coisas de uma maneira muito ampla.
Fundamental agora é arrumar as contas?
É bom arrumar as contas, mas não é só arrumar as contas. O
Levy já anunciou medidas para tapar metade do buraco que ele definiu
como meta para o primeiro ano. Não quero entrar em detalhes, mas umas
são melhores, outras são muito polêmicas, como essas das pensões. São
questões tão fora da curva global que nem deveria haver discussão, mas
eram proibidas, vetadas, nessa campanha completamente maluca que nós
tivemos.
As medidas anunciadas até agora não são suficientes?
Ele está focando mais do lado da receita do que do gasto. Em
parte porque integra um governo que tem essa cabeça, que deixou essa
herança aí. Num governo carregado de ideologia, de corrupção e de
incompetência, não há nada para cortar? É lógico que tem muita gordura
para cortar e, se houvesse um corte de 10% em todas as instâncias, a
população nem ia notar. Eu até reordenaria: incompetência em primeiro
lugar e depois ideologia e corrupção. Por mais gigantesca que seja a
corrupção, acho que os outros dois têm até peso maior, aliás, bem
maior.
É mesmo? Por quê?
O impacto econômico que se tem quando o país cresce zero, em
vez de quatro, é inimaginável, incalculável, gigantesco. Muito maior do
que esses 3% que, aparentemente, são cobrados aí de tudo.
O que mais é preciso fazer?
Tem de mexer em tudo, tem de abrir e dizer: “Tudo está
valendo”. Isso é que faz falta. Como o Levy vai trabalhar, se tudo o que
está aí foi feito pelo próprio governo e com a própria presidente à
qual ele se reporta? Então, ele trabalha numa saia-justa danada.
Se o Aécio Neves tivesse sido eleito, ele estaria fazendo tudo isso que a Dilma liberou o Levy para fazer?
Não sei bem o que é “tudo isso”. Sinceramente, acho pouco.
O Aécio aumentaria as tarifas? Foi isso que disparou as manifestações de junho de 2013.
Num sistema no qual haja princípios, um certo realismo
tarifário é essencial. É legítimo discutir para onde a conta vai, se vai
para o consumidor, se vai para o contribuinte, mas para algum lugar ela
vai. Do bolso de alguém sai. São decisões difíceis, mas é preciso o
mercado funcionar para não haver racionamento.
E as dificuldade políticas para fazer exatamente as
mesmas coisas ou mais? CUT, MST e UNE calam com a Dilma, mas não
calariam com vocês. Seria um caos?
Talvez. Mas, de outro lado, nós teríamos um jato de ânimo, de
energia na economia que colocaria as pessoas em dúvida quanto a ir para a
rua fazer manifestação. Tem tanta coisa errada que um grupo de pessoas
trabalhando com um bom objetivo, com visão clara do que precisa ser
feito, chegando cedo e saindo tarde todo dia poderia fazer muito, muito
mesmo.
Os críticos petistas das medidas de Dilma e do Levy
dizem que a política econômica que eles estão fazendo é do PSDB, que
pune trabalhadores, consumidores, contribuintes e poupa os ricos.
Concorda?
O nosso modelo é muito, mas muito mesmo, mais progressista do
que esse que está aí. Lugar de empresário é na fábrica, não é em
Brasília. Isso é altamente regressivo. Um sistema muito ruim, no qual
empresas doam centenas de milhões de reais para as campanhas. Como pode
isso? Não é possível que dentro do PT e entre simpatizantes do PT não
haja um monte de gente que não veja isso, que não enxergue a loucura que
é tudo isso.
As pessoas vão ter de acordar.
O silêncio dessa base petista não é sobretudo estranho nos
bancos oficiais e na Petrobrás? Acho que eles viveram o efeito do sapo
na panela. Sabe como é? O sapo está lá na panela, no início a água é
geladinha, depois vai esquentando devagar, ele não percebe, até que
ferve e ele morre.
A água está fervendo?
Já ferveu. Muita gente da Petrobrás, do Banco do Brasil, da
Caixa nos procurou para falar das frustrações deles. As origens do PSDB
são de centro, de centro-esquerda. O Estado tem um papel importante para
combater a pobreza, para promover a igualdade de oportunidades. Isso
não é conservador. Conservador é ficar dando dinheiro para empresário.
E o risco sistêmico do escândalo da Petrobrás e das empreiteiras, sobretudo no setor financeiro?
Tira o financeiro, porque o risco é sobre toda a economia
brasileira. O trabalho da PC, do MP e da Justiça é saudável, mas que
isso gera uma certa paralisia durante um tempo, isso gera. É o preço a
pagar. Certamente vale a pena.
Recessão este ano?
É, recessão. Na verdade, já tem recessão. O País cresceu menos
de 1% no ano passado, deveria estar crescendo 4%. Vai dizer que não é
recessão? Na China, quando cai de 8% para 7%, é recessão.
E os empregos?
É isso. Infelizmente, o desemprego vai aumentar. Primeiro, vem
a insegurança, depois vem a falta de criação de postos de trabalho, e
enfim vem demissão mesmo. Tudo dentro do quadro de recessão.
O sr. trabalhou anos fora. Qual o efeito de tudo isso sobre a imagem externa do Brasil?
É péssimo. Aquela euforia exagerada de 2010 passou totalmente.
A percepção, então, é ruim e vem piorando. É e a percepção de um país
que vem perdendo relevância. É triste.
E a política externa?
Sinceramente, perdeu a graça.
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