Por
Maurício Thuswohl
Boca da Onça, Bonito/MS. Foto: Tristan Blakers
Formoso, da Prata, Peixe, Perdido, Mimoso... Os singelos nomes destes e
de outros córregos e rios que compõem as variadas microbacias de águas
cristalinas do município de Bonito, localizado na Serra da Bodoquena, no Mato
Grosso do Sul, remetem a uma sensação de bem estar. Quem já visitou o paraíso
ecológico garante que jamais esquecerá os momentos de convívio com a flora, a
fauna e, sobretudo, com as águas locais. Já aqueles que vivem em Bonito e
defendem sua sustentabilidade travam uma luta permanente contra as ameaças que
surgem contra os rios cristalinos e o meio ambiente no município.
A mais recente destas ameaças se materializou em dezembro do ano passado
com a aprovação pelos deputados estaduais de um Projeto de Lei que revogaria
quatro artigos da Lei 1.871, promulgada em julho de 1998, que, entre outras coisas, proíbe
atividades agrícolas às margens dos rios da Prata e Formoso. Na prática, a
aprovação desse PL, quase no fim da legislatura, significaria a liberação da
supressão da vegetação em faixas de 50 a 150 metros ao lado de cada margem dos
rios, onde hoje são proibidas a agricultura, a mineração e a extração de
madeira, mantendo apenas os 50 metros de matas ciliares considerados Áreas de
Proteção Permanente (APPs). A aprovação traria também riscos crescentes de
poluição das microbacias por agrotóxicos e outros resíduos.
Em um de seus primeiros atos após assumir o cargo, o governador Reinaldo
Azambuja (PSDB) vetou o PL que havia sido aprovado na Assembleia Legislativa do
Mato Grosso do Sul. No
veto, publicado no Diário Oficial do Estado, o
governador ressalta que "a competência para formular políticas relativas à
preservação e proteção do meio ambiente é constitucionalmente reservada ao
Conselho Estadual de Controle Ambiental (Ceca), órgão do Poder Executivo".
Agora, o veto de Azambuja seguirá para apreciação dos deputados e, na opinião
de entidades do Judiciário e da sociedade civil que acompanham o caso, ainda
corre grande risco de ser derrubado.
"Os deputados podem derrubar o veto do governador. Se a própria
Assembleia aprovou essa legislação na calada, sem sequer abrir a discussão ou
consultar a sociedade, corremos um sério risco, sim. Nós não ficamos nem
sabendo dessa votação", diz o promotor público Luciano Loubet, integrante
do Ministério Público do Mato Grosso do Sul.
O temor é compartilhado com Liliane Lacerda, coordenadora do Instituto
das Águas da Serra da Bodoquena (Iasb): "Hoje, o interesse na produção
econômica está tão grande que é capaz de os deputados quererem derrubar a
decisão do governador para conseguir alterar a lei. Vemos uma defasagem cada
vez maior nessa questão da lei ambiental e uma diminuição das imposições que
ela traz. São grandes os interesses contrários à lei, e acho que eles vão
querer derrubar, sim".
Por trás da movimentação parlamentar, está a força da monocultura da
soja e do agronegócio em Mato Grosso do Sul: "Houve uma grande expansão da
soja de dois anos pra ca. Quando foi avisado sobre a lei aos novos arrendatários de terras,
iniciou-se esta movimentação para mudar", diz o promotor Loubet, para quem
uma eventual mudança contrariaria a maioria dos habitantes de Bonito:"Já
foram feitas várias audiências públicas, reuniões e abaixo-assinados pela
manutenção dessa lei. Todas as entidades ligadas ao turismo e ao comércio se
manifestaram favoravelmente à manutenção da legislação. O único contrário foi o
Sindicato Rural de Bonito. É a defesa do interesse de poucos em detrimento de
muitos", diz.
A elaboração do PL, conta o promotor, foi feita pela Federação de
Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul), que enviou à Assembleia
o projeto para a revogação de pontos da Lei 1.871/98: "A Assembleia pegou o projeto da Famasul, que é a federação do
agronegócio do estado, e o aprovou, mesmo com o presidente da casa tendo
recebido um abaixo-assinado com mais de 200 assinaturas pedindo para não
modificar essa lei, além de manifestações da Associação de Atrativos
Turísticos, da Associação de Restaurantes e da Associação de Guias. Todas as
entidades ligadas de alguma forma ao turismo e ao comércio de Bonito se
manifestaram favoráveis", diz.
Ao conversar com ((o)) eco logo após sair de uma reunião com diretores
do Sindicato Rural de Bonito, Liliane Lacerda afirma que os produtores estão
mobilizados para a aprovação das mudanças na lei: "Tudo indica que há um
movimento dos produtores rurais por medo de maiores imposições sobre o que eles
podem ou não fazer em suas terras. Já existem várias restrições - se eles as
seguem ou não é outra conversa - em função da legislação, que eles acham
bastante restritiva e acreditam que só vai prejudicar sua produtividade ou
então aumentar a fiscalização em suas áreas. Essa foi a posição que eu
interpretei deles", diz a coordenadora do Iasb.
Novo projeto
Três meses antes da aprovação pelos deputados do Projeto de Lei que
autorizava o desmatamento e a agricultura nas margens dos rios cristalinos de
Bonito, foi realizada no campus da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul
localizado na cidade uma audiência pública para discutir "instrumentos
legais de proteção" às microbacias. Na ocasião, foi discutido o PL 126,
apresentado no ano passado à Assembleia Legislativa pelo deputado estadual
Paulo Corrêa (PR), o mesmo autor da Lei 1.871/98.
O novo texto elaborado por Corrêa reafirma o veto ao desmatamento e a
atividades agrícolas em uma faixa de 150 metros nas margens dos rios da Prata e
Formoso, e estende essa proibição aos rios Peixe e Aquidaban e também às áreas
alagadas (brejos, veredas e varjões) da região. Continuam proibidas em toda a
área atividades de pesca, extração de madeira, instalação de indústria de
qualquer tipo e porte, extração mineral de qualquer substância e criação de
animais.
"Já temos uma lei que nos protege em termos de rios e agora
apresentei um Projeto de Lei para proteger as nascentes. Queremos Bonito
preservado efetivamente ou vamos deixar plantar lavoura até na beira do
rio?", indaga o deputado. Corrêa tem denunciado nos últimos meses que
arrendatários de terras localizadas na região das cidades de Bonito e Jardim
estão se aproximando cada vez mais das beiradas de rios de águas cristalinas
com plantações de soja e ultrapassando as faixas de proteção especial
estabelecidas pela Lei 1.871/98.
Outras ameaças
Não é só o agronegócio, seus parlamentares e entidades de classe que
ameaçam o paraíso de águas cristalinas de Bonito. A crescente e nem sempre
ordenada ocupação da região é um problema a ser encarado: "Há uma grande
pressão imobiliária. A cidade tem um Plano Diretor, tem um ordenamento mais ou
menos razoável, mas tem uma pressão muito grande para loteamentos. Inclusive,
já houve ações civis públicas sobre loteamentos irregulares que foram criados
aqui no município. Hoje, um grande problema é a falta da conservação do solo e
das estradas aqui do município, que têm causado bastante turvamento dos
rios", diz Luciano Loubet.
Atuante em uma instituição que trabalha diretamente com a recuperação de
matas ciliares, Liliana diz que "a retirada de vegetação das beiras dos
rios não é algo feito só agora, é antigo", mas admite ver surgirem novos
riscos ambientais na região: "Um dos maiores problemas é o da abertura de
estradas. Temos confrontado em épocas de chuva o tanto de terra que está sendo
carreada das estradas para os rios. E, nos rios de águas cristalinas, qualquer
impacto mínimo já causa uma diferença muito grande. Há falta de conservação do
solo nas propriedades e também na construção de estradas, o que turva as águas
e afeta sua qualidade. Há também problemas comuns a outras cidades, como o lixo
que vai para os córregos urbanos e está descendo para o Rio Formoso, que é o
principal rio de Bonito e bastante utilizado nas atividades turísticas.",
diz.
Turismo consciente
Após anos de constituição de um sistema de atrações de turismo ecológico que tem acesso limitado
de pessoas e forte preocupação com a sustentabilidade local, os turistas trazem
pouco impacto aos rios cristalinos: "A gente até vê o turismo como uma
ferramenta de conservação. Pesquisas que fizemos com professores, alunos e
turistas mostra que, por conta do turismo, as pessoas de Bonito têm um olhar
diferenciado para cuidar do meio ambiente. Uns querem trabalhar com atividade
turística porque viram que assim podem conservar e ainda retirar uma fonte de
renda. E os que não trabalham com turismo sabem que têm de se adequar, com medo
da fiscalização", diz Liliane Lacerda.
"Como o turismo é muito organizado aqui, com a questão dos guias e
das agências de atrativo, faz com que a gente não tenha problema de volume, de
turismo em massa que deixa lixo, escreve nome em pedra, etc. As pessoas aqui
têm um cuidado muito grande e têm essa preocupação de cuidar da natureza porque
é dela que se tira uma fonte de renda", continua a coordenadora do Iasb.
Agora, o que se espera é uma forte pressão de ambientalistas,
profissionais, turistas e habitantes de Bonito para que a lei que protege os
rios cristalinos não seja de fato alterada: "Manter a atual legislação é
importante porque a gente sabe que o impacto da agricultura envolve mexer
várias vezes por ano com o solo. Tem também a questão dos agrotóxicos, pois não
existem estudos dizendo se eles podem ou não contaminar o rio. A lei já é
aplicada há doze anos, existem várias ações civis públicas, centenas de termos
de ajustamento de conduta firmados com base nessa lei. Agora, estamos tentando
descobrir quando a Assembleia vai votar esse veto para ver se há uma mobilização
da sociedade para conversar com os deputados", diz o promotor Loubet.
Direito Ambiental
Mestre em Direito Ambiental.
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- Constituição Federal de 1988
- Decreto nº 24.643 de 10 de Julho de 1934
- Lei nº 1.871 de 08 de Dezembro de 1978 de São Paulo
- Lei nº 1.871 de 17 de Dezembro de 1998 do Munícipio de Imbituba
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Comentários
Bonito é
um paraíso e a preservação é necessária.
E a velha
e boa especulação imobiliária fazendo-se presente e vindo na esteira.
O
agronegócio é sua força econômica, destruindo a natureza. Fica difícil combater
o "follow the money"
O meio ambiente é responsabilidade de todos nós e Bonito não pode sofrer
devastação por interesses financeiros. Precisamo divulgar!
Se esse
veto for retirado, mais uma vez os lobistas e os deputados estarão fazendo
altos negócios as custas da natureza Esses político são uma vergonha.
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