Josias de Souza
A dezoito dias do recomeço, o governo enfrenta um enorme problema. A encrenca tem nome e sobrenome. Muitos chamam de Graça Foster. Se estivessem corretos, a solução exigiria um simples movimento de mão. E custaria a tinta da esferográfica e a folha do ato de exoneração. Mas estão enganados. Chama-se Dilma Rousseff o problema do governo.
Acaba de ser reconduzida à poltrona de presidente da República como solução dos 54 milhões de brasileiros que a elegeram. Porém, quando se imaginava que fosse dirigir os rumos do país nesta ou naquela direção, a Dilma resoluta da campanha, 100% feita de João Santana, sumiu. Por pressão, não por opção, Graça logo passará. O problema, não.
No futuro, quando puder falar sobre os dias atuais sem uma camada de óleo a turvar-lhe a vista, a história dirá que o Brasil atravessou mais um desses momentos de transição que fazem a nação evoluir, ainda que aos trancos. Pouca gente notou, mas estão em curso transformações profundas.
A Petrobras, como se sabe, afunda. E junto com ela podem ir a pique:
1. O presidencialismo de cooptação, que submete estatais e repartições públicas à pirataria partidária.
2. O modelo de contratação de serviços e obras públicas, baseado no critério único do ‘quanto eu levo nisso?’
3. As velhas desculpas esfarrapadas —como “eu não sabia”, “doa a quem doer” e “cortar na própria carne”.
Com dezenas de parlamentares imersos em óleo queimado, o Legislativo está prestes a virar delegacia de política. O Judiciário, já entupido de processos, se manterá ocupado tentando converter crimes em castigos. Se sua capacidade de liderança não fosse invisível a olho nu, Dilma poderia governar o processo de mudanças. Inerte, é desgovernada pelos acontecimentos.
Em 26 de outubro, depois de contados os votos do segundo turno, Dilma leu seu último discurso sob a supervisão de João Santana. “Algumas vezes na história, os resultados apertados produziram mudanças mais fortes e rápidas do que as vitórias amplas”, disse a reeleita.
Hoje, Dilma conspira contra a mudança. Faz isso ao renegociar a partilha dos cofres do seu governo com os partidos de sempre. Que imaginam ser possível manter o melado escorrendo por mais quatro anos.
Aquela Dilma do dia da vitória também disse: “Essa presidente está disposta ao diálogo, e esse é meu primeiro compromisso no segundo mandato: o diálogo.” A Dilma de hoje não conversa nem com o espelho. Só fala com Lula, que já foi recebido no Alvorada três vezes em menos de dois meses. É muito mais do que os ministros, alguns há mais um ano sem uma audiência com a chefa.
“Quero ser uma presidenta muito melhor do que fui até agora”, declarou ainda a Dilma de 48 dias atrás. “Quero ser uma pessoa muito melhor. Esse sentimento de superação não deve apenas impulsionar o governo e a minha pessoa, mas toda a nação.”
Na bica de tomar posse, a Dilma atual nunca foi tão Dilma. Foge da conjuntura à maneira do avestruz. Enfia a cabeça nos baixios de sua autoestima. E vira a página. Para trás.
A contragosto, Dilma cede nacos do seu poder declinante para Joaquim Levy. E reza para que a lama não impeça a ortodoxia do novo ministro da Fazenda de consertar os erros do primeiro mandato e recriar aquele ambiente de rigor fiscal de 2003, primeiro ano de Lula.
Em condições normais, o segundo reinado de Dilma seria duro. Sob atmosfera de derretimento moral, com os delatores suando o dedo; com jovens procuradores procurando; com o juiz Sérgio Moro julgando; com os aliados na fila do cadafalso; com tudo isso, Dilma 2ª tornou-se um caso único: reeleita, ficou menor do que era. Tão pequena que some no meio da crise.
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