segunda-feira, novembro 24, 2014
Enquanto
o país assiste, estarrecido, ao desenrolar da Operação Lava Jato, que
apura o desvio de bilhões de reais da Petrobras para os cofres de
partidos políticos, outra investigação que começou com o mesmo
estardalhaço caminha a passos lentos, sem que punições tenham sido
aplicadas aos principais envolvidos.
Trata-se da Operação Porto Seguro,
que completa dois anos neste domingo. Segundo a Polícia Federal,
o esquema viabilizava a negociação de pareceres técnicos com a ajuda de
servidores de diferentes esferas da República: desde o número dois da
Advocacia-Geral da União (AGU) até a chefe do gabinete da Presidência da
República em São Paulo, Rosemary Noronha.
Nesse
período, 23 pessoas foram indiciadas pela PF e 24 foram denunciadas pelo
Ministério Público.
Contudo, entre os 15 funcionários públicos
envolvidos, nove continuam recebendo salários do governo. Os que foram
exonerados são Rosemary, o nome mais proeminente da turma, o diretor da
Antaq,Tiago Lima, o agente da Secretaria de Patrimônio da União (SPU),
Mauro Henrique Costa Souza, e o ouvidor afastado da Antaq, Jailson
Santos Soares.
O delator do esquema, Cyonil da Cunha Borges, técnico do
Tribunal de Contas da União (TCU), pediu a própria exoneração e, hoje,
trabalha como servidor do governo do Rio de Janeiro, após ter sido
aprovado no concurso de auditor fiscal da Secretaria da Fazenda.
Os
demais dez servidores envolvidos continuam recebendo religiosamente seus
rendimentos provenientes da União - um custo mais de 2 milhões de reais
para os cofres públicos, segundo dados do Portal da Transparência.
IMORALIDADE DENTRO DA LEGALIDADE
A
situação dos envolvidos na Operação Porto Seguro é mais um dos casos de
imoralidade dentro da legalidade. Segundo a lei nº 8.112/90, que trata
do funcionalismo público, os servidores concursados só podem ser
demitidos em duas hipóteses: se forem julgados e condenados na esfera
criminal por algum crime contra a administração pública, ou se forem
alvo de condenação na esfera administrativa, por meio de processos
administrativos disciplinares (Pad).
Sempre que um servidor é indiciado
pela Polícia Federal ou denunciado pelo MPF, o Pad se faz necessário. É o
caso dos participantes da trupe de Rosemary.
Segundo
a Controladoria Geral da União (CGU), apenas o Pad de Rose, como é
conhecida, foi concluído. Os demais ainda estão em aberto — alguns
obstruídos pelas defesas dos indiciados.
No caso de Rubens Carlos
Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Aviação Civil, a conclusão do
processo está prejudicada por uma ordem judicial conseguida pela defesa,
que exclui Vieira da obrigação de ser interrogado. No caso dos
funcionários do Ministério da Educação, Márcio Alexandre Lima e
Esmeraldo Malheiros Santos, acusados de fornecer certificados e diplomas
a troco de favores, os processos só não foram concluídos porque foram
expedidos três mandados de segurança e duas ações cíveis para impedir a
exoneração dos servidores.
O mesmo ocorreu com a funcionária da SPU,
Evangelina Pinho. No caso de José Weber Holanda, que era o então número
dois da Advocacia Geral da União (AGU), houve afastamento do cargo,
porém, ele continua atuando no órgão para o qual foi concursado, que é o
Ministério do Planejamento. Já Ênio Soares Dias, ex-chefe de gabinete
da Antaq, continua sua função, porém, loteado em outro órgão: o
Ministério dos Transportes.
No
âmbito criminal, o processo caminha a passos de tartaruga. Apenas em
fevereiro deste ano a Justiça Federal decidiu abrir ação para apurar
crime por parte de Rosemary e outros dezessete envolvidos no esquema.
A
denúncia do Ministério Público havia sido feita em dezembro de 2012,
menos de um mês após a deflagração da operação da PF. A investigação
foi desmembrada em pelo menos três focos: a atuação de Holanda, da AGU, a
do ex-senador Gilberto Miranda, que teria se beneficiado dos pareceres
conseguidos com o esquema, e o das empresas portuárias, que podem ter
financiado a troca de favores. Os indiciados são acusados de corrupção,
formação de quadrilha e tráfico de influência.
Já na
área cível, a demora no julgamento da primeira ação de improbidade
administrativa contra os investigados ocorre por causa de
sua transferência para a Justiça Federal do Distrito Federal, feita a
pedido da defesa de Holanda, um dos nomes mais graduados da
investigação. Fontes ligadas ao processo afirmaram ao site de VEJA que a
medida é procrastinatória, já que todo o esquema foi operado no estado
de São Paulo.
ROSEMARY FOGE DA IMPRENSA
Personagem
principal do esquema, por sua proximidade com o ex-presidente Lula,
Rosemary Noronha não quis conversar com o site de VEJA — e tampouco seu
advogado, o criminalista Cesar Vilardi.
Ele faz parte da banca de onze
advogados que cuida da defesa de Rose, cuja fatura não se sabe ao certo
quem paga. Além dos processos cível e criminal, há outro imbróglio que
requer a atuação da defesa. Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça
(STJ) acolheu um pedido da Infoglobo e do jornalista Thiago Herdy Lana
para ter acesso aos gastos efetuados com o cartão corporativo do governo
federal utilizado por Rosemary, com as discriminações de tipo, data,
valor das transações e CNPJ/razão social. A decisão saiu há 10 dias.
Ainda cabe recurso.
Ao site
de VEJA, o presidente do Instituto Lula, Paulo Okamotto, negou que o
Instituto tenha qualquer relação com a ex-funcionária. Okamotto afirmou
que não é amigo íntimo de Rose e se mostrou, de certa forma,
insatisfeito com a forma como ela tem sido tratada pela opinião pública.
“Ela paga de forma desproporcional pelos seus erros, se é que tenha
cometido algum”, afirmou. Por telefone, Rose disse que não “tinha nada
para falar a VEJA, nem à imprensa”.
Antes adepta a viagens recebidas de
presente de funcionários do segundo escalão do governo, ela agora
raramente sai de casa. Vive na mesma cobertura no bairro da Bela Vista,
região central de São Paulo. Recentemente, seus únicos compromissos
“inadiáveis” são as saídas para cuidar da estética.
Seu
marido, João Batista de Oliveira Vasconcelos, sustenta os gastos da
família com o negócio próprio: é dono de uma construtora no bairro do
Jabaquara, em São Paulo. Segundo a PF, a empresa está localizada numa
saleta de um prédio frugal, apesar de já ter tido contrato de 1 milhão
de reais com a Cobra Tecnologia, empresa que depois foi adquirida por um
braço do Banco do Brasil.
José
Cláudio Noronha, ex-marido de Rose, também apontado como beneficiário do
esquema, tinha um cargo de confiança na Infraero de 2005 a 2014, onde
exercia a função de assessor especial. Em 15 de fevereiro deste ano,
pediu a rescisão do contrato. Texto do site da revista Veja
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