quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Carlos Alberto Sardenberg: Na fila de trás


A média de crescimento anual do Brasil foi sempre inferior àquela obtida pela América Latina e pelos emergentes

Quais são os países latino-americanos que têm o menor número de pobres?

Chile e Uruguai, ambos com 3% da população abaixo da linha da pobreza, em 2012, segundo os respeitados critérios de um trabalho conjunto do Banco Mundial e de uma instituição da Universidade de La Plata, o Centro de Estudios Distributivos Laborales y Sociales (Cedlas).

Pelo mesmo estudo, analisado em um oportuno texto dos economistas Ilan Goldfajn e Gino Olivares, do setor de análises econômicas do Itaú, o Brasil tinha naquele ano 10% da população abaixo da linha da pobreza, cerca de 20 milhões de pessoas.

E qual foi o país que mais reduziu a pobreza nesta região, no período de 2002 a 2012?
Peru: a população abaixo da linha de pobreza caiu de 30% para 11% nesses dez anos, uma queda de 19 pontos. Melhor dizendo: 5,7 milhões de peruanos escaparam da pobreza extrema.

No caso do Brasil, mesmo período, também houve queda expressiva da população mais pobre, de 16 pontos.

Olhando pelo outro lado — a parte da riqueza nacional que é apropriada pelos mais ricos — o país com melhor distribuição de renda é o Uruguai. 


Lá, em 2012, os 10% mais ricos ficaram com 30% da renda gerada no país.

De novo aqui, o Peru foi a nação que obteve os melhores resultados. A participação dos 10% mais ricos caiu de 43% para 34% da população.

No Brasil, mesmo período, a distribuição também melhorou, mas em ritmo menor. Os 10% mais ricos tinham 46% da riqueza da população em 2002, e 42% dez anos depois.

Para não aborrecer o leitor com mais dados (todos podem ser encontrados em itau.com.br/itaubba-pt/analises-economicas/publicacoes), vamos logo para as conclusões: a distribuição de renda na América Latina melhorou de maneira generalizada nas últimas duas décadas, e mais acentuadamente na última.

Logo, se o fato é geral, devem existir causas comuns. O que houve de comum para esses países do fim dos anos 90 para cá?

Primeiro, a estabilização macroeconômica — não apenas a derrubada e controle da inflação em níveis baixos, mas também o controle das contas públicas, aberturas comerciais e para investimentos estrangeiros, em resumo, tudo que compõe o cardápio clássico (o famoso tripé: metas de inflação, superávits primários e câmbio flutuante).

Depois, toda a região foi beneficiada pelo espantoso crescimento da China, que se tornou neste século a principal parceira comercial da América Latina. Todos os países que tinham alimentos, minérios e petróleo para exportar ganharam muitos dólares, com os quais puderam construir reservas sólidas. Com seu tamanho, a China puxou um forte crescimento econômico dos emergentes, que coincidiu, até 2008, com a boa expansão dos desenvolvidos. 

Um excelente cenário global.

Considerem o Brasil. No ano de 2000, exportou apenas um bilhão de dólares para a China. Dez anos depois, vendia cerca de US$ 45 bilhões. As exportações totais saíram da média anual de US$ 60 bilhões para os 245 bilhões.

Esse forte setor exportador gerou riqueza e desenvolvimento interno, com, entre outros efeitos, ganhos de arrecadação para os governos. Estes puderam, assim, gastar mais, especialmente nos programas sociais e na elevação do salário-mínimo em muitos lugares (as políticas de transferência de renda, também generalizadas na região).

Acrescente-se aí a queda do desemprego, efeito do crescimento, e se terá toda a história. Quer dizer, quase toda a história, pois cada país aproveitou de seu modo a onda global.

O Brasil aproveitou bem ou mal?

Para ficar nos anos 2000: em todo o período, a média de crescimento anual do Brasil foi sempre inferior àquela obtida pela América Latina e pelos emergentes. E, considerando os últimos dez anos, pegando portanto a crise de 2008/09, que derrubou os desenvolvidos, a média brasileira, pouco mais de 3% ao ano, ficou abaixo da média mundial, perto de 4%.

E por que estamos falando disto?

Porque este debate está no centro das eleições. E há conclusões a tirar: distribuição de renda depende, sim, de crescimento econômico; o Brasil não tirou melhores proveitos da situação mundial favorável por erros internos, tais como a falta de acordos de livre comércio com países desenvolvidos; mais recentemente, o Brasil, com inflação alta e crescimento baixo, descolou claramente dos ponteiros da América Latina, que crescem mais, com menos inflação e juros menores.

O Brasil está melhor que Venezuela e Argentina, o que não é grande vantagem.

E se outros — Peru, Colômbia e Chile, para ficar aqui ao lado — fazem melhor na mesma circunstância, isso significa que o problema brasileiro é interno. Esse atraso se vai pagar no futuro.

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