Silvana Campello* - 05/01/15
Improviso na jaula do leão, zoológico do Rio de Janeiro. Foto: Hernán Magllone
Sempre
admirei zoológicos e aquários públicos. É meu entendimento que os
animais nessas instituições exercem a função de embaixadores de suas
respectivas espécies.
Quantos conservacionistas de hoje não iniciaram
sua paixão pela vida selvagem graças a terem se divertido em um
zoológico quando crianças? Quantas pessoas terão a oportunidade de estar
frente a frente com um gorila, ou observar os detalhes da pele de uma
cobra venenosa? Pelo menos, de forma barata e segura? Mesmo assim, me
pergunto quantas pessoas fazem a conexão entre o animal em cativeiro e
seu habitat natural. Eu acredito que a associação é importante para que
haja conscientização ambiental plena.
Vivemos
desassociados do mundo natural. Outro dia, na Ilha Grande, me deparei
na trilha com uma família apavorada com uma galinha que cruzava seu
caminho. Tive de explicar que a ave não mordia.
Voltei para casa com
uma idéia fixa: associar minha ONG, o Instituto Araguaia,
que trabalha com animais em seu habitat natural, a diversos zoológicos
ao redor do mundo. Esse projeto não envolve repasse de recursos entre as
partes, apenas requer que as instituições aceitem exibir em telão, ao
lado do cativeiro, as imagens do habitat natural dos animais a ele
associados, a fim de que o público venha a entender a necessidade de se
conservar o mundo lá fora. Do lado de cá, nossa ONG se encarrega do que
for necessário para garantir a transmissão das imagens.
A ideia foi recebida com entusiasmo por diversas instituições, e tive a
oportunidade de visitar os Zoológicos de Frankfurt, Dortmund, Miami,
Washington e os aquários de Baltimore, Genova, e Barcelona. Fiquei
encantada com o que vi, tanto em termos de bem-estar animal quanto em
termos da educação ambiental que essas instituições promovem aos
visitantes, em especial às crianças.
Contraste
"Sem
nada para distraí-los, os orangotangos lhe pareceram deprimidos e,
enquanto ela estava lá, espremidos em um cubículo de concreto (...)"
|
Um
tempo depois resolvi visitar o Zoológico do Rio de Janeiro. Uma grande
amiga me disse para não ir. “Você vai se aborrecer” - disse–me ela em
tom de alerta – “Eu estive lá recentemente e vi muito sofrimento”.
Ouvi
casos de animais grandes demais para jaulas minúsculas e sujas, e de
animais neuróticos e deprimidos. Enquanto ouvia, minhas condolências iam
para aqueles pobres seres aprisionados, personagens inocentes de uma
estória de horrores.
O
que mais me chamou a atenção, e me levou a escrever essa coluna, foi o
fato de não poder contra-argumentar que o orçamento do zoológico do Rio
não deve chegar aos pés de outros no “mundo desenvolvido”. No caso dos
orangotangos, por exemplo, seu local é um ambiente desprovido de
brinquedos. Segundo minha amiga, que trabalha em um zoológico na
Alemanha, bastava a instalação de pneus, balanços, ou outros artefatos
de baixíssimo custo para exercitar e tirar a monotonia dos primatas. Sem
nada para distraí-los, os orangotangos lhe pareceram deprimidos e,
enquanto ela estava lá, espremidos em um cubículo de concreto tentando
sair do sol no “Rio 50 graus” daquele dia. E concluiu: “Com carinho e
pouco investimento se faria uma grande diferença”.
Ano
passado, uma voluntária em nossa base de pesquisas era uma especialista
em criar brinquedos para evitar depressão e neuroses em lontras e
peixes no Aquário de São Paulo. Sei também que o Zoológico de Sorocaba
tem sido elogiado por garantir o bem-estar dos bichos. Mas perante a
narrativa de minha amiga, senti – como em tantas frentes ultimamente –
vergonha de meu estado.
Garantir
o bem-estar dos animais é um dever de qualquer zoológico. Caso
contrário, não passam de verdadeiros campos de concentração idênticos
aqueles que um dia foram a vergonha da Europa. Aprender com a história é
isso: perceber que não se pode fazer com os animais aquilo que não mais
aceitamos que façam com a nossa própria espécie.
*Silvana Campello é Presidente do Instituto Araguaia de Proteção Ambiental. Membro da Comissão Mundial de Parques e Comissão de Sobrevivência das Espécies, UICN. |
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