Mídia SEM Máscara
| 21 Maio 2015
Artigos - Cultura
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Preparemos o futuro, porque o petismo vai passar, de um jeito ou de outro chegará o dia em que os brasileiros vão enxotar esta que é a mais infame camarilha que já governou a nação.
Quando
a poetisa americana Elizabeth Bishop visitou o canteiro de obras da
cidade de Brasília não pode deixar de registrar seu espanto com a
ausência de ferrovias que a levassem até lá. Executava-se um projeto
deveras ambicioso, o de levantar no coração do Brasil, no meio do nada,
na aridez do sertão, uma grande capital imperial de nome latino, tal
qual idealizara José Bonifácio; e, contudo, na precipitação dos
trabalhos, entre a escavação de lagos artificiais e a ereção de
monumentos comunistas, ninguém até então se dera ao trabalho de
considerar como os brasileiros, ora pois, deveriam chegar até o local!
Era o espírito do tempo, do Brasil de JK, a urgência de avançar,
progredir, de percorrer “50 anos em 5”.
Somos uma nação jovem, diz o cliché; donos de nosso destino apenas a partir de 1822. Como ensina Mário Vieira de Mello em seu Desenvolvimento e Cultura,
nosso primeiro século de existência independente foi um tempo de
condescendência, no qual se reconhecia as mazelas, se apontava os
problemas, com a consciência de que havia muito por fazer, mas reputando
tudo sempre como desculpável, explicável por nossa juventude. Com o
tempo, com o trabalho, cedo ou tarde haveríamos de atingir o patamar dos
povos da Europa, que tinham o privilégio de carregar uma bagagem de
séculos, ou até milénios de civilização.
Engatinhávamos. Subitamente,
todavia, despontou ao Norte um gigante que vencia europeus no campo de
batalha, que erguia torres que chegavam até o céu, que fabricava
automóveis, aviões, navios, e tudo o mais que se possa imaginar, que
decidia uma guerra mundial. O êxito fulminante dos Estados Unidos, quase
tão jovens quanto nós, abateu-se sobre o Brasil como pujante
humilhação. Doravante não havia mais desculpa, não havia mais perdão.
Caiam as escamas dos olhos nacionais. O Brasil revelava-se
definitivamente um país atrasado, periférico, um povo bárbaro que ficara
para trás na carreira da História.
Desde
então a pressa, um sentimento de urgência, um aflitivo imediatismo,
tomou de vez a alma nacional. O Brasil já não tinha tempo a perder, era
preciso correr, fazer 50 anos em 5, construir um Brasil-Potência até o
ano 2000, realizar um Programa de Aceleração do Crescimento, etc. e tal.
Pressa, pressa, sempre a pressa a pautar nossas decisões! Levamos luz
elétrica aos rincões e aos subúrbios, mas em horrorosos postes de
concreto com a fiação exposta. Construímos estradas e pontes, mas com
aparência militar, cinzas, feias, sem adorno, sem acabamento.
Conspurcamos as paisagens naturais e urbanas com obras apressadas,
minhocões, aterros, autovias, com símbolos do “progresso”. Em Desterro,
no Rio de Janeiro, nas cidades costeiras do Nordeste, erguemos
desnecessários arranha-céus, numa arquitetura culturalmente estranha,
inadequada ao clima, que deletou a linha do horizonte e soterrou a
herança tradicional portuguesa. Tudo feito em nome do progresso, do
avanço econômico e da urgência. E tudo em vão, continuamos bárbaros,
comparativamente pobres, irrelevantes.
Anos atrás, fazendo check-in
num dos aeroportos de Londres, vi-me apressado, buscando freneticamente
os documentos dentro da bolsa, como se acossado por capatazes
imaginários, quando a gentil atendente da companhia aérea tranqüilamente
me disse: “Take your time, sir”. Só então percebi que não havia nada
premente, que eu podia fazer as coisas com calma, respirando, num ritmo
humano. Mais tarde pensei: Como traduzir esta expressão inglesa
apropriadamente? “Take your time”? Por muito tempo não consegui achar
equivalência directa.
Pensei em “tome o tempo que quiser”, que
talvez funcione como tradução; mas logo percebi que, sinceramente,
ninguém fala deste jeito no Brasil, e que o fato era que a sugestão
tranqüilizante daquela mui polida senhora britânica estava ausente do
vocabulário (e do imaginário) pátrio. No Brasil vivemos com tão intensos
reflexos de pressa, um dos males da modernidade que por aqui
fertilmente se alastrou, que a simples possibilidade de agir com calma
sumiu de vez da nossa consciência. Não a toa somos campeões universais
no consumo de ansiolíticos, tarjas pretas, maconha e afins. Ademais, se
tudo é feito com pressa, nervosamente, também tudo é feito nas coxas,
sem acabamento, sem planeamento, acabando por confirmar o adágio popular
que diz ser a pressa inimiga da perfeição.
Já
passou da hora de tirar o pé do acelerador e de se resignar. Os
brasileiros da minha geração devem aprender que nós não vamos conseguir
arrumar esta baderna que herdamos em menos de cinqüenta anos.
Talvez
seja preciso até um século; ou dois; ou três... Não adiante mais
ficarmos oscilando nosso humor entre rompantes de otimismo
injustificado, ao estilo “ninguém segura este país”; e ataques de
frustração que dão azo aos decretos sombrios de que “isto aqui não tem
jeito mesmo”. Em curto prazo, realmente, não tem; vamos continuar nesta
lengalenga por umas boas décadas, talvez comemorando alguns eventuais
vôos de
galinha, talvez gozando alguma prosperidade vinda desde fora, de
investimentos externos. Nada além disso.
Uma nação próspera e
civilizada é coisa que não veremos em nosso tempo de vida. E se
quisermos que nossos netos ou bisnetos habitem um lugar mais respirável,
precisamos começar agora a firmar as fundações do Brasil do século
XXII, plantando sementes de civilização dentro de nós e de nossos
filhos. Devemos começar a partir do básico, como o fez Alcuíno na corte
carolíngia quando começou um Renascimento a partir das letras do
alfabeto.
Um Brasil melhor começa ensinando as crianças a ler e a
escrever, a fazer contas, dando-lhas uma catequese decente, exigindo
delas e de nós mesmos que sigam os códigos elementares de polidez e
gentileza, que saibam agir como humanos autônomos, capazes de buscar com
calma e reflexão a solução para cada um dos problemas do dia-a-dia. E
também colocando livros de verdade para circular, imprimindo os milhares
de títulos, clássicos e contemporâneos, faltantes na bibliografia
disponível em língua portuguesa; e depois tratando de estudá-los,
assimilá-los e propagá-los. Tudo bem devagarzinho, mas bem feito.
Diogo de Almeida Fontana, 34, natural de Curitiba-PR, é livreiro, editor e escritor.
Publicado originariamente no Jornal dos Jardins, Londrina/PR.
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