Prólogo
Em 11 de abril de 2006, numa jogada de aparente coragem, Antonio Fernando de Souza, então procurador-geral da república, apresentou denúncia
contra 40 pessoas envolvidas naquilo que o próprio site da câmara dos
deputados já chamava de Mensalão. Contudo, apesar de a lista conter
ex-parlamentares, ex-ministros, políticos (alguns petistas, inclusive),
funcionários públicos, empresários e publicitários, chamou atenção a
ausência do nome do principal beneficiado pelo esquema, o ainda
presidente em primeiro mandato, Luiz Inácio Lula da Silva.
Mas não é de Fernando de Sousa que Joaquim Barbosa reclama, em 2011, quando busca provas para incriminar José Dirceu
e não as encontra no material entregue pelo Ministério
Público. Qualificado pelo relator do Mensalão de “deficiente”, o
trabalhado chegou assinado por Roberto Gurgel, mais um procurador-geral
da república que estranhamente parecia aliviar para os petistas. Porque o PT precisava de tempo para indicar ao STF os exatos 6 ministros que votariam e virariam o placar pela inocência dos mensaleiros acerca do crime de formação de quadrilha.
Roberto Gurgel nunca conversou diretamente com o ministro do STF, Joaquim Barbosa, relator do caso. Pior: os 12 pedidos de diligência feitos tardiamente pelo procurador-geral em dezembro acabaram por atrasar o calendário previsto por Barbosa.
Que Joaquim Barbosa fez o possível para
condenar os responsáveis pelas compras de voto no primeiro mandato Lula,
é um feito facilmente reconhecível. Mas o jurista Ives Gandra alertava que, pela teoria do “domínio de fato”, saiu impune o topo da cadeia de comando: Lula.
Pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
A Lista de Janot
Em 26 de fevereiro de 2015, soube-se que
Rodrigo Janot, atual procurador-geral da república, e José Eduardo
Cardozo, Ministro da Justiça de Dilma, reuniram-se secretamente às vésperas da apresentação da denúncia por parte do Ministério Público naquilo que hoje chamamos de Petrolão. E não era a primeira vez. Quem aceita a versão do PGR acredita que, nesse encontro, falou-se sobre “um
projeto de lei de iniciativa conjunta da PGR e do ministério que cria
uma subprocuradoria para tratar especificamente do combate a corrupção”.
Fato é que, em 6 de março, finalmente soube-se
sobre quem tanto Janot oferecia denúncias. Semelhante ao ocorrido em
2006, a lista envolvia parlamentares e ex-parlamentares (alguns
petistas, inclusive), ex-ministros, vice governadores e presidentes,
tanto do senado como da câmara dos deputados. Mas, dentre os 21
inquéritos abertos, nada constava contra a pessoa no topo da cadeia de
comando, a presidente da república, Dilma Rousseff.
Dois pesos, duas medidas
Não que ela não surgisse nas delações conhecidas até então. A dificuldade era haver desculpas para as 11 citações recebidas. Quando se tratava de crimes cometidos antes de receber a faixa presidencial, Janot alegava estar “impossibilitado, pela Constituição, de investigar Dilma“.
Quanto ao crime cometido durante o mandato, ou seja, a ciência de
que R$ 2 milhões do Petrolão teriam sido canalizados para a campanha
presidencial de 2010, “foi foco de contradição” entre Paulo Roberto Costa e – atenção – Alberto Youssef.
A contradição, no entanto, não impediu
que a investigação partisse para cima do parlamentar que mais derrotas
ocasionava ao PT. Enquanto o próprio Julio Camargo negava em delação
premiada, o mesmo Alberto Youssef, que livrava a cara de Dilma, acusava
Eduardo Cunha, já presidente da câmara, de arrancar propina do lobista.
Na ocasião, Janot fez o que todo cidadão brasileiro espera do salário
que lhe banca e partiu para descobrir a verdade. Ao ponto de em maio
cogitar pedir a anulação da delação que inocentava o deputado.
A Lava Jato de Brasília
Trata-se de um escândalo tão grande que
as forças já se dividem para dar conta de tudo. Mas a verdade é que o
juiz Sérgio Moro segurou ao máximo a investigação em Curitiba. Porque
sabia que, subindo ao STF, perderia o controle da situação? É o que a
maioria acredita. Do contrário, já teria deixado rolar a
nomeação dos parlamentares envolvidos desde os primeiros instantes.
Na última semana, noticiou-se o que
seria mais uma das etapas da curitibana Lava Jato. Mas, por nascer dos
tais 21 inquéritos abertos por Janot, pode ser facilmente entendida como
a brasiliense Politeia. Curiosamente, nesta investida, poupou-se os
nomes dos petistas envolvidos. Os alvos foram principalmente os
parlamentares do PP e PMDB, além de pessoas ligadas à presidência do
TCU. Ou, caso prefiram, o parlamento (que poderia abrir um processo de
impeachment de Dilma Rousseff) e o TCU (que poderia dar base a esse
pedido).
Moro pressiona Camargo
Mas a Lava Jato seguiu trabalhando. Na última semana de junho, convenceu Julio Camargo a rever o que dizia sobre José Dirceu,
do contrário, pela provas obtidas em outros depoimentos, teria
cancelado o prêmio pela delação concedida. É quando o empreiteiro,
segundo reportagem da Folha, passa a temer que seus relatos ao
Ministério Público lá em Brasília caiam também por terra. E voa para se
encontrar com Rodrigo Janot, que desde maio já cogitava pedir a anulação
da confissão do lobista.
Questionado novamente pelos procuradores de Brasília, e preocupado depois do que ouvira em Curitiba, Camargo aceitou prestar novo depoimento, em que confirmou a história de Youssef e detalhou seus encontros com Cunha e outros operadores.
Discursos afinados
Mas o movimento mais estranho ocorre
após as mudanças de depoimentos. Julio Camargo abre mão dos serviços
de Beatriz Catta Preta, que o assessorava desde o ano passado, e
contrata Antonio Figueiredo Basto, o mesmo advogado do doleiro Alberto
Youssef.
O conteúdo que incrimina Cunha só veio à
tona na última quinta-feira, já sob a tutela de Basto, no que Youssef e
Julio Camargo voltam a Curitiba para conversar com Moro. É o juiz quem pergunta
se o motivo da denúncia tardia seria o medo de ameaças. É quando
Camargo confirma. Mas as explicações são confusas, ele chega a dizer que
apenas aos poucos entende como funciona a delação premiada. Mais
incisivo é o depoimento do doleiro, que também diz sofrer ameaças “de um pau mandado” do presidente da câmara dos deputados.
Sabotagens?
A OAS quer anular a delação premiada assinada por Paulo Roberto Costa.
O motivo vem de uma divergência entre o dito por ele e, vejam só,
Alberto Youssef. Quem estaria falando a verdade? Quem estaria querendo
sabotar quem?
Não seria este o primeiro envolvimento
do doleiro com um fato obscuro que poderia colocar em risco a saúde da
Lava Jato. É Alberto Youssef quem encontra uma escuta clandestina
na própria cela. Um dos delegados que teriam plantado a escuta
seria José Alberto de Freitas Iegas, que, segundo O Antagonista, nove
dias antes de confessar-se à CPI da Petrobras, havia sido promovido ao cargo de “Assessor Técnico do Chefe de Gabinete da Secretaria Nacional de Segurança Pública”, no Ministério da Justiça. O mesmo Ministério da Justiça de José Eduardo Cardozo. O mesmo Cardozo que se encontrou com
Dilma e Lewandowski às escondidas em Portugal pouco antes da
deflagração da Politeia. O mesmo Cardozo que havia se encontrado às
escondidas com Rodrigo Janot às vésperas da abertura dos inquéritos que
dariam vida à mesma Politeia.
Epílogo
É difícil confiar em Janot porque seus
esforços não parecem estar a serviço do cidadão. Porque, para cada
investida contra o PT, parece haver sete vezes mais sede em atacar os
adversário do partido. E, em meio a mais este 7 a 1, é preciso lembrar o
óbvio de que o Ministério Público é público. É do povo e ao povo, não a
um partido específico, deve servir.
Em 2006, o então procurador-geral da
república abriu mão de investigar o então presidente da república. E a
consequência mais desastrosa daquela omissão elegeu-se presidente do
Brasil quatro anos depois.
Hoje, passados nove anos, fica cada vez
mais evidente a mesma falta de interesse de se investigar a presidente
Dilma Rousseff. E quem se arrisca a prever quais serão as consequências
de mais essa omissão?
* * *
Marlos Ápyus escreve no Implicante às terças. Siga-o no Twitter.
Texto originalmente publicado no Ápyus.Com
Texto originalmente publicado no Ápyus.Com
Referências utilizadas
- Câmara dos Deputados, 2006 Ministério Público denuncia 40 envolvidos com mensalão
- Estadão, 2014 Análise: As operações aritméticas do ministro Joaquim Barbosa
- Estadão, 2011 Prescrição do crime de formação de quadrilha esvazia processo do mensalão
- G1, 2014 Por 6 a 5, Supremo absolve do crime de quadrilha Dirceu, Genoino e mais 6
- Folha, 2013 Dirceu foi condenado sem provas, diz Ives Gandra
- Folha, 2015 Janot se reúne com Cardozo às vésperas de denunciar políticos ao STF
- Época, 2015 Operação Lava Jato: Os nomes na lista de Janot enviada ao STF
- Folha, 2015 Dilma foi citada 11 vezes nos depoimentos de delatores da Lava Jato
- Época, 2015 Procurador-geral da República cogita pedir anulação da delação de Júlio Camargo
- Folha, 2015 A guinada do delator
- YouTube, 2015 Depoimento de Julio Camargo à Justiça – Parte 2
- G1, 2015 Youssef diz sofrer intimidação de ‘pau mandado de Cunha’ em CPI
- G1, 2015 Advogado da OAS pretende anular delação de Paulo Roberto Costa
- G1, 2015 Policiais dizem à CPI que escuta em cela de Youssef era ilegal
- O Antagonista, 2015 Plantando dá
- G1, 2015 Fora da agenda, Dilma tem encontro reservado com Lewandowski em Portugal
- Folha, 2015 Ministro da Justiça teve encontro secreto com procurador no exterior
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