O fato é que ninguém mais sabe quem manda no país. Nesse cenário,
escreve Denis Rosenfield no Estadão, Dilma pode cair. Ela já não sabe o
que fazer diante da velocidade dos acontecimentos políticos. Em
determinado momento, sua continuação na presidência poderá ser vista
como uma "ameaça" à vida republicana:
O País pode estar rumando para uma crise institucional. A velocidade
dos acontecimentos políticos tem sido surpreendente. O governo dá
mostras visíveis de perda de controle, sem que se saiba ao certo quem
manda no País. Em linguagem hobbesiana: quem decide em última instância?
Até um ministro, o da Educação, chega a ser demitido por um anúncio
do presidente da Câmara dos Deputados, como se não coubesse à presidente
da República essa decisão. O próprio ministro, num tipo de jogada
ensaiada, opta, com estardalhaço público, por sair do governo como se
esse fosse um barco naufragando.
Estamos diante de uma situação completamente nova. O panelaço nem uma
tradição nacional é. Importamos da Argentina. Tem, contudo, um profundo
significado: as pessoas não mais querem escutar a presidente ou seus
mensageiros - no caso, ministros. Não importa o que tenham a dizer. Não
mais gozam de confiança e, nesse sentido, nem mais merecem ser
escutados. Medidas paliativas como a reforma política ou o projeto
contra a corrupção nem dignos de atenção são. O mesmo já foi dito em
2013.
As manifestações do dia 15 de março foram um marco nacional. Reuniram
em torno de 2 milhões de pessoas! A população nacional disse
nitidamente "Fora Dilma" e "Fora PT". O partido e seus movimentos
sociais perderam completamente a rua. Já tinham sido enxotados em 2013.
Mesmo assim, jogaram uma carta temerária, a de organizarem uma
manifestação própria dois dias antes, na sexta-feira. Ainda vivem na
ilusão de acreditar em sua capacidade de mobilização. Ledo engano.
Reuniram, no máximo, 150 mil pessoas e, ainda sim, com muitas delas
pagas. O fracasso foi total. O contraste é gritante!
As manifestações de 2013 foram a expressão genérica e abstrata de uma
revolta contra tudo o que está aí, concentrando-se, enquanto estopim,
na questão da mobilidade urbana e no preço das passagens de ônibus.
Agora, ao contrário, há uma proposta positiva que aglutina: é exigida a
saída de Dilma do governo, assim como do PT.
O isolamento da presidente é manifesto. Mais do que isso, ele revela
que ela está perdendo progressivamente as condições de exercício do
poder. O PT, por sua vez, vê-se cada vez mais distante da sociedade e os
políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como
fraca.
O Congresso, ele também, tenderá ainda mais a não seguir as
orientações governamentais, devolvendo medidas provisórias, "negociando"
projetos de lei e tornando a vida da presidente ainda mais difícil. O
ajuste fiscal pode ser, nessa perspectiva, prejudicado. A lógica
política primaria sobre todo o resto.
Aqui, no entanto, pode surgir um elemento que sinalize
republicanamente para o País impedir sua queda na anomia, podendo
tornar-se um pária das finanças internacionais. O PMDB acena com apoio
às medidas de ajuste fiscal, no que deveria ser seguido por outros
partidos, seja de oposição ou o próprio PT. O que está em jogo é o País,
enquanto bem coletivo, situado acima dos bens partidários particulares.
O PSDB hesita em seguir nesta direção, embora reconheça a importância
de uma completa reformulação das condições econômicas. Coloca-se numa
posição de recolher os dividendos políticos do que considera, com razão,
um estelionato eleitoral. A presidente e o PT disseram uma coisa antes
da eleição, acusando o seu adversário de pretender fazer tudo aquilo que
estão, agora, efetivamente fazendo. A mentira foi o instrumento
político da vitória e a descoberta da verdade, a expressão de profunda
crise governamental.
A presidente da República não sabe o que fazer. Medidas políticas são
requentadas, como se as ruas pudessem ser assim atendidas. Inimigos
imaginários são culpados pela crise atual, como se fossem o mercado
externo e a seca os responsáveis pelos erros governamentais. A realidade
cobra o seu preço. Os erros nem são reconhecidos, o que se torna um
obstáculo a toda interlocução com a sociedade. Um país cristão poderia
reconhecer-se em quem erra, arrepende-se e pede perdão. Certamente não
se reconhecerá na arrogância.
O PT é uma nave sem rumo. Não defende as medidas de ajuste econômico
por considerá-las "neoliberais", como se fosse "neoliberal" o bom senso
na administração das contas públicas. Imaginem se um(a) chefe de família
gastasse indiscriminadamente sem atentar para o orçamento doméstico.
Teria de cortar gastos se quisesse sobreviver. Seria, por isso,
"neoliberal"?
O partido, porém, está radicalizando. O campo e a cidade já se
encontram em tensão. A ofensiva do MST e de seu braço urbano, os
sem-teto, está claramente delineada. Diga-se, a seu favor, que
acreditaram no discurso eleitoral. São eles, porém, os bolivarianos do
Brasil, pretendendo implantar o "socialismo do século 21". Embora não
contem com o apoio da população, não deixam de fazer um jogo
extremamente perigoso.
Invasões e depredações no campo, ocupações de rodovias e ruas das
principais cidades já se estão tornando "normais", numa "anormalidade"
que pode vir a ameaçar as instituições. Os que os estão apoiando e
insuflando jogam gasolina no fogo. Não reclamem depois das
consequências.
Não havendo uma recuperação da economia, uma recomposição
governamental de sua base parlamentar, um afastamento da imagem da
presidente do esquema do petrolão e um arrefecimento de ânimos dos
movimentos sociais, poderemos viver uma crise institucional. E uma crise
institucional significa a falência da capacidade de a presidente da
República governar o País, havendo paralisia decisória e comprometimento
do funcionamento de nossas instituições democráticas.
Sem condições, a presidente Dilma, nesse cenário, poderá cair. A sua
continuidade no cargo, em determinado momento, poderá vir a ser
interpretada por congressistas e pela população em geral como uma
"ameaça existencial" à vida republicana. Trata-se de um cenário extremo,
porém não descartável, dada a rapidez com que o cenário se está
deteriorando no País.
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