terça-feira, 25 de fevereiro de 2014

TERRACAP ataca novamente.E quem perde é nossa qualidade de vida.

Parque ou shopping?

O governo e moradores disputam o uso de uma das últimas áreas verdes disponíveis na orla do Paranoá

O polêmico lote ao lado da Ponte JK: shopping pode ocupar o cenário do cartão-postal

21.fev.2014 10:14:23 | por Lilian Tahan

A contar pelo valor de mercado, o lote B da QL 24 no Lago Sul equivale, como na lenda do arco-íris, a um pote de ouro cravado num dos extremos da Ponte JK. 

Com 65 000 metros quadrados em um dos pontos mais valorizados de Brasília, ao lado de um cartão-postal da cidade, o terreno tem seu preço avaliado em mais de 100 milhões de reais. 

Coberta apenas pela rala vegetação do cerrado, essa área tornou-se um dos principais alvos da especulação imobiliária no Distrito Federal, provocando uma disputa que hoje envolve o governo, os moradores da vizinhança e grupos econômicos interessados em construir um shopping center no local. 

No mais recente capítulo dessa pendenga, as autoridades resolveram aguardar a aprovação de uma lei complementar sobre o uso do quinhão às margens do Lago Paranoá antes de colocá-lo à venda novamente.

O polêmico terreno pertence à Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap) e foi licitado em duas oportunidades nos últimos cinco anos. 

Ambos os negócios foram contestados. Em fevereiro de 2009, o governo baixou o primeiro edital para se desfazer da área. Na ocasião, ela foi arrematada por 62,4 milhões de reais pela Principal Construções Ltda., do empresário Paulo Octávio, que ocupava o cargo de vice-governador. 

Quando tomaram conhecimento da transação, moradores das redondezas se reuniram para barrar o negócio. Dois meses depois, por determinação da Justiça, três técnicos da 1ª Vara da Fazenda Pública do DF fixaram o preço do lote em 162,5 milhões de reais, valor mais de duas vezes e meia superior ao pago pela Principal. O negócio foi desfeito sob a justificativa de conveniência comercial.

 Em abril do ano passado, a Terracap voltou a insistir na venda do terreno e estabeleceu um preço mínimo de 106 milhões de reais. As empresas Multiplan e Emplavi chegaram a pagar a caução. 

No entanto, a compra foi novamente interrompida. Nesse caso, por iniciativa do Ministério Público de Contas, que denunciou a defasagem de valor do edital para a avaliação feita em 2009. 

Alertou, também, para a falta de estudos sobre o impacto, no meio ambiente e no trânsito, da construção de um shopping naquela área.

 Como justificativa para a diferença de preço, o governo afirmou que o mercado imobiliário desaquecera naquele período. 

O relator do processo no Tribunal de Contas do DF, conselheiro Renato Rainha, acatou os argumentos do Ministério Público e pediu a suspensão do negócio. Mas, no julgamento de mérito, em outubro do ano passado, houve um empate, e o presidente da corte, Ignácio Magalhães, decidiu autorizar a licitação.

 Querem premiar a especulação imobiliária em detrimento do bem-estar das pessoas”, diz Robério Negreiros, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara Legislativa. 

Além de ostentar o cargo oficial, Negreiros é morador do Lago Sul e tornou-se um para-raios de dezenas de reclamações dos seus vizinhos. 

Com o resgate da ideia de um shopping ao lado da Ponte JK, eles voltaram a pressionar as autoridades. 

No dia 18 de dezembro, o Ministério Público recomendou ao governo que suspenda não apenas as tratativas para a venda do lote, mas também as audiências abertas planejadas para discutir a destinação do endereço. “É fundamental que se aprove uma lei complementar definindo normas de gabarito adequadas às restrições ambientais existentes do local”, afirma a promotora de Justiça Luciana Bertini.

O imóvel disputado no Lago Sul fica em uma região brejosa, por onde passa um riacho. Se dependesse da maioria dos moradores das proximidades da Ponte JK, a área abrigaria um parque ecológico.

“Outro centro comercial, nos moldes do Pier 21, afetaria a natureza do local, um dos poucos lugares preservados da orla”, afirmou Diana Carneiro, presidente da Federação Brasiliense de Canoagem. 

Em audiência pública sobre o assunto, ela representou os praticantes de esportes náuticos da cidade. 

Com características de área de preservação, o espaço deve ter destino compatível com as restrições de ordem ambiental. 

Apesar da limitação imposta pela lei, um decreto de 2008 estabeleceu regras para uma obra a ser erguida no local. 

O gabarito para a construção prevê 39 000 metros quadrados de área útil e até três pavimentos — números sob medida para um shopping. 

Na ocasião da assinatura do documento, o governador do DF era José Roberto Arruda e o vice, Paulo Octávio. Ambos perderam o cargo em decorrência dos desdobramentos da Operação Caixa de Pandora, de 2009, que investigou desvio de dinheiro público.

Representante do governo atual, o administrador do Lago Sul, Wander Azevedo, tem dúvidas sobre a destinação do terreno. 

“Embora a vocação comercial esteja prevista nas normas, nunca se falou explicitamente em shopping. Buscaremos uma solução que atenda os moradores e respeite as leis”, diz. 

Entre as opções, a Terracap estuda até a construção de uma marina. 

De um futuro consenso virão os contornos finais de um dos cenários mais simbólicos de Brasília
 

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