O Estadão continua fazendo os melhores editoriais da imprensa brasileira
(Folha e O Globo não chegam nem perto), justamente porque encara os
fatos com mais objetividade e alcance do que os concorrentes. O
editorial de hoje vai ao ponto: o PT não desce do palanque nem para
governa:
Depois de 12 anos no poder, por força de suas próprias contradições
e, sobretudo, da incompetência do governo Dilma Rousseff, o PT está
isolado politicamente no Congresso Nacional e restrito, nas ruas, ao
tímido apoio das organizações sociais e sindicais que manipula. É a
crise mais aguda que enfrenta em 35 anos de existência. Ao longo dessas
décadas mudou muito, principalmente em função da conquista do poder. Mas
num ponto permanece exatamente o mesmo: nos momentos de aperto,
apresenta-se como vítima de algozes impiedosos, os tais "eles", esses
entes abstratos que agora estão armando um esquema de "cerco e
aniquilamento" da legenda, movidos, é claro, pelo mais torpe dos
motivos: não se conformam com o fato de o PT ter "tirado efetivamente 36
milhões de brasileiros da miséria".
Esse argumento de esquerda de botequim é risível fora do ambiente
libatório em que germina. Torna-se patético quando apresentado por
dirigentes partidários com o aval de Lula e do presidente nacional Rui
Falcão. Vira sintoma de patologia grave quando aprovado em reunião dos
27 diretórios regionais, com a presença do ex-presidente da República e
de membros da Executiva nacional. Foi o que aconteceu na segunda-feira
passada na capital paulista.
Lavrado nos termos do populismo maniqueísta de Lula - que divide o
País entre "nós" e "eles" e durante o encontro proclamou que "o PT não
pode ficar acuado diante dessa agressividade odiosa" - o manifesto
petista declara: "Não toleram ("eles", claro) que, pela quarta vez
consecutiva, nosso projeto de País tenha sido vitorioso nas urnas" e os
"maus perdedores no jogo democrático tentam agora reverter, sem
eleições, o resultado eleitoral". Em resumo: "Querem fazer do PT bode
expiatório da corrupção nacional e das dificuldades passageiras na
economia".
Para começar, se há quem não tenha o direito de condenar
"agressividade odiosa", esse alguém é o próprio Lula, que cresceu na
militância sindical estimulando o ódio de classes e como líder político
ensinou a companheirada a tratar os adversários como inimigos que devem
ser destruídos e não apenas vencidos no voto. Ao longo de sua carreira
política apenas uma vez Lula despiu a fantasia de ferrabrás: em 2002,
para se eleger presidente, transfigurou-se no "Lulinha paz e amor".
Em relação à intolerância ao "projeto de País" do PT, é oportuno o
testemunho de Frei Betto, histórico colaborador de Lula e do PT, que
apesar de decepcionado com ambos ainda acha que os 12 anos de governos
petistas, "apesar de todos os pesares - e põe pesares nisso - foram os
melhores da nossa história republicana, sobretudo no quesito social". Em
entrevista à coluna de Sonia Racy publicada segunda-feira pelo Estado,
Frei Betto qualifica o partido de Lula: "O PT trocou um projeto de
Brasil por um projeto de poder. Permanecer no poder se tornou mais
importante do que fazer o Brasil deslanchar para uma nação justa, livre,
soberana e igualitária".
Sugere ainda o apelativo manifesto petista que os adversários do
governo, "maus perdedores", se articulam agora para depor a presidente
da República por meio de um golpe, que seria o impeachment. Ignora
deliberadamente o documento petista que impeachment não é golpe, mas
recurso constitucional que já foi usado com o apoio entusiasmado do PT,
para depor um presidente, Fernando Collor de Mello. Ignora também que no
caso de Dilma Rousseff a proposição do impeachment está longe de ser
unanimidade entre os opositores do governo.
O manifesto de vitimização do PT exibe ainda o argumento de que
"eles" procuram criminalizar o partido pela corrupção que corre solta e
só não é encontrada onde por ela não se procura: "Querem fazer do PT
bode expiatório da corrupção nacional". Rui Falcão, em entrevista após a
reunião, teve o despudor de proclamar: "Faço um chamamento a nós
sairmos da defensiva, enfrentarmos de cabeça erguida aqueles que nos
atacam, porque é impensável que a gente possa ser acusado de corrupção".
O STF, a Procuradoria-Geral da República e a Operação Lava Jato que o
digam.
O manifesto menciona ainda a acusação que também se faz ao governo de
ser o responsável por "dificuldades passageiras na economia". Não se
pode dizer que seja uma afirmação surpreendente, porque o PT não desce
do palanque nem para governar.
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