quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Jornal da Globo: Aécio fala na TV de um futuro que virou prólogo




Aécio Neves disse em junho, na convenção que o converteu em candidato: “Um tsunami vai varrer do governo aqueles que não têm se mostrado dignos de atender às demandas da sociedade!'' Corta para os estúdios do Jornal da Globo, na noite passada. “Candidato, pela primeira vez em 20 anos o seu partido, o PSDB, corre o risco de não chegar ao segundo turno em uma disputa presidencial”, diz o entrevistador William Waack, antes de espetar Aécio: “Em que falhou o seu discurso de oposição?” ...
 
Corta para o dia 12 de agosto de 2014. Entre os tucanos, essa data virou um adjetivo, cujo significado é ‘ultrapassado’. Como em: “Que penteado mais 12 de agosto!” A queda do jato que transportava Eduardo Campos, em 13 de agosto, mudou o roteiro da sucessão tão radicalmente que tudo o que veio antes —a unificação do PSDB, a aclamação de Aécio, o pé no segundo turno— virou preâmbulo. Para Aécio, o ‘12 de agosto’ é a véspera de um futuro que não é mais o que poderia ter sido.
 
Câmera fechada em close no semblante de Aécio. Ele tenta fazer sentido em sua resposta a William Waack: “Daqui por diante, nós temos uma segunda eleição, a verdade é essa. Nós tivemos até 30 dias atrás uma eleição, ainda com o Eduardo entre nós. Infelizmente, com a tragédia que o abateu, o quadro mudou e eu sou o primeiro a reconhecer isso.”
 
Aécio olha para Waack com cara de quem está convencido de que sua situação pode melhorar —“Continuo acreditando nas mesmas coisas que acreditava lá atrás…”—, deve melhorar —“É preciso nós termos um governo com qualidade, com responsabilidade…”— tem que melhorar —“Eu acho que, no momento da eleição, nós estaremos no segundo turno.” Aécio simula otimismo. Imita alguém acreditando no próprio sucesso com toda a força. Pronto? Zoom nas tabelas do Datafolha e do Ibope. Dependendo da pesquisa, as razões para Aécio pensar em Marina oscilam entre 33% e 34%.
 
É impossível para um tucano pensar na Marina e continuar, mesmo em fingimento, despreocupado. Os dados das pesquisas foram esfregados no nariz da audiência no mesmo telejornal que exibiu a entrevista de Aécio. Marina continua tecnicamente empatada com Dilma. No segundo turno, cai a diferença que separa as duas. Mas Marina ainda prevalece sobre Dilma com sete pontos de frente.
 
Aécio convive com o risco de Marina torná-lo supérfluo. Para a maioria que deseja mudanças, talvez não seja preciso existir mais de um oposicionista, de tanto que Marina passou a existir depois do dia seguinte ao ’12 de agosto’. Até então, Aécio costumava dizer, citando o avô Tancredo Neves: “Presidência é destino muito mais do que projeto.'' Hoje, seu destino é o pavor de ir tocando um projeto cada vez mais desnecessário à medida que o eleitor dá corda para Marina.
 
Microfone aberto novamente para William Waack: “O senhor não conseguiu capturar isso que se detecta no eleitorado, esse sentimento generalizado de mudança?” E Aécio: “Olha, eu reconheço que hoje nós não temos uma situação tão confortável como tínhamos há 30 dias. O quadro mudou, a candidata é outra. O que eu acho que é essencial nesse momento, William, é nós reafirmarmos os nossos compromissos com o Brasil.”
 
Aécio franze o cenho, como se rogasse ao eleitor que assistia de casa que não desistisse dele, que não o trocasse pelo risco de uma nova frustração. “O ano de 2015 e os anos vindouros serão anos difíceis para o Brasil. Não comportam improviso…” Aécio dá de barato que Dilma já perdeu a eleição. E tenta se reincluir no processo eleitoral.
 
“No campo oposicionista existe a nossa candidatura, desde sempre na oposição a isso que está aí, e a candidatura da Marina, que terá que mostrar a consistência das suas propostas”, disse Aécio. “Eu tenho dúvida exatamente sobre isso. Sobre a capacidade que ela terá de implementar, no prazo que se propõe, o conjunto de medidas ou de bondades que apresenta à população brasileira.”
 
Em flashback, travelling sobre a decoração da sala de visitas da casa de Eduardo Campos, em Recife. O anfitrião recebe Aécio, em maio do ano passado. Observados por pelo menos três testemunhas, os dois celebram um acordo: um apoiaria o candidato do outro aos governos de seus respectivos Estados. Com boa vontade, a parceria poderia ser estendida ao segundo turno das eleições presidenciais. Mas sobreveio Marina. E o dia seguinte ao 12 de agosto. E o enterro do líder. E a promoção da candidata a vice-presidente para a cabeça da chapa.
 
Corta novamente para o estúdio do Jornal da Globo. As perguntas enveredam para a economia. Aécio esconde os planos atrás dos seus vícios de linguagem. Antes de ser pouco claro, ele usa quatro vezes a expressão “com muita clareza”. Ao “dizer”, “colocar”, “anunciar” e “sinalizar” Aécio o fez sempre “com muita clareza”.
 
Quando o entrevistador pôs em dúvida uma resposta sobre os efeitos do aumento real do salário mínimo nas contas da Previdência, Aécio retomou o fio da meada. E a clareza, que já era “muita”, ganhou ênfase: “Estou respondendo de forma absolutamente clara”.
 
Seriam claras também as regras de um eventual governo de Aécio. Os preços represados de combustíveis, energia e transportes públicos sofreriam correções. “Mas tem que haver regras claras. E não será feito do dia pra noite.” Para a economia se mover sem sustos, “regras claras”. E para não deixar dúvidas: “O que eu tenho dito é que o meu governo será o governo das regras claras”. O vocábulo “previsibilidade” escorregou dos lábios do entrevistado quatro vezes.
 
Desde 2002 que o PSDB não tinha um presidenciável tão bem-posto. José Serra e Geraldo Alckmin, os pretendentes anteriores, além de não ter a mesma pinta, trafegavam na contramão. Quando o povo queria mudanças, eram a continuidade. Quando o eleitorado sonhava com a continuidade, representavam a mudança.
 
Com Aécio deveria ter sido diferente. Ele se equipara para ser o “tsunami” numa fase em que a sociedade sinaliza a vontade de varrer do governo “aqueles que não têm se mostrado dignos de atender às demandas da sociedade.'' O problema é que tudo o que era até '12 de agosto' deixou de ser a partir do dia 13.
 
No fundo, Aécio sabe que talvez já tenha virado prólogo. Só não sabe ainda prólogo de quê. Enquanto o candidato tenta se reencontrar, parte do tucanato já flerta com Marina. Ninguém quer ser chamado de ’12 de agosto’ na rua.


Fonte: Blog do JOSIAS DE SOUZA - 04/09/2014 - - 08:26:46

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