quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

Um ode à imbecilidade construtiva predatória

Um ode à imbecilidade construtiva predatória

set 28, 2013 by     45 Comentários    Postado em: Atualidades
A absurda demolição do Edifício Caiçara, ao arrepio da lei, reverberou muito mais do que outras ações predatórias no Recife, mas é apenas um retrato resumido do que vem acontecendo em nossa cidade. O alerta não é apenas pela destruição de uma parte da história recente de nossa cidade, justamente no início da ocupação da orla, mas para a absoluta falta de planejamento urbano.

A história da maioria das grandes cidades é a mesma. Primeiro vem a ocupação de espaços mais nobres, normalmente perto das águas. Depois, a organização de um Poder Público que trata de reorganizar a qualidade urbana, oferecendo o mínimo de planejamento para o próximo momento, que é o de crescimento econômico, onde há uma luta por espaços. Neste momento, é essencial que o Poder Local tenha força e definição de como pretende desenvolver a vida das pessoas, tanto em seu espaço social como econômico.

Este fluxo descrito acima é o que espera-se acontecer em qualquer cidade decente do mundo. Isso porque a ocupação de espaços não encontra equilíbrio econômico de suas ações. Em outras palavras, o que é melhor para mim, pode não ser para o restante da comunidade. A definição correta dos espaços evita que, por exemplo, um morador resolva roubar um pedaço de calçada, prejudicando a coletividade. Mas para isso é preciso que o Poder Público atue corretamente, desde o momento anterior, planejando o que quer da cidade, até a obsessiva fiscalização da ocupação irregular dos espaços. E isso independe de classe social.

O que aconteceu com o Edifício Caiçara é justamente o retrato da falência urbana da cidade do Recife. E só ficamos informados da demolição em função da internet, e de grupos como o Direitos Urbanos, que tratou de disseminar a informação, gerando o mínimo de reação. 

A Prefeitura do Recife não tem a menor noção de onde a cidade deve ir. Não tem projeto algum para os bairros, para o Centro ou mesmo para as poucas áreas verdes da cidade.

Essa ausência de definição do espaço faz com que construtoras levantem prédios nababescos ao lado do centro histórico (como as duas torres do Cais de Santa Rita), escolas sejam invadidas por famílias sem teto (como no caso do Viaduto Tancredo Neves) e mangues virem avenidas. Isso sem falar na bagunça generalizada do espaço central da cidade, com o comercio informal tomando as ruas como se fossem espaços privados.

Nesse ambiente de permissividade, um construtor se acha no direito de demolir um prédio histórico, mesmo com uma ordem contrária da Prefeitura, que divulgou uma nota dizendo que iria multar a Construtora Rio Ave em míseros R$ 15 mil. Em qualquer país serio, o empresário já estaria sentindo o cheiro da cela do presídio. Mas por aqui o flagrante descumprimento da lei vale menos que a viagem do empresário para Miami no fim do ano.

Como o Poder Local age à reboque das construtoras, o Ministério Público tenta agir como pode, com ações fracionadas. Ficamos sabendo que a Promotora Belize Câmara, à época em que estava à frente das ações no Recife, tentou impedir esta demolição, assim como outras aberrações que acontecem pela cidade, mas o Conselho de Cultura teria considerado que o Caiçara não merecia tombamento. 

Mas como o processo ainda estava correndo, a construtora jamais poderia demolir o prédio. Aliás, a remoção da Promotora Belize Câmara da cidade da Promotoria do Recife é o retrato do processo de permissividade absoluta com o poder econômico nesta cidade, que aparenta viver em momentos de império.
O caso do Caiçara reflete apenas este estado de espírito que vivemos por aqui. Não se pensa na cidade como um todo, apenas em partes. 

E como não existe vácuo econômico, todo mundo ocupa a cidade como quer. Cada um quer o seu pedaço de chão. 

Outro fenômeno cria graves distorções, e por isso o Poder Público deve agir. Em alguns momentos, o mercado imobiliário acaba remunerando muito mais alguns tipos de construção. Neste momento, é muito mais rentável um imóvel residencial do que qualquer outro. Como não há a obrigação de construção de edifícios de utilização mista (com comércio embaixo, por exemplo), temos a formação de bairros fantasmas, como o da imagem acima, feito em Angola.

O Bairro de Boa Viagem é o exemplo disso.

Como é muito mais rentável a construção de espigões desumanos, com muros de 7 metros de altura, imóveis comerciais começam a desaparecer. Em pouco tempo fechou a Academia Performance, o Boteco, duas galerias, duas padarias e muitas outras lojas de rua. Tudo acaba sendo transferido para cápsulas climatizadas de consumo, matando a rua.

O resultado disso é a formação de bairros sem vida, com calçadas sem urbanização e avenidas selvagens.

O mais grave disso tudo é que o desequilíbrio momentâneo do mercado imobiliário cria problemas que jamais serão revertidos, já que após um espigão de 40 andares subir, não se imagina a sua demolição.

O resultado deste processo predatório é triste.
Recife é uma cidade que não respeita sua história.
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PS: Neste domingo teremos um ato em frente ao Caiçara demolido. Será às 10 horas da manhã. Pede-se para chegar pedalando.


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