| 04 Novembro 2014
Media Watch - Folha de S. Paulo
Media Watch - Folha de S. Paulo
Uma mídia
que não se envergonha de usar recursos como os de Adghirni já nos ajuda
a demonstrar o que é morar em um país vivenciando fases intermediárias
do bolivarianismo.
Se olharmos a estratégia de guerra dizendo para “bater onde dói”, há um ponto que incomoda muito os bolivarianos: chamá-los pelo nome e explicar ao povo o que isso significa.
Observem
as reações deles: sempre começam a se explicar, ficando na defensiva.
Eles não fazem o mesmo se os chamamos de comunistas, pois o senso comum
percebe isso como muito fora da realidade.
Como
disse um leitor, “bolivariano” está mais próximo dessa geração,
enquanto “comunismo” fica aparentemente na História, nos livros. Hoje em
dia, até mesmo Vladimir Putin quer parecer democrático, por isso é
fácil para eles ridicularizarem o rótulo “comunista”. Mas se
olhamos para Argentina, Venezuela, Bolívia e Cuba, veremos o
bolivarianismo fervilhar e fazer estragos nas sociedades.
Exatamente por isso, essa gente vai tentar truques cada vez mais grotescos para escapar deste rótulo.
Samy Adghirni é o substituto de Vladimir Safatle no UOL, O petista está de férias. Daí arrumaram outro tão embusteiro quanto.
Seu primeiro texto no portal é “Venezuelização?”. Algumas pessoas me falaram: “E aí, Luciano, como responder esse texto?”.
A
resposta é conhecer os estratagemas do oponente. Arthur Schopenhauer
fez um ótimo trabalho ao escrever sua Dialética Erística, na qual o
alemão fez um mapeamento de 38 embustes usados para se vencer um debate
sem ter razão.
O primeiro dessa lista é a ampliação indevida,
que é exatamente o recurso usado por Adghirni em todo o texto.
Essencialmente, exagera-se a afirmação de um oponente para além dos
limites naturais da afirmação. O picareta passa a refutar essa versão
exagerada, fingindo ter refutado a afirmação original”. É uma
especialização da falácia do espantalho.
O truque de Adghirni é só isso e nada mais.
Enquanto
todos sabem o que significa o bolivarianismo, ele diz que se não
existe tamanho nível de sucesso em sua implementação, conforme no país
de Maduro, então não temos bolivarianismo de forma alguma.
Duvidam?
Então vamos desconstruir o conteúdo de Adghirni:
Antipetistas alardeiam a ideia de que a reeleição de Dilma Rousseff abre caminho para o Brasil se tornar uma Venezuela. Isso é improvável. Apesar dos arroubos retóricos, Lula e Dilma nunca emularam o chavismo.
Aqui
ele já entra em contradição consigo próprio ao reconhecer que os
antipetistas dizem “que a reeleição de Dilma Rousseff abre caminho para
o Brasil se tornar uma Venezuela”. Mas em seguida, diz que “Lula e
Dilma nunca emularam o chavismo”.
Muita
calma nesta hora! A segunda afirmação só seria válida se a primeira
falasse de antipetistas dizendo “que a reeleição de Dilma Rousseff
consolida o processo bolivariano no mesmo estágio da Venezuela atual”.
Mas ninguém afirmou isso. Como ele mesmo disse, a afirmação criticada é
um alerta em relação ao início do projeto bolivariano, não em relação à
sua conclusão definitiva, o que não ocorre nem na Argentina ainda.
Note
que já no primeiro parágrafo comprova-se que ele exagerou a afirmação
do oponente para fingir ter refutado a afirmação original.
Hugo Chávez trabalhou desde sua chegada ao poder, em 1999, para pulverizar tudo o que existia antes dele. A Venezuela mudou de Constituição e de nome, tornando-se república bolivariana. O PT nunca foi revolucionário, embora Lula defenda uma constituinte para reforma política.
A
constituinte para reforma política, como qualquer pessoa
intelectualmente honesta sabe, é um pretexto para uma assembleia
constituinte. Ou seja, o projeto é exatamente o mesmo. E, obviamente,
sabemos que não é preciso de assembleias constituintes para se fazer
reforma política.
Quanto a dizer que “O PT nunca foi revolucionário”, faltou só ele combinar o jogo com o próprio partido, que lançou uma resolução política 100% bolivariana.
A
diferença é que Chávez trabalhou desde sua chegada ao poder, em 1999,
para pulverizar tudo o que existia antes dele. O PT apenas está tentando
isso, sem conseguir o mesmo resultado.
O petismo permeia órgãos federais, mas nada se compara ao aparelhamento à venezuelana. Chávez fechou o cerco à oposição até sufocar os que tentaram um golpe de Estado contra ele.
Não
se compara? Nem mesmo quando vemos os Correios usando o horário de
trabalho para fazer campanha política? E que tal o governo usando o
cadastro de beneficiários do Minha Casa Minha Vida para fazer terrorismo
eleitoral? Quem Adghirni quer enganar?
O desajeitado Nicolás Maduro herdou essa bomba relógio institucional. Acuado por protestos neste ano, recorreu a bandos armados irregulares, os “coletivos”, para esmagá-los. Saldo: 42 mortos. Bem diferente de junho de 2013.
Coitado
de Maduro, não? É um “desajeitado”. Mas quem está na prisão é Leopoldo
Lopez. Esse é outro truque de dissimulação de Adghirni: tratar monstros
dissimulados como “coitados desajeitados”.
É claro
que não é tão fácil para o governo petista fuzilar oponentes. Temos uma
mídia livre… ainda. Coisa contra a qual o PT luta o tempo todo.
Lula passou os dois mandatos construindo pontes –com a classe média, com o empresariado e com velhos rivais. Falta a Dilma essa veia conciliadora, mas ela manteve o arcabouço republicano e evita guerrear a oposição.
Estamos
notando como Dilma evita “guerrear a oposição”. Chamando-os de
“golpistas” e usando artigos financiados pelo governo para difamar
opositores. Adghirni é comediante.
Dilma, aliás, reflete a institucionalidade brasileira. Apesar de sua força política, Lula resistiu à tentação de atropelar a Constituição para concorrer a um terceiro mandato consecutivo. Chávez não teve esses pudores. Enquanto o chavismo governa por decreto, o Planalto continua refém do Congresso.
Mas
por que esse sujeito acha que o PT quer assembleia constituinte? Sim,
eu sei que ele não acha nada do que está escrevendo. É puro cinismo
mesmo.
Aliás, qual é o nome da presidente que escreveu o decreto 8243? Aha…
Se a economia brasileira preocupa, a do vizinho está em vias de colapso, com inflação a 63%, reservas minguantes e desabastecimento geral. Mercados temem um default no pagamento dos títulos da dívida venezuelana.
Como
sempre, a ampliação indevida. É assim: se um vampiro bebeu todo o
sangue de uma vítima, mas apenas 1 litro de outra, esta última não foi
vítima de um vampiro. É um estupro contínuo da lógica.
Lula e Dilma não só deram continuidade a políticas econômicas dos governos anteriores como rejeitaram o modelo venezuelano de controle cambial, expropriação e subsídios em larga escala.
É
que um está em fase inicial do processo e precisa construir alianças, e
o outro em fase final do processo, e não precisa se aliar com um PMDB
da vida por exemplo.
No Brasil, acusações de corrupção são investigadas e passíveis de cadeia. Na Venezuela, é impensável ver presos governistas do nível equivalente a José Dirceu e José Genoino.
Mas
já vemos coação violentíssima dos governistas contra brasileiros como
Joaquim Barbosa e Sérgio Moro. E sabemos que a condenação de Dirceu e
Genoino mexeu com o brio dos petistas, por isso estão mais assanhados
que de costume em prol da censura de mídia e dos decretos para coletivos
não-eleitos.
O quarto mandato petista está sujeito a retrocessos. Menções à regulamentação da mídia não condizem com o que vem sendo demonstrado.
Hahahaha….
Menção
à “regulamentação de mídia”? Os caras fazem congressos (como a
Confecom) desde 2010, falam intensamente do assunto desde 2003,
financiam com dinheiro público uma legião de blogs chapa branca que só
pedem “Ley de Medios já” o dia inteiro, gastam os tubos organizando
ONG’s como Barão de Itararé e Coletivo Intervozes, e o tal do Adghirni
vem falar em “menções à regulamentação da mídia”? É realmente o nível dos vídeos do Porta dos Fundos que postei ontem.
Por ora, o que está mesmo dando ao Brasil ares de Venezuela não são os políticos nem o apertado placar presidencial, mas a banalização do ódio, propalada principalmente pelo eleitorado inconformado.
Pronto!
Como
todo bolivariano, basta acusar o oponente de ódio quando este estiver
denunciando violação à liberdade de expressão, aparelhamento estatal e a
corrupção.
A sociedade se deixou dominar pela intolerância. Redes sociais transbordam de aberração. A deslegitimação do “outro” já gera violência física. Sinais de um país dilacerado entre metades surdas e irreconciliáveis. O maior risco de Venezuelização vem de nós mesmos.
No final, temos a chantagem emocional de sempre.
Com
um cinismo aterrador, ele parte para o ataque xingando de “intolerante”
e “aberração” todos aqueles que denunciarem o comportamento petista, a
campanha de esgoto, as técnicas de deslegitimação do “outro” (ou
“desconstrução”) e todas as tentativas de golpe.
Uma mídia
que não se envergonha de usar recursos como os de Adghirni já nos ajuda
a demonstrar o que é morar em um país vivenciando fases intermediárias
do bolivarianismo.
Você vai tolerar picaretagens deste tipo de gente contra você?
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