quinta-feira, 19 de julho de 2018
Defensor público fala sobre o desafio do combate ao uso de agrotóxicos em São Paulo e em todo o Brasil, por Sucena Shkrada Resk
O advogado Marcelo Carneiro Novaes, defensor público do Estado de São
Paulo, que integra a coordenação do Fórum Paulista de Combate aos
Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos, que começou a se reunir em
novembro 2016, é o entrevistado desta semana do Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk.
Neste bate-papo, ele trata da questão da pulverização aérea, que é um
tema emergente no estado, como aspectos polêmicos da desoneração fiscal
no setor de agrotóxicos (pesticidas). Ao mesmo tempo, analisa agendas de
âmbito nacional, como o Projeto de Lei (PL) 6.299/2002 (PL dos
Agrotóxicos), de autoria do então senador Blairo Maggi, que facilita o
processo de aprovação e utilização dos produtos no país, cujo parecer do
relator Luiz Nishimori foi aprovado recentemente em Comissão especial
da Câmara dos Deputados. A proposta antagoniza com a Política Nacional
de Redução de Agrotóxicos (PNaRA) – PL 6670/2016, que está em processo
de tramitação em outra Comissão Especial na Casa, da qual Novaes
participou de audiência pública.
Blog Cidadãos do Mundo – Quais são as prioridades hoje de pauta do Fórum
Paulista de Combate aos Impactos dos Agrotóxicos e Transgênicos?
Marcelo Novaes – O fórum está em fase de estruturação e entre as
principais prioridades, está a de agregar instituições e autoridades do
setor preocupadas com o assunto. Desde a sua criação, foram formadas
comissões temáticas, como na área de saúde. Atualmente também temos
acompanhado o PL dos Agrotóxicos versus da PNaRA, que é uma política que
promove uma reflexão sobre o uso dos agrotóxicos no país, com a
proposta de medidas para mitigar impactos negativos, mantendo a
transparência e governança para promover a agroecologia.
No campo estadual, discutimos projetos de lei relacionados à
pulverização e neonicotinoides, que são inseticidas com restrições na
Europa, e extremamente nocivos aos agentes polinizadores. Temos dados
coletados de 2015, pela Defensoria Pública, sobre a pulverização, cuja
área total pulverizada (desconsiderando eventual sobreposição de áreas)
totaliza 11,82% do território do estado. Mais de 80% direcionados à
cultura de cana-de-açúcar e há o indicativo de que 60% eram inseticidas.
Nossas bases de dados foram levantamentos de documentos junto ao
Ministério da Agricultura. Entre as localidades, estão principalmente
regiões de geração de commodities. Desafios são encontrados no Vale do
Ribeira, na Serra da Mantiqueira, em municípios como Ribeirão Preto, e
de entrada de grãos (Ourinhos, Itapetininga), entre outros. Mais uma
pauta nestas áreas são os transgênicos.
O Fórum pesquisa a relação de doenças crônicas e de casos de câncer com a
utilização de agrotóxicos e possível agravamento com o aumento da
produção de grãos no estado. O Observatório de Saúde Ambiental constatou
uma correlação significativa, por meio de dados epidemiológicos. Estas
informações podem ser encontradas na página da Ouvidoria, na seção de
audiência pública. Outra fonte importante recente é o livro Geografia do
Uso de Agrotóxicos no Brasil e Conexões com União Europeia, publicado
pela pesquisadora Larissa Bombardi.
Blog Cidadãos do Mundo – O que o senhor tem a dizer sobre a desoneração
de produtos agrotóxicos e o que de fato pode ser feito juridicamente
quanto a esta questão?
Marcelo Novaes – O mercado de agrotóxicos obteve no país US$ 10 bilhões
em 2015, e contribuiu com pouco mais de R$ 500 milhões de arrecadação.
Menos de um e meio por cento de arrecadação é algo diminuto. No Tribunal
de Contas da União (TCU), em acórdão de abril, se verificou que a
desoneração de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Programa
de Integração Social (PIS) e imposto de importação (tributos federais),
fez com que cerca de R$ 1 bilhão deixasse de entrar nos cofres da União.
No estado de SP, a desoneração também chega a R$ 1 bilhão quanto ao
ICMS. Neste caso, alcança tanto os agrotóxicos extremamente perigosos
como o de menor potencial, de uso terrestre e aéreo, que podem provocar
enorme prejuízo. O problema é não haver a seletividade. Alguns países
utilizam o imposto verde. Podemos reger isso de forma mais inteligente.
Atualmente existem algumas tentativas de impugnar parte da desoneração
do ICMS e dos tributos federais, com apoio da Procuradoria Geral da
União (PGR).
Além dessa desoneração, existe perda de receita significativa, porque o
produtor rural abate o gasto com agrotóxicos nos tributos sobre a renda,
considerados insumos agrícolas. O desenho do sistema tributário
incentiva a produção de commodities para exportação. Se alterar o
modelo, muda o consumo dos agrotóxicos. O Brasil exportou US$ 86 bi em
2016 e arrecadou em imposto de exportação R$ 44 mil. Ao mesmo tempo,
importamos US$ 12 bilhões de produtos agrícolas – arroz, feijão, trigo e
frutos, entre outros. Como também importamos os insumos na ordem de
US$ 7 bilhões em agrotóxicos por ano.
Mais um aspecto que ilustro é sobre a necessidade de se rever a Lei
Kandir, pela qual há R$ 25 bilhões de desoneração fiscal anual
decorrente de exportações no estado de SP de diferentes eixos econômicos
(São Paulo). No setor da agricultura, este modelo não consegue
sobreviver sem o uso de agrotóxico.
Blog Cidadãos do Mundo – Como o Fórum pretende envolver mais a sociedade
civil neste debate? E como é possível ter mais participação e acesso
aos informes do Fórum?
Marcelo Novaes – Envolver por meio da fomentação do debate, e coletando
informações. Reunindo estas instituições que estavam espalhadas pelo
Estado. Estamos em processo de formatação. Tirar o manto de
invisibilidade do custo humano e ambiental que envolve o modelo de
utilização do agrotóxico e tentar criar soluções para mitigar. Agora
houve uma ampliação da discussão do PL. Podem participar tanto
instituições jurídicas, como pessoas físicas pesquisadores. Para obter
mais informações o meio de contato é o email forumpaulistaciat@gmail.com
. Integramos o Fórum Nacional, que está sob a coordenação do Ministério
Público do Trabalho.
Blog Cidadãos do Mundo – Comparativamente a outros estados brasileiros,
como São Paulo se encontra quanto ao uso de agrotóxicos? Quais os
desafios num universo de praticamente 700 municípios?
Marcelo Novaes – O estado é o segundo mercado consumidor, só perde
atualmente para o Mato Grosso. Representa 20% do consumo do agrotóxico
do país, que consome 4% de todo no mundo. Aqui a tendência é aumentar a
produção de soja transgênica e entrada de diferentes grãos no estado. O
desafio é buscar um meio de produção menos lesivo ao meio ambiente, como
a agricultura orgânica, além de enfrentar a questão da pulverização
aérea e buscar os banimentos dos já banidos.
Blog Cidadãos do Mundo – Quais são os pontos nevrálgicos desta agenda no país, segundo sua avaliação?
Marcelo Novaes – Hoje existe uma discussão política sobre qual país
queremos. A opinião pública tem de ser alertada sobre um modelo que
produz riqueza que não está sendo distribuída para a população e que
produz externalidades negativas. O agronegócio é vendido como salvação,
mas só nos mostram a sala de visita.
Outro ponto é que as próprias entidades representativas das empresas de
pesticidas, em audiência pública, também afirmaram que 30% dos
agrotóxicos consumidos no país entram de contrabando, porque não são
permitidos no país, sendo que muitos nem são para uso agrícola. É
importante definir a responsabilidade sobre esta questão. O proprietário
rural não pode usar estes produtos.
Um segundo eixo é que muitas pessoas excedem na quantidade de uso dos
agrotóxicos. Existe um trabalho do Ministério Público, na região de
Paranapanema, por exemplo, que cruzou dados com os das estações
metereológicas, e chegou à conclusão de que mais de 80% das
pulverizações aéreas foram feitas desrespeitando as bulas dos
fabricantes dos agrotóxicos. O proprietário e a empresa que financiou a
aquisição do produto são responsáveis.
Mais um ponto é que um terço do agrotóxico consumido no país é aplicado
por via aérea. Imagine se os números de Presidente Prudente se repetirem
no país, significa mais de 80% acima das normas apontadas pelo
fabricante.
E um complicador a mais nesta agenda é a utilização dos banidos nos
outros países serem utilizados aqui. O problema é que foram banidos por
conta de efeitos nocivos à saúde e ao meio ambiente. Não há
justificativa plausível, racional a não ser o desejo de se esgotar os
estoques daquela substância.
Como pano de fundo, se trata do poder de um complexo econômico –
agroindústria, mineração, hídrico e financeiro – voltado para
exportação. Só o setor de agronegócio representa um terço do Produto
Interno Bruto (PIB). É preciso uma atuação permanente dos órgãos de
fiscalização. A governança é a função de executar a política. Do debate
surge a luz.
Quanto ao PL dos Agrotóxicos, eu me detive na questão da possibilidade
de se obter o registro do agrotóxico no período de dois anos. O problema
é possibilitar a utilização de moléculas não testadas em outros países e
não se ter capacidade científica apta para fazer estes testes. A
História mostra que o inventor do DDT recebeu o prêmio Nobel na década
de 40 e depois se descobriu seus malefícios. Há que se ter cautela
quanto à utilização de novos produtos, pois existe o prejuízo à proteção
da saúde pública e ambiental. É importante que o governo se mobilize e
fique menos permeável ao poder econômico.
* Sucena Shkrada Resk é jornalista, formada há 26 anos, pela PUC-SP, com
especializações lato sensu em Meio Ambiente e Sociedade e em Política
Internacional, pela FESPSP, e autora do Blog Cidadãos do Mundo –
jornalista Sucena Shkrada Resk (http://www.cidadaosdomundo.webnode.com),
desde 2007, voltado às áreas de cidadania, socioambientalismo e
sustentabilidade.
Fonte: EcoDebate
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