Bruno Chabas resolveu atualizar a correspondência quando viu um
recado de Zoe Taylor-Jones, advogado da SBM, empresa holandesa que
possui US$ 27,6 bilhões em contratos de navios e plataformas marítimas
com a Petrobras. Eles lideravam a equipe que há meses revolvia os
arquivos da diretoria recém-demitida. Rastreavam pagamentos de US$ 102,2
milhões em propinas a dirigentes da Petrobras, intermediados pelo
agente da companhia no Brasil Julio Faerman.
“Cavalheiros, sinto muito, mas esta é a última cereja do bolo”, ele
escreveu a Chabas, presidente da SBM, e a mais quatro diretores,
acrescentando: “Nós pagamos também a conta de telefone e de internet de
Faerman”. Anexou uma fatura pendente de R$ 1.207,00 da operadora Sky.
Era 1h35m da madrugada de terça-feira, 17 de abril de 2012. Com a
agenda da manhã seguinte sobrecarregada pela auditoria, Chabas mandou
uma resposta irônica antes de dormir: “Essa relação nunca pára de me
surpreender”.
Mais surpreendidos ficaram, dias atrás, os auditores e advogados do
Tribunal de Contas da União, da Receita Federal e do Banco Central que
analisaram para o Congresso a documentação dos negócios da Petrobras com
a SBM. Comprovaram, por exemplo, que a diretoria da estatal subscreveu um
contrato em branco para a construção do navio-plataforma P-57. Isso
aconteceu na sexta-feira 1º de janeiro de 2008.
O contrato de construção da P-57 (nº 0801.0000032.07.2), que chegou à
CPMI, não contém “informação expressa sobre seu valor”, relataram os
técnicos, por escrito, à Comissão Parlamentar de Inquérito. Na cláusula
específica (“Quinta — Preço e Valor”), os campos simplesmente não foram
preenchidos. Ficaram assim:
“5.1 O valor total estimado do presente CONTRATO é de R$ xxxxx (xxxx), compreendendo as seguintes parcelas:
5.1.1 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos serviços objeto do presente
CONTRATO, sendo R$ _____ ( ) referente a serviços com mão-de-obra
nacional e R$ _____ ( ), referente a serviços com mão de obra não
residente;
5.1.2 R$ xxxxx (xxxx), correspondente aos reembolsos contratualmente previstos”.
QUASE UM ANO DEPOIS
Somente
207 dias depois — ou seja, passados sete meses — é que “esses valores
foram ‘preenchidos’”, registraram os assessores da CPMI. O “Aditivo nº 1” foi assinado na terça-feira 26 de agosto de 2008,
mas ainda sem especificar os valores completos dos serviços nacionais e
estrangeiros.
A plataforma P-57 foi vendida por US$ 1,2 bilhão à Petrobras. Por
esse negócio, a SBM pagou US$ 36,3 milhões em propinas — o maior valor
entre seus casos de corrupção no Brasil, como admitiu, em acordo de
leniência com a promotoria da Holanda e o Departamento de Justiça dos
EUA.
A empresa holandesa confessou ter distribuído US$ 102,2 milhões em
subornos a dirigentes da Petrobras, entre 2005 e 2011. Assim, obteve 13
contratos de fornecimento de sistemas e serviços à estatal. Foram suas
operações mais relevantes no país, durante os últimos cinco anos da
administração Lula e no primeiro ano do governo Dilma Rousseff.
As propinas foram “para funcionários do governo brasileiro”,
constataram a Receita e o Ministério Público da Holanda. Os pagamentos,
segundo eles, fluíram a partir de empresas criadas pelo agente da SBM no
Rio, Julio Faerman, no paraíso fiscal das Ilhas Virgens Britânicas.
Faerman controlava três (Jandell Investiments Ltd., Journey Advisors Co.
Ltd. e Bien Faire Inc.) e partilhava outra (Hades Production Inc.) com o
sócio carioca Luis Eduardo Barbosa da Silva.
Quem assinou o contrato da P-57 foi Pedro José Barusco Filho, que, na
época, era gerente executivo da Diretoria de Engenharia e Serviços,
comandada por Renato de Souza Duque. No mês passado, Barusco se apresentou à procuradoria federal.
Entregou arquivos, contas bancárias e se comprometeu a fazer uma
confissão completa em troca da atenuação de penalidades. Informou
possuir US$ 97 milhões guardados no exterior, dos quais US$ 20 milhões
na Suíça já estão bloqueados. Duque foi preso e depois liberado. Agora,
enfrenta acusações de corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico de
influência com políticos do Partido dos Trabalhadores. Ele nega tudo.
A comissão parlamentar de inquérito identificou outros sete
funcionários da Petrobras envolvidos no processo de compra da P-57. Eles
são: Márcio Félix Carvalho de Bezerra; Luiz Robério Silva Ramos;
Cornelius Franciscus Jozef Looman; Samir Passos Awad; Roberto Moro; José
Luiz Marcusso e Osvaldo Kawakami.
Um ano depois da assinatura do contrato, a P-57 entrou no projeto de
propaganda eleitoral do governo. Foi em outubro de 2009, quando Lula
preparava Dilma Rousseff, chefe da Casa Civil, para disputar a eleição
presidencial de 2010. O então presidente da Petrobras, José Sérgio Gabrielli, que é filiado
ao PT, formatou um calendário de eventos. Escolheu o período entre o
primeiro e o segundo turnos, em outubro de 2010, para o “batismo” da
plataforma, sob a justificativa do 57º aniversário da estatal.
Era preciso, no entanto, garantir a entrega antecipada do
equipamento. O diretor Duque e seu gerente Barusco recorreram ao agente
da SBM no Rio. Faerman informou ser possível, mas a custos extras.
Seguiu-se uma negociação com os funcionários Mario Nigri Klein, Ricardo
Amador Serro, Antonio Francisco Fernandes Filho e Carlos José do
Nascimento Travassos.
Em abril de 2010, Duque aprovou a despesa extraordinária pela
antecipação da entrega da plataforma, apoiado por Barusco e outro
gerente, José Antônio de Figueiredo. Lula comandou o “batismo” da plataforma em comício em Angra dos Reis
(RJ), na quinta-feira 7 de outubro. A antecipação da entrega para o
evento, em meio à disputa presidencial, custou à Petrobras um extra de
US$ 25 milhões. A SBM enviou US$ 750 mil líquidos para empresas de
Faerman nas Ilhas Virgens Britânicas.
Tendo trabalhado por seis anos na estatal, nos anos 60, o agente da
SBM no Rio conhecia como poucos os chefes, suas carreiras e as áreas de
decisão na sede da Avenida Chile, no Centro. Mantinha encontros semanais
com alguns. Havia um padrão de abordagem, relata um engenheiro da Petrobras,
evitando citar nomes. Iniciante na estatal, nos anos 90, passou a
receber sucessivos elogios de um executivo da SBM no Rio, por seu
desempenho nas avaliações dos projetos de afretamento de sondas e
plataformas, etapa decisiva na rotina pré-contratual.
— Fiquei empolgado. Afinal, era um simples funcionário, estava
começando e já recebia elogios de executivo de empresa de porte —
contou. Um dia foi convidado para um jantar na Zona Sul. A conversa
suave, regada a vinho, derivou para seu trabalho na seção
de custos de afretamentos. Depois de escolher o prato, o funcionário da
Petrobras escutou uma proposta do representante, conhecido como o “homem
forte” da SBM. — Quero compartilhar com você parte da minha comissão —
disse-lhe,
apontando o dedo indicador para o alto, em alusão a eventuais lucros. O
incômodo à mesa é inesquecível: — Não dormi naquela noite. Depois me
convidaram várias vezes para trabalhar, até que desistiram.
No início de 2012, quando rastreava propinas pagas no Brasil, o
advogado da empresa holandesa Zoe Taylor-Jones perguntou a Faerman sobre
sua rotina de contatos, presentes e propinas a funcionários da
Petrobras. Ele negou, dizendo que se limitava a “enviar cartões de
Natal”.
É certo que o agente da SBM no Rio mantinha uma rede de informantes
no centro de decisões da estatal. Em junho de 2009, enviou a um dos
chefes da companhia holandesa o projeto da Petrobras para criação de
estações de liquefação de gás em alto-mar. “É informação muito
confidencial nesse estágio e tem implicações muito sérias se alguma
coisa vazar”, advertiu.
A cúpula em Amsterdã recebeu, também, uma cópia do “Plano Diretor do
Pré-Sal”, classificado como “confidencial”, um mês antes de sua
aprovação pela diretoria-executiva da Petrobras. O documento foi copiado
com a senha “SG9W”, pertencente a Jorge Zelada, diretor Internacional.
Ele admitiu, em audiência no Congresso, a propriedade, mas negou o
repasse do plano do pré-sal. — A senha é como uma assinatura digital —
lembrou o gerente de segurança da estatal, Pedro Aramis, em outra
audiência.
Neste domingo, a Petrobras divulgou nota lembrando que, há dez meses,
“tem se empenhado em apurar todas as relações entre representantes da
empresa e representantes da SBM Offshore, buscando evidenciar eventuais
desvios de conduta”. Acrescentou que, nesse período, “uma Comissão
Interna investigou todos os empregados que tiveram participação direta
ou indireta nos processos de contratação com a SBM, independente da
posição gerencial ou técnica, passada ou presente, na companhia”.
“Mesmo sem encontrar evidências de suborno” — prossegue —
recomendou-se a continuidade da apuração “de indícios de atos
impróprios”. As informações obtidas “foram encaminhadas às autoridades”,
conclui a Petrobras. ( O Globo )
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