Parque ou shopping?
O governo e moradores disputam o uso de uma das últimas áreas verdes disponíveis na orla do Paranoá
O polêmico lote ao lado da Ponte JK: shopping pode ocupar o cenário do cartão-postal
21.fev.2014 10:14:23 | por Lilian Tahan
A contar
pelo valor de mercado, o lote B da QL 24 no Lago Sul equivale, como na
lenda do arco-íris, a um pote de ouro cravado num dos extremos da Ponte
JK.
Com 65 000 metros quadrados em um dos pontos mais valorizados de
Brasília, ao lado de um cartão-postal da cidade, o terreno tem seu preço
avaliado em mais de 100 milhões de reais.
Coberta apenas pela rala
vegetação do cerrado, essa área tornou-se um dos principais alvos da
especulação imobiliária no Distrito Federal, provocando uma disputa que
hoje envolve o governo, os moradores da vizinhança e grupos econômicos
interessados em construir um shopping center no local.
No mais recente
capítulo dessa pendenga, as autoridades resolveram aguardar a aprovação
de uma lei complementar sobre o uso do quinhão às margens do Lago
Paranoá antes de colocá-lo à venda novamente.
O
polêmico terreno pertence à Agência de Desenvolvimento do Distrito
Federal (Terracap) e foi licitado em duas oportunidades nos últimos
cinco anos.
Ambos os negócios foram contestados. Em fevereiro de 2009, o
governo baixou o primeiro edital para se desfazer da área. Na ocasião,
ela foi arrematada por 62,4 milhões de reais pela Principal Construções
Ltda., do empresário Paulo Octávio, que ocupava o cargo de
vice-governador.
Quando tomaram conhecimento da transação, moradores das
redondezas se reuniram para barrar o negócio. Dois meses depois, por
determinação da Justiça, três técnicos da 1ª Vara da Fazenda Pública do
DF fixaram o preço do lote em 162,5 milhões de reais, valor mais de duas
vezes e meia superior ao pago pela Principal. O negócio foi desfeito sob a justificativa de conveniência comercial.
Em
abril do ano passado, a Terracap voltou a insistir na venda do terreno e
estabeleceu um preço mínimo de 106 milhões de reais. As empresas
Multiplan e Emplavi chegaram a pagar a caução.
No entanto, a compra foi
novamente interrompida. Nesse caso, por iniciativa do Ministério Público
de Contas, que denunciou a defasagem de valor do edital para a
avaliação feita em 2009.
Alertou, também, para a falta de estudos sobre o
impacto, no meio ambiente e no trânsito, da construção de um shopping
naquela área.
Como justificativa para a diferença de preço, o governo
afirmou que o mercado imobiliário desaquecera naquele período.
O relator
do processo no Tribunal de Contas do DF, conselheiro Renato Rainha,
acatou os argumentos do Ministério Público e pediu a suspensão do
negócio. Mas, no julgamento de mérito, em outubro do ano passado, houve um empate, e o presidente da corte, Ignácio Magalhães, decidiu autorizar a licitação.
“Querem
premiar a especulação imobiliária em detrimento do bem-estar das
pessoas”, diz Robério Negreiros, presidente da Comissão de Meio Ambiente
da Câmara Legislativa.
Além de ostentar o cargo oficial, Negreiros é
morador do Lago Sul e tornou-se um para-raios de dezenas de reclamações
dos seus vizinhos.
Com o resgate da ideia de um shopping ao lado da
Ponte JK, eles voltaram a pressionar as autoridades.
No dia 18 de
dezembro, o Ministério Público recomendou ao governo que suspenda não
apenas as tratativas para a venda do lote, mas também as audiências
abertas planejadas para discutir a destinação do endereço. “É
fundamental que se aprove uma lei complementar definindo normas de
gabarito adequadas às restrições ambientais existentes do local”, afirma
a promotora de Justiça Luciana Bertini.
O
imóvel disputado no Lago Sul fica em uma região brejosa, por onde passa
um riacho. Se dependesse da maioria dos moradores das proximidades da
Ponte JK, a área abrigaria um parque ecológico.
“Outro centro comercial,
nos moldes do Pier 21, afetaria a natureza do local, um dos poucos
lugares preservados da orla”, afirmou Diana Carneiro, presidente da
Federação Brasiliense de Canoagem.
Em audiência pública sobre o assunto,
ela representou os praticantes de esportes náuticos da cidade.
Com
características de área de preservação, o espaço deve ter destino
compatível com as restrições de ordem ambiental.
Apesar da limitação
imposta pela lei, um decreto de 2008 estabeleceu regras para uma obra a
ser erguida no local.
O gabarito para a construção prevê 39 000 metros
quadrados de área útil e até três pavimentos — números sob medida para
um shopping.
Na ocasião da assinatura do documento, o governador do DF
era José Roberto Arruda e o vice, Paulo Octávio. Ambos perderam o cargo
em decorrência dos desdobramentos da Operação Caixa de Pandora, de 2009,
que investigou desvio de dinheiro público.
Representante
do governo atual, o administrador do Lago Sul, Wander Azevedo, tem
dúvidas sobre a destinação do terreno.
“Embora a vocação comercial
esteja prevista nas normas, nunca se falou explicitamente em shopping.
Buscaremos uma solução que atenda os moradores e respeite as leis”, diz.
Entre as opções, a Terracap estuda até a construção de uma marina.
De
um futuro consenso virão os contornos finais de um dos cenários mais
simbólicos de Brasília.
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