Internada por 40 dias. Busquei a clínica porque queria - de uma vez por todas - me livrar do uso abusivo de álcool e drogas lícitas ou ilícitas.
De uma vez por todas é o tipo da expressão que não faz parte do vocabulário de um dependente químico.Como a maioria sabe, o lema é um dia de cada vez...
A adicção não é um tumor no cérebro nem uma lesão no menisco. E, ao
contrário de quem sofre de qualquer um desses males, o adicto não recebe
carinhas de tristeza de brinde. A maioria vê a tal doença reconhecida
pela OMS - Organização Mundial da Saúde - como falta de vergonha na
cara.
Desde que os americanos - ou melhor, as estrelas de Hollywood
- começaram a se internar por períodos curtos, para fazer uma espécie
de desintoxicação temporária, a moda - ainda que carregada de
preconceito - foi se aproximando lentamente da terra descoberta por
Cabral.
Nosso modelo de família ainda está longe de ser moderno. O brasileiro é conservador e careta.
Durante o tempo
em que eu estava encarcerada, pensava muito em Amy Winehouse, Cássia
Eller e a pobre da Whitney Houston, que não teve a sorte de "fazer a
passagem" mais rapidamente.
Pausa: Amo a expressão fazer a passagem. Amo essas coisas de 'Nosso Lar'.
Quem se envolve com drogas perde a vez, perde o assento na primeira classe, perde público, mulher, amigos e filhos. Alguns são chamados para dar depoimentos emocionantes no programa do Faustão.
Trata-se de redenção. Entrei na clínica voluntariamente e tive que aprender a me render, a admitir que a doença incurável era mais forte do que eu. O trabalho é árduo. Difícil eu me convencer do que todos estão convencidos.
No manicômio, você obedece a regras e todas foram cautelosamente
estudadas para tentar salvar você de você mesmo. Um grupo que não soube
usar a liberdade que um dia lhe foi dada? Não. Um grupo de pessoas
que vieram carimbadas. Confinados, os internos recebem visitas de
xiitas que substituíram as drogas pelo cheiro que exalam os adictos que
ainda sofrem. Também rolam palestras superficiais que me lembravam
dinâmicas de RH do mundo corporativo. Estilo texto Filtro Solar narrado
por Pedro Bial.
Mais difícil ainda - numa clínica psiquiátrica
- é elaborar um raciocínio completo com a cabeça cheia de remédio para
lubrificar neurônio, aumentar capacidade de concentração, tirar tesão,
aumentar apetite etc.
Como costumam dizer os figurões, que cobram mil reais por hora e tratam
dos inadequados com muito prazer, "do seu jeito não deu certo". Pronto!
Nocaute! E não reaja de forma alguma. Reagiu, é falta de aceitação. A
sabatina é pesada. A doença é incurável, progressiva e fatal. E você é
um paciente, por menor que seja sua identificação com tal adjetivo.
Fonte: Por SILVIA PILZ, O Globo - 04/09/2014 - - 09:49:14
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