terça-feira, 6 de janeiro de 2015
Artigo do historiador Marco Antônio Villa,
publicado hoje no jornal O Globo, analisa os efeitos judiciais do
processo que enlameia a estatal sob comando petista. A crise política é
inevitável e porá em xeque as nossas instituições. A conclusão de Villa,
no entanto, me parece complicada: pensar o Brasil a partir de si
próprio, de sua própria história das ideias? Ler os clássicos, sim, mas
eles também foram influenciados pelo pensamento de sua época,
particularmente pelo pensamento francês:
Já
escreveu o filósofo João Cruz Costa que o Brasil tem a sua própria
história das ideias. Desde o processo independentista foram elaborados
diversos projetos para o país. Alguns — menos ousados — optaram por
discutir e apresentar propostas de questões mais imediatas. Mesmo sendo
um país da periferia, temos um pensamento político e econômico. Mas,
cabe reconhecer, que nem sempre fomos muito originais. No século XX,
especialmente a partir dos anos 1930, o principal embate ideológico foi
entre os marxistas e liberais. Na maioria das vezes, os dois campos
produziram pastiches adaptando a fórceps a especificidade brasileira aos
cânones ideológicos ocidentais. Consequentemente, a qualidade e a
originalidade da produção e do debate político-econômico foram ruins,
não passando da recitação de slogans vazios.
Durante
decênios assistimos a um embate entre dois modelos que o Brasil deveria
seguir: o socialista (tendo na União Soviética a principal matriz) ou o
capitalista (a referência maior era os Estados Unidos). Foi produzida
ampla literatura — geralmente de qualidade sofrível. Nenhum dos dois
lados conseguiu identificar que o Brasil teve uma história muito
distinta. O desenvolvimento de um capitalismo tardio na periferia deu ao
nosso pais tarefas e problemas a serem enfrentados que não eram os
mesmos dos modelos apregoados pelos repetidores do liberalismo ou do
marxismo.
O Estado
forjado pela Revolução de 1930 passou a ter decisiva presença na
economia devido a uma necessidade histórica. Não havia capitais privados
para o enfrentamento das tarefas indispensáveis ao desenvolvimento
nacional. Sem isso, o Brasil continuaria um país de segunda classe. O
problema foi que, de um lado, os marxistas idealizaram este processo
fechando os olhos para, entre outros problemas, o empreguismo e a
corrupção. Por outro lado, os liberais demonizaram o intervencionismo
estatal como se não houvesse distinções radicais entre a formação
histórica brasileira e a estadunidense. Apesar do oportunismo marxista,
isto não alterou em nada a ação repressiva estatal contra eles próprios.
Também em relação aos liberais, seus pregoeiros silenciaram (quando não
apoiaram) as ditaduras (tanto a militar como a do Estado Novo, ambas
sob forte influência do positivismo).
Este
processo de esquizofrenia política foi se acentuando no fim do século
passado. A queda do Muro de Berlim poderia ter conduzido a uma revisão
do pensamento marxista (e seus assemelhados) e do liberalismo. Mas não. O
primarismo analítico permaneceu. Os marxistas mantiveram o antigo
inimigo (o imperialismo americano) e adaptaram sua visão de mundo tendo
no velho caudilhismo latino-americano — agora recauchutado — o pilar
principal de atuação política. No caso brasileiro — como o caudilhismo
clássico nunca foi um elemento dominante — restou dar a Lula este papel,
com nuances, claro, dada a distinção entre a formação social brasileira
e a América Latina de colonização espanhola. Já os liberais adotaram
como referência as ações desenvolvidas nos Estados Unidos e na
Inglaterra nos governos Reagan e Thatcher, como se o capitalismo
tupiniquim fosse similar ao daqueles países.
Em meio a
este terreno coalhado de néscios, pensar o Brasil na complexa
conjuntura que vivemos não é tarefa fácil. Um bom caminho é retomar a
nossa história das ideias, ler nossos clássicos, aqueles que pensaram de
forma original o Brasil. E desafios não faltam. O que fazer com a
Petrobras? Novamente temos de romper o círculo de ferro das soluções
primárias. A questão central é entender o que aconteceu com a ex-maior
empresa brasileira. Não cabe dizer que tudo o que está ocorrendo não
passa de uma conspiração externa e, portanto, deixar tudo como está. Ou
afirmar como solução mágica a privatização da empresa fazendo coro com o
marido traído que resolveu trocar o sofá da sala. São dois meios de
pensar que reforçam a adoção de soluções simples e, geralmente,
absolutamente equivocadas. Cabe entender histórica e politicamente como a
Petrobras chegou a essa situação e quais os caminhos para retirá-la das
mãos dos marginais do poder e seu projeto criminoso antirrepublicano e
antinacional.
Da mesma
forma, teremos de encontrar os meios para combater a administração
Dilma. Tudo indica que viveremos uma presidência sob crise permanente. O
governo nem bem começou e já ocorreu um atrito entre a presidente e seu
ministro do Planejamento. E é só o primeiro. A bacharel — que durante
anos se apresentou como “doutora” em Economia — chegou até a recusar um
convite para um banca de doutorado dizendo “não ter tempo para essas
bobagens” — vai querer dar seus pitacos, principalmente com o
agravamento da situação econômica. E, também nesta questão, temos de
fugir da velha polaridade.
A crise
política é inevitável. Os efeitos judiciais do processo do petrolão vão
atingir em cheio o Congresso Nacional e o Palácio do Planalto. Teremos,
efetivamente, o grande teste das nossas instituições — o impeachment, em
1992, não passou de um ensaiozinho: chutar cachorro morto, todo mundo
chuta. As antigas formas de pensar vão, como de hábito, recitar suas
ladainhas, eivadas de estrangeirismo, preconceito e autoritarismo. O
desafio vai ser o de encontrar uma saída democrática, original e de
acordo com a nossa formação histórica. Pode ser o tão esperado momento
de ruptura que estamos aguardando desde 15 de novembro de 1889, quando a
República foi anunciada, mas até hoje aguarda, ansiosamente, ser
proclamada.
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