24 de Agosto, 2014 - 15:37 ( Brasília )
Levantamento da Agência Nacional de Águas revela que seis bacias hidrográficas sofrem com a escassez de chuva; índice está 20% abaixo da média histórica
Cleide Carvalho
São Paulo, Propriá (SE)
A seca na Região Sudeste não esvazia apenas os reservatórios paulistas. Um levantamento feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) a pedido do GLOBO mostra que seis das principais bacias hidrográficas brasileiras enfrentam problemas, ameaçando moradores de nove estados e do Distrito Federal. São cerca de 40 milhões de pessoas afetadas — o equivalente a 20% da população brasileira.
Os principais rios atingidos têm, em
comum, a dependência das chuvas que caem em Minas Gerais, estado que é
uma espécie de divisor das águas que correm pelo Brasil. Os rios São
Francisco, Grande, Doce, Paraíba do Sul, Paraná e Jequitinhonha
enfrentam problemas em maior ou menor grau. Em geral, chove cerca de
1.400 milímetros na Região Sudeste durante o ano hidrológico, que
termina em setembro. Até agora, choveu metade disso. Segundo dados da
Administração Oceânica e Atmosférica Nacional dos Estados Unidos (NOAA,
em inglês), as chuvas que caíram no Brasil foram 20% menores do que a
média. No Sul de Minas e no Oeste paulista, choveu 60% menos.
— A seca fez com que São Paulo ficasse em
uma situação semelhante à do Nordeste — resume o professor Augusto José
Pereira Filho, do Departamento de Ciências Atmosféricas do Instituto de
Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São
Paulo. Se a seca transforma cenários em São Paulo, piora ainda mais a
situação do Rio São Francisco, o principal do Nordeste. Com nascentes na
Serra da Canastra, em Minas, o Velho Chico já não chega ao mar. A água
salgada adentra 25 km de seu leito e, a 85 km de sua foz, entre Alagoas e
Sergipe, já se pesca peixe do mar, algo comum apenas nas áreas mais
próximas ao oceano.
— O rio está ficando fraco, e o mar, mais
forte. Não sabemos até quando o rio vai aguentar — diz Maria Izaltina
Silva Santos, líder da comunidade de Brejão dos Negros (SE), que vive da
pesca e da cultura de arroz no Baixo São Francisco, último trecho do
rio, após as barragens de hidrelétricas. No Rio Grande, a vazão de água
em julho foi de 33 metros cúbicos por segundo, a pior em 84 anos.
No Paraíba do Sul, seu maior reservatório, o de Paraibuna, baixou a 12,23% de sua capacidade, levando à redução de 5 mil litros por segundo na vazão de água que chega à barragem de Santa Cecília, onde é feita a transposição para o Rio de Janeiro. O Rio Doce, que em dezembro transbordou e causou enchentes no Espírito Santo, baixou drasticamente nos últimos meses: em locais onde o nível de água ultrapassou nove metros, hoje ela não passa de dois metros.
No Paraíba do Sul, seu maior reservatório, o de Paraibuna, baixou a 12,23% de sua capacidade, levando à redução de 5 mil litros por segundo na vazão de água que chega à barragem de Santa Cecília, onde é feita a transposição para o Rio de Janeiro. O Rio Doce, que em dezembro transbordou e causou enchentes no Espírito Santo, baixou drasticamente nos últimos meses: em locais onde o nível de água ultrapassou nove metros, hoje ela não passa de dois metros.
O Rio Paraná, por sua vez,
baixou a ponto de interromper o transporte por hidrovia. Mas são as
águas do Velho Chico que refletem conflitos comuns a vários setores no
Brasil: uma mistura de política, grandes negócios e uma população ainda
impotente diante de seu futuro. No Brejão dos Negros, a água salobra é
realidade, mas até a altura de Penedo (AL), a 40 km da foz, a cunha
salina se faz presente.
No assentamento Borda da Mata, 85 km rio adentro, já há siris. Os peixes de rio estão menores e mais raros. Boa parte desapareceu. Não há mais surubim, piaba ou mandim. Em trechos do rio onde a profundidade chegava a 15 metros, agora é possível cruzar a pé. Em 2006, um estudo da Universidade Federal de Alagoas detectou intrusão salina numa distância de 6 km da foz do São Francisco. Na época, a vazão média no Baixo São Francisco era de 2.041 metros cúbicos por segundo, quase o dobro da atual.
Este ano, com a seca, a vazão na barragem de Sobradinho foi reduzida, para 1.100 metros cúbicos por segundo, 15% menor do que a mínima estabelecida pelo Ibama, de 1.300 metros cúbicos por segundo. No projeto Jaíba, no norte de Minas Gerais, o maior projeto de irrigação do país, o clima é de intranquilidade.
No assentamento Borda da Mata, 85 km rio adentro, já há siris. Os peixes de rio estão menores e mais raros. Boa parte desapareceu. Não há mais surubim, piaba ou mandim. Em trechos do rio onde a profundidade chegava a 15 metros, agora é possível cruzar a pé. Em 2006, um estudo da Universidade Federal de Alagoas detectou intrusão salina numa distância de 6 km da foz do São Francisco. Na época, a vazão média no Baixo São Francisco era de 2.041 metros cúbicos por segundo, quase o dobro da atual.
Este ano, com a seca, a vazão na barragem de Sobradinho foi reduzida, para 1.100 metros cúbicos por segundo, 15% menor do que a mínima estabelecida pelo Ibama, de 1.300 metros cúbicos por segundo. No projeto Jaíba, no norte de Minas Gerais, o maior projeto de irrigação do país, o clima é de intranquilidade.
— Quando a vazão foi reduzida no
reservatório de Três Marias, a orientação foi não aumentar os plantios. A
vazão do rio aqui está em 190 metros cúbicos por segundo, menos da
metade do normal. Nunca aconteceu isso nesta área. É diferente e
assustador — diz Marcos Medrado, gerente da etapa 1 do projeto Jaíba,
que reúne cerca de 1.800 pequenos agricultores, responsáveis por cerca
da metade da produção de sementes de hortifrútis do país.
— Temos uma seca de gestão. Há aumento desordenado de demandas hídricas, uma festa de outorgas. Temos uso excessivo, desperdício e até contaminação por agrotóxico. Falta cuidado da União e dos estados nas ações de recuperação hidroambiental — diz Luiz Alberto Rodrigues Dourado, do Comitê da Bacia do Rio São Francisco. O GLOBO procurou o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas (ANA) para discutir os problemas causados pela seca e a gestão de recursos hídricos no país, mas eles não concederam entrevistas.
— Temos uma seca de gestão. Há aumento desordenado de demandas hídricas, uma festa de outorgas. Temos uso excessivo, desperdício e até contaminação por agrotóxico. Falta cuidado da União e dos estados nas ações de recuperação hidroambiental — diz Luiz Alberto Rodrigues Dourado, do Comitê da Bacia do Rio São Francisco. O GLOBO procurou o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas (ANA) para discutir os problemas causados pela seca e a gestão de recursos hídricos no país, mas eles não concederam entrevistas.
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