domingo, 6 de julho de 2014

Palavra-chave para a vitória: educação




Essa foi a forma de moradores da capital superarem barreiras

patricia.fernandes@jornaldebrasilia.com.br

 
Cada indivíduo tem uma maneira   de lidar com os momentos difíceis da vida. Alguns os convertem em revolta e ficam estagnados na dor. 

Outros, no entanto, os transformam em superação. Brasília tem vários casos que se encaixam nesta segunda opção, como o  de Jailson Santos, 33 anos. Protagonista de uma trajetória de vida emblemática, até os 27 anos, ele só havia cursado a 5ª série. 


Com condições financeiras restritas, o acesso ao universo acadêmico era uma realidade distante. Munido de desejo de mudança, descobriu na educação a possibilidade de se transformar.  A educação, aliás, foi a maneira de dar a volta por cima dos demais personagens desta reportagem.


Jailson concluiu o Ensino Médio, foi aprovado em quatro concursos e hoje é servidor do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). 


“A minha infância não foi muito fácil. Minha mãe faleceu quando eu tinha nove anos e meu pai teve que cuidar de nove filhos enquanto trabalhava na roça.


 Eu não tive muito acesso à escola. Aos 12 anos, já trabalhava no interior da Bahia, vendendo café, verduras e dindim”, conta Jailson.

Brasília
Aos 14 anos, ele se mudou para o Distrito Federal em busca de melhores condições de vida, mas no começo teve uma árdua batalha pela frente. “Fui trabalhar como ajudante em supermercado. Aos 16, mais ou menos, quando eu tava na 4ª série, larguei os estudos pra ficar só trabalhando”, disse.


Com a pouca escolaridade,  os postos de trabalho disponíveis eram reduzidos. “Só conseguia trabalhar em subempregos. Foi nessa época que comecei a querer melhorar e mudar de vida. Aí eu comecei a focar nos estudos”, diz.

Para dar fôlego ao período de mudança,  o primeiro passo de Jailson foi se inscrever num programa para concluir os estudos em um curto espaço de tempo. “A prova era seis meses depois da inscrição. Nesse período eu ia à biblioteca, pegava os livros e ficava estudando no ônibus, na hora do almoço, em casa. Fui lendo, lendo, e num final de semana eu fiz as provas”, salienta.

Um motivo a mais para estudar
Assim que concluiu o Ensino Médio, Jailson ingressou numa escola técnica, onde conheceu a mulher. “Ela trabalhava em um cursinho preparatório e já estudava muito para concursos. Minha mulher   me inspirou bastante, despertou a minha visão”, conta.

Entretanto, a força de vontade não foi suficiente para garantir o êxito imediatamente. “Fui reprovado três vezes na escola técnica, por falta de base de estudos mesmo,   foi quando ela se formou e eu desisti da escola técnica para estudar para concursos”, afirma. 

A partir da decisão, uma nova batalha na vida se iniciou. “Fiz mais de 40 provas. No começo eu passava muito longe da classificação, mas fui melhorando e isso me motivava cada vez mais. Até eu começar a me classificar perto das vagas demorou uns dois anos”, diz.

Quatro aprovações
Depois de muito estudar, Jailson  contabiliza hoje quatro aprovações em concursos. “Depois do primeiro eu não parei. É um ciclo.  Eu ainda estou em constante mudança, mas posso dizer para todo mundo que a educação faz você ir até onde ninguém imagina”, destaca.


 Mesmo diante de todos os obstáculos enfrentados, o servidor garante que todo o esforço valeu a pena. “Não foi fácil chegar aqui. Tem dias que você quer chorar, quer desanimar. É muito gratificante. ”, ressalta Jailson. Ele mostra, com orgulho, uma fotografia tirada em um dos seus empregos na iniciativa privada.



O grande poder do conhecimento
De acordo com o servidor público Jailson Santos, o tempo de preparação para concursos foi marcado pela abdicação e pelo foco. “Sempre lia na hora do almoço e dentro do ônibus também. Não tinha fim de semana. O tempo era só para estudar mesmo. Eu mesclava textos com videoaulas, fiz uns três cursinhos preparatórios e assim foi dando certo”, conta.



Segundo Jailson, o acesso ao conhecimento tem um poder transformador. “O estudo mudou a minha história e eu uso isso para tentar mudar a vida da minha família”, destaca. Pai de dois filhos, um de 12 anos e outro de três anos, ele relata que garantir um ensino de qualidade aos herdeiros é uma premissa. “A maior herança que alguém pode deixar  a outra pessoa é a educação. Se   meus filhos tiverem uma boa educação, eles terão tudo e vão conseguir chegar onde quiserem. Quero educá-los da melhor forma possível”, assegura.


Para o futuro, os planos são otimistas: “Quero me formar, ter uma graduação para poder acompanhar o crescimento do FNDE e da sociedade como um todo. Minha visão por enquanto é essa, aprender e me preparar para poder contribuir mais”, conclui.


Um novo horizonte
Brasília está cercada de histórias inspiradoras. Um dos personagens mais importantes da cena cultural local, Luiz Amorim, 36 anos, foi alfabetizado somente aos 16 anos. Hoje, ele   usa a cultura para mudar a vida de quem vive ao seu redor. Dono do T-Bone, o primeiro açougue cultural do País, decidiu    compartilhar a paixão pela arte com o maior número de pessoas possível.

Assim que comprou o açougue, em 1994, montou uma pequena biblioteca   no local. “Arte você faz em qualquer lugar. Como eu já lia bastante e   conversava   com os clientes sobre filosofia e cultura, percebi que   havia um ambiente preparado. Resolvi sair da teoria e colocar minha ideia na prática”, explica.

Luiz também está à frente dos projetos Encontro com escritores, pelo qual convida escritores para falar sobre seus trabalhos, e Biblioteca Popular, que leva livros a paradas de ônibus. “Li o meu primeiro livro aos 18 anos e desde então não parei”, relata o açougueiro.

Casado e pai de um filho de sete anos, ele destaca que é um privilégio poder dar uma vida diferente da que teve. “Vim de Salvador (BA)  ao DF com sete anos. Fui criado pela minha mãe. Até os 12 anos, trabalhava como engraxate para ajudar no sustento da família”, conclui.

Caminho para não ficar estagnado
Dinamismo, determinação e bom-humor são as características das pessoas que conseguem superar as situações difíceis. É o que explica a psicóloga Bruna Sampaio. 

“As pessoas resilientes entendem com mais facilidade que todas as coisas são temporárias. O pensamento de que um determinado episódio é eterno nos deixa estagnados”, diz.


Ela frisa que a transição é um processo que ocorre é vista como algo natural e por isso é importante colocá-la sempre como uma possibilidade. “É essencial ter autoconfiança. Dessa forma, a capacidade de tentar e riscar algo novo acontece com mais facilidade”, afirma.


Objetivos
Para lidar com os contratempos, a psicóloga afirma que manter os objetivos claros é essencial. “Praticamente todos os problemas têm solução. O importante é pensar de forma criativa sobre possíveis soluções e não ficar estagnado no momento difícil”, pontua.


“Uma pessoa resistente é aquela que ‘segura as pontas’, resistindo a situações de pressão. Já uma pessoa resiliente, além de suportar a pressão, aprende com as dificuldades e os desafios, usando sua flexibilidade para se adaptar e sua criatividade para encontrar soluções alternativas”, explica ela. 


Assinatura no lugar da digital
Não conseguir escrever o próprio nome é uma das principais dificuldades enfrentadas pelas pessoas que não foram alfabetizadas. Era o caso do operário José Alves Ferreira de Barros, 51 anos, que só foi alfabetizado há um ano. “Eu tinha o RG, mas no lugar da assinatura, tinha a minha impressão digital. Fiquei muito alegre com essa conquista”, comemora.


Beneficiado pelo programa de Alfabetização de Trabalhadores da Construção Civil, o operário relata que pretende dar continuidade aos estudos. “Hoje, eu só consigo fazer o nome, mas pretendo aprender a ler. O conhecimento é a chance de um futuro melhor”, disse.

Segundo ele, garantir uma vida diferente aos quatro filhos é uma prioridade em sua vida. “Todos já terminaram os estudos. Só a mais nova que ainda está cursando o último ano”, diz, satisfeito.

Resiliência
Superar desafios pessoais, além de   uma conquista individual, pode ser um passo à frente no campo profissional. O especialista em Recursos Humanos André Feitosa explica que “uma pessoa resiliente  aprende   com os momentos difíceis” e é valorizada pelas organizações.   

Pense nisso
As melhores  oportunidades não estão ao alcance de todos. Para que isso seja possível, ainda é necessário ao Estado avançar em uma série de políticas públicas que começam pela educação, mas passam por outros âmbitos. Embora a situação socioeconômica interfira no curso da vida  desde a infância, os personagens desta reportagem demonstram que é possível dar a volta por cima. 

A força de vontade vem em primeiro lugar.  É este o maior incentivo que alguém pode ter. Caso contrário, a caminhada não acontece, e as melhores chances podem passar despercebidas aos olhos de cada um. O velho clichê que diz que “a vida é feita de escolhas” nunca fez tanto sentido.


Fonte: Da redação do Jornal de Brasília




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