61% das casas prometidas por Dilma no Minha Casa, Minha Vida não
saíram do papel ou do chão. Os prejuízos para os cofres públicos podem
ser bilionários, adverte a CGU.
(O Globo) O conjunto azulado se destaca na paisagem pastoril. Ao
fundo, um
morro foi escavado para aterrar brejos, nascentes e córregos da reserva
biológica Poço das Antas, que fluíam para o Rio São João, essencial ao
abastecimento de água de meio milhão de pessoas no litoral fluminense. O
projeto é do ano eleitoral de 2010. Previa 66 casas para famílias
pobres, com renda até R$ 1,6 mil mensais. Existem apenas 23, em paredes
de plástico pré-moldado. Não possuem teto, não há rua, rede de água,
esgoto ou energia. Estão abandonadas no meio do matagal.
Quatro anos e duas eleições presidenciais depois, mato e prejuízos
emolduram o programa habitacional conhecido como Minha Casa Minha Vida
em Silva Jardim, a 130 quilômetros do Rio.Não é caso isolado. Atrasos e deficiências caracterizam obras em
cinco mil municípios com menos de 50 mil habitantes, informa a
Controladoria-Geral da União (CGU), vinculada à Presidência da
República, em auditoria concluída no mês passado.
O governo federal financia 70% dos projetos. As prefeituras fazem uma
contrapartida de 30%, fornecem terreno, isenções fiscais e serviços
urbanos. Entre 2009 e 2010 foram assinados contratos para construção de um
milhão de unidades habitacionais, segundo a propaganda oficial. Um de
cada três desses imóveis não estava em pé até o mês passado, de acordo
com a CGU.
De 2012 até abril de 2014 foram contratadas mais 1,3 milhão de
unidades, indica a publicidade governamental. Até dezembro 83% das obras
não haviam sido iniciadas, diz a controladoria. Os problemas se repetem. Têm origem na excessiva fragmentação de
responsabilidades entre governos, agentes financeiros, empresas
subcontratadas para gerenciar projetos, e construtoras — em geral,
pequenas e microempresas. Obras atrasam, e os imóveis, quando entregues,
não têm documentação regular nem infraestrutura mínima, como rede de
água e esgoto.
“Há risco patrimonial grave para a União”, concluiu a Controladoria
depois de 20 meses de auditoria, com visitas a 49 municípios de 19
estados. Um deles é a liberação antecipada de dinheiro pelo Ministério das
Cidades a agentes escolhidos pelas prefeituras para gerenciar os
projetos habitacionais.
Os repasses são feitos em volumes até 25 vezes maiores que o capital e
o patrimônio líquido do agente intermediário — “sem qualquer forma de
garantia”.
Além disso, as antecipações possibilitam ganhos extras com aplicações
num mercado financeiro que possui os juros mais altos do planeta. A CGU
calcula que sobre R$ 100 milhões antecipados seja possível lucro de até
R$ 40 milhões.
Já ocorreram prejuízos aos cofres
públicos. Caso exemplar é o do Banco Morada, que tinha sede no Rio e
era controlado pelos empresários Odilio Figueiredo Neto, Luiz Octávio
Barreto Drummond e Paulo Jayme de Figueiredo. O Morada foi contemplado com créditos de R$ 83,7 milhões, o triplo de
seu capital e quase o dobro do patrimônio líquido. No ano eleitoral de
2010, recebeu R$ 32,8 milhões para construir 5,7 mil habitações em 13
estados — entre eles, o Rio. O fluxo só foi suspenso na quinta-feira 28
de abril de 2011, quando o Morada foi liquidado pelo Banco Central.
Ao tentar reaver o dinheiro, o governo federal descobriu que não
sabia exatamente quanto o banco tinha recebido, executado e pago às
construtoras. “Os procedimentos adotados pelo Ministério das Cidades não
foram suficientes para se apurar”, conta a CGU em relatório. A União
entrou na fila judicial de credores do banco liquidado para
receber R$ 21 milhões. Os R$ 11,8 milhões restantes são dados como
perdidos. O Ministério das Cidades informou à Controladoria estar
empenhado na retomada das obras.
No legado do Morada, destacam-se as casas abandonadas no mato de
Silva Jardim. Esse projeto nasceu na administração do prefeito Marcello
Xavier, do Partido dos Trabalhadores (PT), e morreu de incertezas: o
terreno não era da prefeitura, e o Ministério Público duvida até da
existência da construtora. “Nunca conseguimos localizá-la”, diz o
promotor Marcelo Arsênio.
Criado na perspectiva da campanha eleitoral de 2010, o programa Minha
Casa, Minha Vida ampliou o poder dos prefeitos. Eles escolhem as
famílias beneficiárias, legitimados por normas do Ministério das
Cidades. Sob Lula e Dilma Rousseff, esse ministério ficou com o Partido
Progressista (PP). No início do mês, foi repassado ao Partido Social
Democrático (PSD).
As prefeituras escolhem, também, agentes financeiros para receber
recursos federais, gerenciar e fiscalizar obras. Eles repassam as
tarefas às subcontratadas. A RCA Assessoria, por exemplo, trabalhou para
o Morada e, atualmente, presta serviços a nove bancos (Bonsucesso,
BCV/Schain, Economisa, Luso Brasileiro, Paulista, Tricury, Bicbanco,
Província e Hipotecária Cobansa). Recentemente descobriu-se que sócios da RCA contrataram empresas de
familiares e “laranjas”.
Alguns eram funcionários do Ministério das
Cidades encarregados do Minha Casa, Minha Vida.
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