São Paulo, por Elton Simões
Quando me entendi por gente, garoa não havia mais. Os adultos falavam de um tempo em que, na cidade espremida entre três rios, caia uma fina garoa. Explicavam que, até alguns anos antes, a população ainda se banhava nos rios.
Já conheci a cidade, sem garoa e sem o verde. A fumaça já
subia apagando as estrelas. O clima já enganava. O ar, por vezes já era
pesado. A poesia já era concreta.
Os mais velhos falavam da
chegada dos italianos, dos japoneses, do crescimento, da população.
Descreviam o mosaico de pessoas e culturas que de alguma forma se
amalgamavam em um todo mais ou menos harmônico.
A vida seguia.
Chegava gente de todo lado. De caminhão, chegava gente despossuída a
procura de um lar. Pobre. Tão pobre que seus poucos pertences vinham
embrulhados em uma trouxa de pano de um branco, pelo menos em minha
memoria talvez distorcida, imaculado.
Na escola, os colegas também
acabavam de chegar de alguma outra cidade ou país. Ou eram filhos de
pais que, vindos de outros lugares, ali haviam se estabelecido. Vinham
do interior, do nordeste, do Oriente Médio, da Europa, do Japão, do
Chile, do Uruguai, da Argentina, enfim, de toda parte.
A
todos, a cidade acolhia. Sem distinção, ou preconceito. Apenas a
aceitação que permitia a cada um rondar a cidade a procurar uma vida
melhor para si e para os seus. No cinza dos prédios nascia uma das
maiores cidades do mundo. Feia, sem duvida. Mas atraente.
Amor por
São Paulo parece ser coisa inexistente. Raramente proclamado.
Frequentemente negado. Nunca declarado. Considerado por alguma coisa
impossível. Quase uma heresia, ou pecado. É amor não confessado em voz
alta, ou a luz do dia.
A injusta sentença dura é sempre desmentida
pela decisão dos milhões de pessoas que chamam a cidade de lar. Que ali
criam raízes e, não importa onde estejam, levam um pouco da cidade no
coração.
Com generosidade, a cidade a todos perdoa e compreende.
Absorve, sem rancor, as criticas e queixas. E reserva um lugar especial
no coração para os milhões de pessoas que lá chegaram, nasceram, ou
escolheram ser paulistanos.
São Paulo desmente o dicionário. O
titulo de paulistano não requer exibição de certidão de nascimento.
Paulistano é aquele que aceita e ama a cidade. Ainda que este amor seja
secreto, enrustido, negado, ou envergonhado.
Ser paulistano é um
sentimento que todos, sejam eles corintianos, flamenguistas,
são-paulinos, palmeirenses, santistas, libaneses, italianos, cariocas,
mineiros, e até baianos podem curtir.
Numa boa.
Numa boa.
Elton Simões mora
no Canadá. Formado em Direito (PUC); Administração de Empresas (FGV);
MBA (INSEAD), com Mestrado em Resolução de Conflitos (University of
Victoria). E-mail: esimoes@uvic.ca
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