quinta-feira, 7 de maio de 2015

Avião, raio e mulher bonita- Vivências- Ítalo Pasini.



AVIÃO, RAIO E MULHER BONITA
           

            O desaparecimento do avião da Air France, nas primeiras notícias, foi atribuído a um raio, que teria atingido a aeronave. Entendidos dizem que raio não derruba avião e causas várias são divulgadas, num crescendo. Assim, vendo os jornais, lembrei-me que passara por um tremendo apuro, numa aeronave que atravessava uma tempestade.

Um dia, na década de oitenta, solicitei duas passagens para Manaus, junto ao Ministério da Aeronáutica, que era vizinho ao meu trabalho, em Brasília. Passou-se um ano, até esqueci-me da solicitação, quando, inopinadamente, num telefonema, fui informado da concessão das passagens.

            Três dias depois, bem cedo, embarcamos, eu e Railda minha mulher, numa aeronave modelo AVRO. Era um avião antigo, com “muitos quilômetros rodados”. Um sargento tripulante, querendo tranquilizar-me, disse que era uma aeronave aparentemente rústica, também antiga, porém muito segura; e que servira para o transporte do ex-presidente Jânio Quadros, etc.

            O avião estava abarrotado, com passageiros e tripulantes. Convém esclarecer que num avião militar de transporte de pessoal, não há poltronas, como num avião comercial. Os bancos são na lateral, com pouco conforto, apesar da segurança dos cintos.

Algumas horas de voo e entramos em uma tempestade. O aparelho era sacudido, para cima, para baixo e para os lados, ao sabor dos ventos fortes e da chuva. Nesse momento, todos se calam e ficam taciturnos, maioria orando, penso. A tripulação, que normalmente conversa com os passageiros, tem que se sentar e afivelar os cintos. 

Nesse contexto, os minutos são enormes; pensamentos negativos e o medo, em maior ou menor proporção, parecem hostilizar a todos.

Num dado momento, uma luz fulgurosa, seguida de uma explosão retumbante, pareceu atingir a aeronave. O sacolejar, que acontecia desde a entrada na área da tempestade, não aumentou ou diminuiu, porém, começou um ruído ensurdecedor, como se algo fustigasse a fuselagem. Era como se mil matracas soassem em uníssono. Notava-se que as pessoas tinham o medo estampado no rosto. Criou-se um clima de pânico no interior da aeronave. 


Um tripulante apareceu, com muita dificuldade para manter-se de pé, no corredor do avião, dizia para não nos preocuparmos que aquele ruído era produzido por um fio de antena que se rompera e chicoteava a fuselagem do aparelho; que, dentro de vinte minutos o avião pousaria no aeroporto de Cachimbo (http://pt.wikipedia.org/wiki/Serra_do_Cachimbo), onde seria feito o reparo. 


Acreditando ou não, a informação serviu de consolo, até que estivéssemos em segurança, sentindo o chão da serra de Cachimbo. Não somente a turbulência, mas principalmente o raio, com o consequente ruído do fio de arame chicoteando a fuselagem provocaram um tremendo desconforto e pavor, no decorrer dos minutos que antecederam o pouso no aeroporto de Cachimbo.


Depois de taxiar, a aeronave parou diante de um galpão. A chuva continuava. Aberta a porta, a aeronave foi invadida por mosquitos, denominados no local por carapanãs.

Quanto ao hangar, o enorme galpão estava ocupado por muitos índios, o que dificultava o acesso pelos passageiros. Era melhor na aeronave.

Muito bem. Avião no solo, muita chuva e o interior abarrotado de carapanãs, fazendo com que todos se defendessem, com as mãos, toalha, chapéu, etc. 

Lá, bem nos fundos do avião, estava uma mulher de beleza estonteante. Realmente muito bonita, chamara a atenção, desde o início. Alguns elementos da tripulação dispensavam toda sua atenção à “belezoca”: ofereciam-lhe água, abanavam os mosquitos, enfim, consolavam-na dizendo-lhe que o susto passara, que a antena estava sendo reparada e que dali em diante a viagem seria tranqüila, e outros paparicos.

Minha mulher, que já se esquecera do raio do raio, observava aquela bajulação da tripulação, para com aquela beldade, que deveria também ser parente de alguma alta patente.

Hoje, mais de trinta anos passados, essa viagem ainda nos marca. Por causa do raio? Da turbulência? Dos mosquitos? Negativo. O que marcou foi o conceito dos homens, quando “se encontram próximos a mulheres bonitas”.

Então, assistindo a um noticiário sobre o desaparecimento do avião francês, quando o radialista dizia que possivelmente teria acontecido um raio, disse a minha mulher:
“Benhô, lembra-se daquela nossa viagem para Manaus?”

Ao que ela respondeu: “Claro que me lembro. Foi a maior demonstração de sem-vergonhice que já presenciei”.

Aí, retruquei: “Benhô, estou me referindo ao raio”.

Ao que ela respondeu, rispidamente: “Que raio? Raio é inofensivo, perto dessas lambisgoias, que vagam por aí. Se você estivesse só, tenho certeza que teria abanado os mosquitos dela, até Manaus e adjacências. E dê-me esse controle, que quero mudar de canal”.

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