sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Pernambuco extingue Refúgio Tatu-Bola

Por Daniele Bragança
Foto: Wikipédia.
Além do Tatu-Bola, mais 38 mamíferos vivem na área onde havia sido criado o Refúgio. 
Foto: Wikipédia.

Essa talvez seja a modificação mais rápida da história das unidades de conservação do país. Oito meses após ser criado, o Refúgio de Vida Silvestre Tatu-Bola deixa de existir.


Em seu lugar, o governo de Pernambuco pretende transformar o local em Área de Proteção Ambiental (APA), que é a categoria mais branda de proteção dentro das 12 categorias existentes no Sistema de Unidades de Conservação do país. Criado em 16 de março deste ano, o Refúgio Tatu-Bola nasceu como uma das maiores áreas protegidas da Caatinga e a maior do estado, que abrangia territórios dos municípios de Petrolina, Lagoa Grande e Santa Maria da Boa Vista.


A versão oficial afirma que o governo decidiu ceder às lideranças dos pequenos agricultores da região, que se rebelaram após a circulação de boatos de que poderiam ser desapropriados no futuro. Na suspeita de especialistas que batalharam pela a criação do Refúgio, o governo tem interesse em deixar a área livre para a instalação de usinas eólicas no futuro.


No dia 29 de setembro de 2014, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) aprovou a criação do Refúgio Tatu-bola, oficializado por decreto quase 6 meses depois, em 16 de março de 2015. No dia 19 de novembro, o mesmo Consema aprovou, por unanimidade, a revogação do Refúgio. Esse tipo de unidade tem por objetivo a proteção de ambientes naturais para garantir as condições de existência ou reprodução de espécies ou comunidades da flora da localidade e da fauna residente ou migratória, como é o caso do tatu-bola, que dá nome a área protegida.

A Secretaria de Meio Ambiente de Pernambuco estado afirma que, como compensação, enviará um projeto de lei à Assembleia Legislativa para criar um mosaico de áreas protegidas. Segundo o secretário estadual do Meio Ambiente, Sérgio Xavier, a ideia é transformar a unidade de 110 mil hectares em Área de Proteção Ambiental -- que permite quase todo tipo de propriedade e uso -- e futuramente sobrepor, nas áreas mais preservadas, pequenas unidades mais restritivas do que a atual categoria de Refúgio da Vida Silvestre, tais como Reservas Biológicas ou Estação Ecológica. Essas duas últimas categorias, ao contrário do Refúgio, não permitem moradia nem visitação, apenas visitação com finalidade científica ou de educação ambiental.

Em entrevista a ((o))eco, Sérgio Xavier afirmou que o processo de criação do Refúgio foi questionado por lideranças rurais desde março, quando a criação foi oficializada. “Durante todo o tempo nós fizemos a defesa que era possível continuar as atividades já desenvolvidas e a partir do plano de manejo, aprimorar uma perspectiva de priorizar a conservação da natureza. Mas isso foi crescendo na região como um possível impeditivo para se desenvolver as atividades atuais”, explica.
Além do boato de que perderiam suas terras, houve rumores de que os agricultores perderiam acesso ao crédito rural.
Além do boato de que perderiam suas terras, houve rumores de que os agricultores perderiam acesso ao crédito rural.

Ainda segundo Sérgio Xavier, a Secretaria de Meio Ambiente defendeu o a manutenção do Refúgio Tatu-bola no Conselho Estadual de Meio Ambiente, mas os agricultores conseguiram sensibilizar os conselheiros, que votaram a favor da mudança. “Fomos votos vencidos”, afirma o secretário.


O biólogo Felipe Melo, professor da Universidade Federal de Pernambuco, participou dos estudos que embasaram a criação da Refúgio Tatu-Bola. Ele desmente essa versão e afirma que a Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) apoiou a revogação do decreto de criação no Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema).


“Eu estava numa das reuniões em que o Consema discutiu a revogação do decreto de criação do [Refugio da Vida Silvestre] RVS Tatu-Bola [no dia 21 de setembro] e reclamei da ausência de contraponto. A Semas apresentou já naquela reunião a proposta de uma APA com pequenas unidades de proteção integral imersas, numa espécie de mosaico.


Essa proposta foi apresentada pelo Secretário Executivo e defendida pelo Secretário Sérgio Xavier. Foi quando solicitei a fala com intenção de defender os critérios utilizados para a criação de um RVS [Refúgio da Vida Silvestre]. Quem fez a defesa em prol do Refúgio foi eu”, afirma. Melo ainda conta que só pôde se manifestar após seu pedido da palavra ter sido submetido à votação pelos conselheiros. Esta reunião, como de costume, foi gravada em vídeo e está disponível online.


O biólogo considera estranha a recategorização de uma área criada há tão pouco tempo e com tanto alarde pelo governo de Pernambuco. “É mentira que a categoria Refúgio vai desapropriar os sertanejos. A categoria foi proposta exatamente por poder compatibilizar área produtiva de baixo impacto com preservação dessa área importante da Caatinga", disse. "Acho curioso que o interesse de pequenos produtores rurais, como alega o governo, tenha justificado uma mudança dessa natureza. Será que o governo também atenderá os pedidos de afetados pelo porto de Suape e outros grandes empreendimentos no estado?”

O perímetro da unidade de conservação. As linhas laranjas marcam os assentamentos existentes no local. O que está sobreposto nos limites do refúgio entraria como reserva legal dos assentamentos.
O perímetro da unidade de conservação. As linhas laranjas marcam os assentamentos existentes no local. O que está sobreposto aos limites do refúgio entraria como reserva legal dos assentamentos.


O Refúgio nasceu para proteger o habitat natural do tatu-bola (Tolypeutes tricinctus), mascote da Copa do Mundo 2014. Pesquisadores lançaram uma campanha em prol da proteção do animal, ameaçado de extinção. O governo federal não se mexeu, mas Pernambuco correu atrás. A proposta de criar uma área protegida específica para a espécie foi apresentada em 2012 e concluída em 2014, quando o mesmo Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), que agora extinguiu essa unidade, votou pela sua criação.


Vento da discórdia
Enquanto a Secretaria de Meio Ambiente alega que a rapidez na criação do Refúgio contribuiu para causar pânico e desinformação entre os sertanejos, que reivindicaram a mudança, os pesquisadores que a propuseram culpam a pressão das empresas de energia eólica pela veloz extinção da unidade. Eles acreditam que o potencial eólico de terras nos municípios de Petrolina e Santa Maria da Boa Vista, abarcadas pelo Refúgio Tatu-bola, a razão que selou o seu fim.


Para fundamentar essas suspeitas, lembram que Pernambuco flexibilizou sua legislação ambiental para favorecer investimentos em energia eólica. O maior parque eólico do país foi criado no estado, em setembro.

Foi uma forma de compensar a desvantagem em relação a outros estados do Nordeste, como Ceará e Rio Grande do Norte.

Para o biólogo Enrico Bernard, da Universidade Federal de Pernambuco, falta transparência no processo tanto de concessões às eólicas quanto na revogação do decreto do Refúgio Biológico. Ele diz que a grande caixa preta do estado é o setor de licenciamento, que não disponibiliza os pedidos de licenças ambientais dos empreendimentos na internet, embora essa seja uma informação pública.
Bernard também participou do processo de criação do Refúgio Tatu-bola e é outro que duvida que pequenos agricultores sejam a motivação do seu fim.

"Acabou com o Refúgio, diz que vai criar uma APA? Vamos ver o que será uma APA, então, daqui a um ano. Vamos ver como ele vai negar quando tiver a torre [de éolica] erguida”.


Segundo Bernard, o Refúgio foi pensado para não interferir nas formas de produção e de vida da região. O desenho da área protegida evitou se superpor a assentamentos rurais, com apenas uma pequena exceção: abrangeu parte de um terreno, já pensando na área de reserva legal -- onde é obrigação preservar o bioma original -- de um único assentamento. Na caatinga, o Código Florestal estabelece que reserva legal é de 20% do tamanho da propriedade.

“Havia 10% de sobreposição já pensando nessa reserva. Era a única sobreposição que tinha", afirma Bernard.

Felipe Melo reforça que não há salvaguardas nem mesmo de que a nova APA seja criada. “Por um lado, temos vultuosos investimentos do setor de energia e flexibilização da legislação ambiental e por outro uma unidade de conservação sendo extinta. É um cenário claro [...] não acredito que seja em nome do pequeno agricultor que toda essa mudança foi feita”.



Mudança na Legislação Ambiental
A lei ambiental de Pernambuco mudou para facilitar a instalação de turbinas eólicas. As usinas foram dispensadas de elaborar Estudos de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) para supressão parcial ou total da vegetação em área preservação permanente (APP), aquelas em topo de morro e em beira de rio.

Outra mudança foi a redefinição das próprias definições de área de proteção permanente (APP). A Assembleia Legislativa de Pernambuco retirou a proteção de topo de morro acima de 750 metros. Agora, só protege vegetação acima de 1.100 metros de altitude.

As alterações na legislação ocorreram porque o vento sopra mais forte nas alturas. É nos topos dos morros que está o maior potencial de geração de energia eólica. Além disso, o mapa do potencial de ventos indica que eles sopram mais forte em alguns dos municípios à margem do Rio São Francisco, como Petrolina, cidade mais promissora, e Santa Maria da Boa Vista.

A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do estado afirmou que foi contra o aumento para 1.100 metros do limite para proteção de vegetação de topo de morro. E afirma que não há pedidos de licença para instalação de eólicas na área do agora extinto Refúgio da Vida Silvestre Tatu-Bola.



Nenhum comentário: