sábado, 3 de janeiro de 2015

Mortes de policiais no Brasil: por quem os sinos dobram?

Brasil, Economia e Governo

Any man’s death diminishes me, because I am involved in Mankind; And therefore never send to know for whom the bell tolls; It tolls for thee.
John Donne

A taxa anual de mortalidade de um policial em serviço no Estado de São Paulo no 4º trimestre de 2013 foi de 41,81 por 100 mil policiais 2, praticamente 4 vezes a taxa prevalecente na população em geral, de 11 por 100 mil. Mantida essa taxa, um policial em cada 2.400 será morto por ano. Ao longo de 25 anos de carreira a mortalidade esperada de um policial paulista será de 1,1 para 100.



Já no Rio de Janeiro, o número de policiais assassinados – em serviço ou em folga – é de 1 para 377 neste ano de 20143, ou de 265 homicídios por 100 mil. No Rio de Janeiro especialmente, os criminosos não têm feito, quando atacam policiais, a sutil diferenciação entre militar em serviço ou de folga. A taxa de homicídios na população em geral no Estado é de 28,9 por cem mil – nove vezes inferior à enfrentada pelos policiais.


Mantida essa taxa, um policial militar do RJ que conseguir sobreviver aos 25 anos de carreira observará que a tropa terá perdido 1 membro para cada 14, o equivalente a uma mortalidade de 7%.



A comparação desse dado com outras causas de mortalidade é alarmante. Entrar para a Polícia Militar do Rio de Janeiro, atualmente, é quase tão perigoso quanto ser acometido por melanoma de pele (8,7% de mortalidade)4 e bem mais perigoso do que desenvolver câncer de tiroide (2,3% de mortalidade). De fato, ser PM do RJ é 6 vezes mais letal do que desenvolver câncer de próstata (mortalidade de 1,1%).



Nos Estados Unidos, entre 2007 e 2013, a média de policiais mortos em enfrentamento com criminosos foi de 50,1 por ano5, para um contingente de aproximadamente 700 mil policiais e uma população de cerca de 300 milhões. A taxa de homicídios dolosos nos EUA é de 4,7 por 100 mil6, enquanto a taxa de policiais assassinados em confronto no período indicado foi de 7,1 por 100 mil, equivalente a 1,5 vez à da população em geral. A taxa de mortes anual por 100 mil entre policiais americanos é, portanto, 1/6 da observada entre a Polícia Militar de São Paulo e 37 vezes menor que a enfrentada pela PM do Rio de Janeiro. Já o número de policiais mortos por milhão de habitantes ficou em 6,8 no RJ; 0,82 em SP; e 0,17 nos Estados Unidos.



Na Alemanha foram mortos 3 policiais em 20127, frente a um efetivo de 2438 mil, o que corresponde a uma taxa de mortalidade de 1,2 por cem mil na tropa e de 0,04 por milhão de habitantes. A taxa de homicídios na Alemanha é de 0,8 por 100 mil habitantes. Assim, a mortalidade dos policiais na Alemanha é de 1,5 vez à da população em geral. Na Inglaterra (e Gales), a taxa de homicídios é de 1,15 por 100 mil (2013) e a mortalidade dos policiais na média dos anos entre 2007 e 20139 foi de 1,0 por 100 mil10 – inferior, portanto, à taxa de homicídios na população em geral. A mortalidade anual de policiais em relação à população nesse período foi em média de 0,02 por milhão.



A comparação internacional é útil para demonstrar o risco inadmissível a que estão expostas as nossas polícias, com taxas de mortalidade muitas vezes superior à da população em geral. No entanto, é menos eficaz para analisar a taxa de letalidade da polícia, por uma razão simples de entender: a letalidade da polícia não guarda relação somente com o número de criminosos na população, mas também com o grau de agressividade e resistência desses criminosos. No Brasil, criminosos têm acesso a armamento exclusivo das forças armadas – incluindo granadas – e passaram a atacar também com o uso de explosivos. Além disso têm nível de organização que lhes dá grande poder de emboscar policiais e atacar até mesmo quartéis.



Nos Estados Unidos, entre 2003 e 2009, 2.931 criminosos foram mortos pela polícia em enfrentamentos11, uma média de 419 por ano. Tomando-se a média de 50,1 policiais mortos em confrontos observada entre 2006 e 2013, a relação entre letalidade policial e letalidade dos criminosos é de 8,4. No caso brasileiro, a letalidade da polícia de São Paulo no 4º trimestre de 2013 foi de 94, contra uma letalidade inversa dos criminosos de 9. A relação entre a letalidade policial e a dos criminosos foi de 10,4 – pouco superior à observada nos Estados Unidos nos períodos indicados. Isso sem contar que a mortalidade dos criminosos decorrente de reações em legítima defesa de cidadãos privados equivale a 64% daquelas resultantes de confrontos com policiais.



Recapitulando, os policiais militares de São Paulo têm uma taxa de mortalidade de 41,8 por 100 mil e os do Rio de Janeiro, de 265 por 100 mil, o que corresponde, respectivamente, a 4 vezes e a 9 vezes as taxas enfrentadas pela população desses estados. Nos Estados Unidos, o multiplicador é de 1,5; na Alemanha, é de 1,5; e na Inglaterra (e Gales) é de 0,8. Deve-se observar, também, que esses multiplicadores maiores observados no Brasil se aplicam a taxas de homicídio na população em geral extremamente elevadas.



Diante dessa situação, o mais esperado é que a sociedade estivesse mobilizada para a defesa dos seus policiais e suporte das famílias dos que morreram ou se feriram.



Infelizmente não é esta a realidade. No que concerne a mortes por enfrentamento, a proposição legislativa com maior evidência no momento é a que torna mais severo para o policial os procedimentos investigativos relacionados aos chamados autos de resistência. Essa alteração da legislação é bem-vindo, pois toda morte deve ser mesmo minuciosamente investigada pelo Estado, ainda mais se de responsabilidade de seus agentes.




Entretanto, o fulcro da proposta está em outro lugar: também modifica o art. 292 do Código de Processo Penal para estabelecer que o uso da força deverá ser “moderado” nas situações de confronto. Mesmo cientes de que a taxa de homicídio contra policiais é 9 vezes superior à da população em geral no Rio de Janeiro, a preocupação mais urgente dos proponentes dessa alteração é impor mais moderação… aos policiais.



É óbvio que tal situação é insustentável e só pode ser alterada se houver inversão dessas prioridades. A vida do policial, se não restar outra alternativa, deve ter precedência sobre a do criminoso. Esse postulado é tão óbvio que nem deveria ser explicitado. A compaixão pela morte de qualquer ser humano deve ser a mesma, mas prioridade absoluta deve ser dada à preservação da vida de quem protege a todos.



Além dessa razão de ordem ética e moral, há várias outras que justificam a precedência da preservação do policial, inclusive de ordem econômica. Ao tornar cada vez mais arriscada, penosa e, principalmente, estigmatizada a profissão de policial, a sociedade terá crescente dificuldade em recrutar pessoas adequadas ao serviço policial e, assim, acabará por contribuir para o aumento da violência.

Nenhum comentário: