domingo, 23 de novembro de 2014

A Lei Anticorrupção aqui e agora





MODESTO CARVALHOSA - O Estado de S.Paulo 

22 Novembro 2014 | 02h 03 


Extraordinário é o momento histórico que estamos vivendo com o implacável desenrolar da Operação Lava Jato, que tem exibido a fratura exposta da corrupção no seio do poder público em concurso com empreiteiras e fornecedoras, por meio da mãe de todas as virtudes - a Petrobrás. Essas medidas muito se assemelham às da Operação Mãos Limpas, realizada na Itália nos anos 90 do século passado, que dizimou, mediante o instrumento da delação premiada, núcleos seculares da máfia incrustados no governo, no Legislativo e no Judiciário, a ponto do seu primeiro-ministro, muito prestigiado na Europa, Giulio Andreotti - até ele - ter-se envolvido por décadas com a Cosa Nostra.



Entre nós, essa torrente de "malfeitos" que somam, mediante superfaturamento, dezenas de bilhões de reais provocam manobras diversionistas do governo, das empreiteiras implicadas e da própria Petrobrás, tentando, todas elas, evitar a aplicação da Lei Anticorrupção, que entrou em vigor em fins de janeiro deste ano.


A propósito, as empreiteiras estão dizendo que a Lei Anticorrupção não está em vigor, por faltar a sua regulamentação. Trata-se de uma falácia, pois o seu artigo 31 determina: "Esta Lei entrara em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação" - que se deu em 1.º de agosto de 2013. Portanto, está vigendo desde 1.º de fevereiro do corrente ano de 2014.



A regulamentação restringe-se a um simples parágrafo do artigo 7.º, que trata de critérios a serem estabelecidos pela Controladoria-Geral da União (CGU) que poderão ser adotadas pelas empresas que quiserem instituir o regime de compliance, que não é obrigatório e apenas serve para, eventualmente, atenuar as penas advindas do processo penal-administrativo.



Outro argumento é que a Lei Anticorrupção não seria aplicável à Petrobrás e às empreiteiras envolvidas, pois a sua vigência é posterior aos fatos levantados na Operação Lava Jato. Nada mais enganoso. Os contratos firmados com a estatal estão em plena vigência e execução e são eles o instrumento utilizado para a prática do delito de corrupção, ao longo do tempo, na medida em que não foram, em nenhum momento, cancelados ou mesmo suspensos, apesar das recomendações veementes do Tribunal de Contas da União (TCU).



Da parte do governo temos declaração do vice-presidente da República, do presidente do Tribunal de Contas e do líder parlamentar do PT, que em seminário recente, afirmaram não poderem a Petrobrás, as empreiteiras e as fornecedoras ser processadas pela Lei Anticorrupção porque senão o País para (sic). Tais declarações desses ilustres próceres ensejam desde logo crime de responsabilidade, pois incitam a prevaricação dos agentes públicos encarregados de instaurar os processos administrativos contra as empresas superfaturadoras e a estatal, sob a alegação que são elas grandes demais para ser imputadas. Pasmem!


Não obstante tais "recomendações", devem, imediatamente, a CGU e o TCU requisitar cópia integral dos autos ao juízo federal do Paraná - como já o fez e obteve a própria Petrobrás - para, logo em seguida, se instaurarem os processos penal-administrativos contra as pessoas jurídicas implicadas.



Nesses processos administrativos, as empreiteiras e as fornecedoras vão se apresentar como vítimas... de si mesmas. Isso porque o monstruoso produto dos superfaturamentos resultantes dos contratos e aditivos fraudados são por elas embolsados, restando para os parlamentares, partidos, membros do Executivo, diretores da estatal e intermediários uma parte desse mega-assalto aos cofres públicos, via estatal. Anote-se que as propinas pagas aos múltiplos beneficiários do crime saíram diretamente dos cofres das empreiteiras e das fornecedoras.



Cabe à CGU, na pessoa de seu ministro-chefe, instaurar os processos administrativos contra as empreiteiras e as fornecedoras, que, de acordo com a Lei Anticorrupção, respondem autonomamente pelos delitos corruptivos, independentemente das pessoas físicas envolvidas na operação criminosa. São elas que usufruem a quase totalidade desse mesmo superfaturamento e pagam, de sua caixa, as propinas. E o crime de corrupção caracteriza-se pelos contratos fraudados em pleno vigor e execução, estando, por isso, plenamente abrangidos pela Lei Anticorrupção.



Quanto à Petrobrás, compete a abertura do processo penal-administrativo ao TCU, por sua Secretaria de Controle Externo de Estatais (SCEE), à qual cabem as representações necessárias à imputação dos delitos de corrupção praticados pelas empresas controladas pelo governo. São, portanto, esses dois órgãos da administração federal que deverão, agora, processar as empresas corruptoras e a Petrobrás. Esta última é que fez e faz a triangulação do sistema de corrupção: superfatura os contratos, paga esse superfaturamento às empreiteiras e fornecedoras e estas repassam uma parte do produto do butim aos políticos, aos partidos, aos intermediários e aos diretores da outrora respeitável estatal.




Se a CGU e a SCEE do Tribunal de Contas fizerem corpo mole e não ingressarem - como sugerem o vice-presidente, o presidente do próprio TCU e o líder do PT - com as ações penal-administrativas contra a Petrobrás e as pessoas jurídicas empreiteiras e fornecedoras, serão processados criminal, administrativa e civilmente na pessoa de seus titulares - o ministro-chefe da CGU e o presidente do TCU, conforme estabelece a própria Lei Anticorrupção.



Nessa hipótese de prevaricação instigada, caberá - sempre conforme a Lei Anticorrupção - ao Ministério Público, por delegação legal, assumir o processo penal-administrativo contra a estatal e a grande "famiglia", simpaticamente chamada de "clube" por seus "capi-regimes".


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