O Brasil tem os juízes mais produtivos do mundo, mas um Judiciário dos mais morosos e assoberbados.
Segundo relatório do Conselho Nacional de Justiça, o Brasil tem os juízes mais produtivos do mundo quando comparados com os
juízes europeus. Cada um dos 16.000 juízes brasileiros produzem, em
média, 1.616 sentenças por ano, contra a média de 959 dos juízes
italianos, 689 dos espanhóis e 397 dos portugueses. Mesmo assim, temos
um dos Judiciários mais morosos e assoberbados. Cada instância e ramo da
Justiça têm seus problemas peculiares, mas de um modo geral faltam
juízes e há excesso de demanda desnecessária. O que está errado? ...
A diferença começa pela quantidade de juízes e de casos novos que cada
um deles recebe. Para cada grupo de 100.000 habitantes, o Brasil tem 8
juízes (16.000 juízes para 2.000 grupos de 100.000 habitantes – 200
milhões/hab), enquanto que Portugal tem 19 juízes/100 mil/hab, Itália
10,2 e Espanha 10,7. Cada um dos 19 juízes portugueses recebe apenas 379
casos novos por ano. Os juízes italianos recebem 667 e os espanhóis
673. Juízes brasileiros recebem em média 1.375 casos novos, com picos de
média de até 2.900 (em SP, RJ e RS). Ou seja, a Justiça brasileira tem o
dobro da carga de trabalho do juiz europeu. E o número de processos em tramitação só aumenta a cada ano. São quase 100 milhões.
Mas casos novos são fatos sociais naturais. Culpar o cidadão (e seu
advogado) por buscar seus direitos não explica a complexidade do
problema da Justiça brasileira. O país está crescendo e com isso surgem
novas relações de consumo,
novos direitos sociais, crimes etc, e todo conflito de interesses
desagua na Justiça, local adequado para solucionar as dúvidas de uma
sociedade democrática.
Culpar os juízes também não explica. Trabalham muito e não há mais o
que deles exigir. Também dizer que juízes não cumprem decisões das
cortes superiores conflita com a flexibilização da jurisprudência pelas
próprias cortes. E a pacificação social deveria ocorrer exatamente pela
jurisprudência imutável da questão. O desalinho entre decisões do STJ e
STF é o Dédalo para o sistema jurídico brasileiro.
Por isso, demandas repetitivas causam excesso de volume nas cortes
superiores, pois passam rapidamente pelos 1º e 2º graus, aguardando por
anos a solução final no STJ e depois no STF (cerca de 250 temas de
recursos repetitivos no STJ e outro tanto de recursos de repercussão
geral no STF, alguns com mais de 15 anos sem definição). No TRF-3, por
exemplo, há mais de 130.000 processos suspensos, outros 130.000 nas
turmas recursais, além de 70.000 nas varas e juizados, aguardando
decisão destas duas cortes. Multiplique isto por 27 Tribunais de Justiça e 5 Tribunais Regionais Federais e verá onde estão boa parte dos processos que causam a morosidade do Judiciário.
Por outro lado, 53% das ações em tramitação nas varas do 1º grau da Justiça Federal de São Paulo
(e 86% dos processos sobrestados) são de execução fiscal, espécie de
processo que não tramita pelo Judiciário na Europa e Estados Unidos,
pois são processos de cobrança de dívida administrativa do Governo. Para
ter uma ideia, sem estes processos, a Justiça Federal em São Paulo
teria apenas 564.000 processos nas varas, ao invés dos 2.000.000 atuais.
Multiplique isto por 27 TJ´s e 5 TRF´s e constatará que há processos
desnecessários tramitando na Justiça.
Governos, bancos, companhias telefônicas/internet
e INSS são responsáveis por boa parte das ações judicias em tramitação
no Brasil. Ou seja, problemas com serviços públicos diretos ou
concedidos pelo Governo entulham o Judiciário com demandas
desnecessárias ou repetitivas, as quais poderiam ser facilmente
resolvidas pelas Agências Reguladoras ou pela Administração Pública.
Vê-se que o Governo transfere a responsabilidade da solução para o
Judiciário, utilizando-se de todos os recursos judiciais possíveis.
Gastam-se anualmente bilhões de reais em estrutura e condenações apenas
para suprir a função administrativa do Poder Executivo. Por isso, o
Executivo é atualmente a maior fonte de demanda perante o Poder
Judiciário.
Mesmo neste cenário, ainda há espaço para o Judiciário melhorar.
Planejar e gerir sua estrutura por intermédio dos fundamentos da gestão empresarial
torna-se indispensável nestes tempos modernos. Mas a Justiça irá
realmente melhorar somente quando deixar de ser utilizada pelo Poder
Executivo como meio de protelação de suas obrigações constitucionais,
destinando sua estrutura e tempo para os reais problemas da sociedade.
*José Denilson Branco é juiz federal em Santo André/SP
Fonte: Por JOSÉ DENILSON BRANCO*, blog do FAUSTO MACEDO - 10/09/2014 - - 19:45:51
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