segunda-feira, 23 de março de 2015

O Brasil a caminho de uma crise institucional


O fato é que ninguém mais sabe quem manda no país. Nesse cenário, escreve Denis Rosenfield no Estadão, Dilma pode cair. Ela já não sabe o que fazer diante da velocidade dos acontecimentos políticos. Em determinado momento, sua continuação na presidência poderá ser vista como uma "ameaça" à vida republicana:

O País pode estar rumando para uma crise institucional. A velocidade dos acontecimentos políticos tem sido surpreendente. O governo dá mostras visíveis de perda de controle, sem que se saiba ao certo quem manda no País. Em linguagem hobbesiana: quem decide em última instância?
Até um ministro, o da Educação, chega a ser demitido por um anúncio do presidente da Câmara dos Deputados, como se não coubesse à presidente da República essa decisão. O próprio ministro, num tipo de jogada ensaiada, opta, com estardalhaço público, por sair do governo como se esse fosse um barco naufragando.
Estamos diante de uma situação completamente nova. O panelaço nem uma tradição nacional é. Importamos da Argentina. Tem, contudo, um profundo significado: as pessoas não mais querem escutar a presidente ou seus mensageiros - no caso, ministros. Não importa o que tenham a dizer. Não mais gozam de confiança e, nesse sentido, nem mais merecem ser escutados. Medidas paliativas como a reforma política ou o projeto contra a corrupção nem dignos de atenção são. O mesmo já foi dito em 2013.
As manifestações do dia 15 de março foram um marco nacional. Reuniram em torno de 2 milhões de pessoas! A população nacional disse nitidamente "Fora Dilma" e "Fora PT". O partido e seus movimentos sociais perderam completamente a rua. Já tinham sido enxotados em 2013.
Mesmo assim, jogaram uma carta temerária, a de organizarem uma manifestação própria dois dias antes, na sexta-feira. Ainda vivem na ilusão de acreditar em sua capacidade de mobilização. Ledo engano. Reuniram, no máximo, 150 mil pessoas e, ainda sim, com muitas delas pagas. O fracasso foi total. O contraste é gritante!
As manifestações de 2013 foram a expressão genérica e abstrata de uma revolta contra tudo o que está aí, concentrando-se, enquanto estopim, na questão da mobilidade urbana e no preço das passagens de ônibus. Agora, ao contrário, há uma proposta positiva que aglutina: é exigida a saída de Dilma do governo, assim como do PT.
O isolamento da presidente é manifesto. Mais do que isso, ele revela que ela está perdendo progressivamente as condições de exercício do poder. O PT, por sua vez, vê-se cada vez mais distante da sociedade e os políticos não quererão como aliada uma presidente que aparece como fraca.
O Congresso, ele também, tenderá ainda mais a não seguir as orientações governamentais, devolvendo medidas provisórias, "negociando" projetos de lei e tornando a vida da presidente ainda mais difícil. O ajuste fiscal pode ser, nessa perspectiva, prejudicado. A lógica política primaria sobre todo o resto.
Aqui, no entanto, pode surgir um elemento que sinalize republicanamente para o País impedir sua queda na anomia, podendo tornar-se um pária das finanças internacionais. O PMDB acena com apoio às medidas de ajuste fiscal, no que deveria ser seguido por outros partidos, seja de oposição ou o próprio PT. O que está em jogo é o País, enquanto bem coletivo, situado acima dos bens partidários particulares.
O PSDB hesita em seguir nesta direção, embora reconheça a importância de uma completa reformulação das condições econômicas. Coloca-se numa posição de recolher os dividendos políticos do que considera, com razão, um estelionato eleitoral. A presidente e o PT disseram uma coisa antes da eleição, acusando o seu adversário de pretender fazer tudo aquilo que estão, agora, efetivamente fazendo. A mentira foi o instrumento político da vitória e a descoberta da verdade, a expressão de profunda crise governamental.
A presidente da República não sabe o que fazer. Medidas políticas são requentadas, como se as ruas pudessem ser assim atendidas. Inimigos imaginários são culpados pela crise atual, como se fossem o mercado externo e a seca os responsáveis pelos erros governamentais. A realidade cobra o seu preço. Os erros nem são reconhecidos, o que se torna um obstáculo a toda interlocução com a sociedade. Um país cristão poderia reconhecer-se em quem erra, arrepende-se e pede perdão. Certamente não se reconhecerá na arrogância.
O PT é uma nave sem rumo. Não defende as medidas de ajuste econômico por considerá-las "neoliberais", como se fosse "neoliberal" o bom senso na administração das contas públicas. Imaginem se um(a) chefe de família gastasse indiscriminadamente sem atentar para o orçamento doméstico. Teria de cortar gastos se quisesse sobreviver. Seria, por isso, "neoliberal"?
O partido, porém, está radicalizando. O campo e a cidade já se encontram em tensão. A ofensiva do MST e de seu braço urbano, os sem-teto, está claramente delineada. Diga-se, a seu favor, que acreditaram no discurso eleitoral. São eles, porém, os bolivarianos do Brasil, pretendendo implantar o "socialismo do século 21". Embora não contem com o apoio da população, não deixam de fazer um jogo extremamente perigoso.
Invasões e depredações no campo, ocupações de rodovias e ruas das principais cidades já se estão tornando "normais", numa "anormalidade" que pode vir a ameaçar as instituições. Os que os estão apoiando e insuflando jogam gasolina no fogo. Não reclamem depois das consequências.
Não havendo uma recuperação da economia, uma recomposição governamental de sua base parlamentar, um afastamento da imagem da presidente do esquema do petrolão e um arrefecimento de ânimos dos movimentos sociais, poderemos viver uma crise institucional. E uma crise institucional significa a falência da capacidade de a presidente da República governar o País, havendo paralisia decisória e comprometimento do funcionamento de nossas instituições democráticas.
Sem condições, a presidente Dilma, nesse cenário, poderá cair. A sua continuidade no cargo, em determinado momento, poderá vir a ser interpretada por congressistas e pela população em geral como uma "ameaça existencial" à vida republicana. Trata-se de um cenário extremo, porém não descartável, dada a rapidez com que o cenário se está deteriorando no País.
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