terça-feira, 9 de dezembro de 2014

MPF RECOMENDA AO IPHAN: PARE!


 | 9 novembro, 2014


No Brasil, o avanço dos interesses econômicos tem posto o governo Dilma Rousseff de joelhos.
Os últimos governos não conseguiram fortalecer órgãos estatais dedicados à proteção dos patrimônios histórico-cultural (material e imaterial), arqueológico e ambiental, e a ordem agora é flexibilizar a legislação em favor de empreiteiras, mineradoras e grandes obras públicas, colocando na mão do empreendedor ou do gestor público de municípios (que mal pagam seus funcionários e mal sabem – nem querem saber – a diferença entre Arqueologia, Antropologia e Paleontologia), o poder de deliberarem se a obra está ou não em área de determinado interesse.

Boa parte dessa velha crise, que agrava-se, se revela no gesto da arqueóloga Niède Guidon, que em setembro desse ano doou parte de um prêmio que recebeu à construção do Aeroporto Internacional Serra da Capivara. A conclusão das obras de modificação da pista do aeroporto, no município de São Raimundo Nonato, é condicionante do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) ao Museu da Natureza, que ficará dentro do Parque Nacional da Serra da Capivara. Famoso por suas pinturas rupestres, o parque sofre reincidentemente de crise financeira, o que compromete a preservação do maior conjunto de sítios pré-históricos do país e onde se tem o mais antigo registro da presença humana nas Américas, há cerca de 60 mil anos.

As mudanças na regulamentação estavam sendo feitas na surdina, mas uma cópia pirata dessa nova Instrução Normativa (IN) do Instituto do Patrimônio Histórico e Arqueológico (IPHAN) vazou na internet. O Procurador da República Marcos Paulo de Souza Miranda, do Ministério Público Federal (MPF) em Minas Gerais, fez a denúncia que viralizou e, junto com as matérias que imediatamente produzimos, repercutiu na comunidade científica também no exterior. (ver Revista Argentina Subterranea, págs. 19 a 24)

A pressão sobre a nova Instrução Normativa (IN) 01/2014 do IPHAN culminou numa Audiência Pública realizada pelo MPF no Rio de Janeiro, em 13/10/2014. O encontro contou com a presença, também, de representantes do IBAMA, do Instituto Estadual do Ambiente do Governo do Estado do Rio de Janeiro (INEA), da Sociedade Brasileira de Arqueologia (SAB), doutrinadores, servidores ligados ao patrimônio e ao licenciamento ambiental, cientistas e estudantes e revelou, nas falas do IPHAN e do MPF, que órgãos estatais, cujas atividades afetam diretamente o patrimônio e o meio ambiente, mal conhecem a legislação ou a importância de um sítio arqueológico, quiçá trabalham em sinergia; e que há em curso um desmonte de importantes órgãos governamentais – IPHAN, IBAMA, FUNAI, Fundação Palmares -, numa clara ameaça ao meio ambiente natural e cultural e às populações tradicionais (indígenas e quilombolas).

Da análise da IN 01/2014 e das informações expostas na Audiência Pública, o Grupo de Trabalho Patrimônio Cultural do MPF, preparou uma carta (abaixo) que recomenda ao IPHAN que “se abstenha de publicar a IN 01/2014 na forma como apresentada no evento ocorrido no dia 13/10/2014″, em razão de fundamentos fáticos e jurídicos expostos. A carta de recomendação do MPF é de 22 de outubro de 2014 e foi divulgada em sites especializados e grupos de discussão sobre o tema, essa semana. Nela, o MPF pede que a autarquia responda, no prazo máximo de trinta dias, com o acatamento, nova minuta da IN ou justificativa à sua eventual discordância.
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RECOMENDAÇÃO 02/2014
GT Patrimônio Cultural – PA 1.00.000.007294/2008-19
O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no desempenho de suas funções de defensor da ordem jurídica vigente e de zelo pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública, bem como aos direitos assegurados na Constituição Federal (arts. 127, caput, e129, II), entre eles o direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, mediante a preservação do patrimônio cultural brasileiro e a definição de espaços territoriais especialmente protegidos (artigos 225, § 1º, III e 216), com amparo no artigo 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93, por intermédio da Procuradora da República ao final assinada e

CONSIDERANDO que cabe ao Ministério Público a expedição de recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis, com fulcro no artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar n.º 75/93 (Estatuto do Ministério Público da União);

CONSIDERANDO que, segundo os ditames da Recomendação sobre a conservação dos bens culturais ameaçados pela execução de obras públicas ou privadas, exarada pela Conferência Geral da UNESCO, em sua 15ª Sessão, em Paris, datada de 19 de novembro de 1968, os países que compõem o referido organismo internacional devem assegurar que seja realizado o salvamento ou resgate dos bens culturais situados em local que deva ser transformado pela execução de obras públicas ou privadas;

CONSIDERANDO que, conforme dispõe o artigo 216, inciso V, da Constituição da República, constituem o patrimônio cultural brasileiro “os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”, dentre outros bens que remetem à formação do povo brasileiro;

CONSIDERANDO que a recente minuta da IN 01/2014, objeto de intensos debates em audiência pública realizada pelo MPF em 13/10/2014, se propõe a regular toda e qualquer atuação do IPHAN no curso de licenciamento ambiental, detalhando, com ênfase especial, a atuação da autarquia federal no que tange ao seu poder-dever de proteção ao patrimônio arqueológico, previsto na Lei 3.924/61;

CONSIDERANDO que a participação do IPHAN nos licenciamentos ambientais, conforme minuta da IN 01/2014, se fundamenta apenas na tipologia e tamanho dos empreendimentos, desconsiderando o critério locacional para definição de intervenção da autarquia, fazendo com que áreas de alto potencial arqueológico  - v.g., áreas cársticas ou de ocorrência de cavidades naturais subterrâneas, zona costeira, unidades de conservação criadas com o objetivo de proteção do patrimônio cultural, bacias paleontológicas, sítios históricos coloniais – sejam desconsideradas como merecedoras de especial tratamento protetivo;

CONSIDERANDO que a minuta de Instrução Normativa 01/2014 não contempla como bens acautelados em nível federal, v.g., os Monumentos Nacionais; o patrimônio paleontológico; os sítios espeleológicos; as obras produzidas até o final do período monárquico; as paisagens culturais; as unidades de conservação criadas com o objetivo de proteger o patrimônio cultural, o que implica em omissão da atuação do órgão nacional de proteção do patrimônio cultural;

CONSIDERANDO que a minuta de Instrução Normativa 01/2014 prevê a revogação da Portaria IPHAN 28/2003, que estabelece que, quando da renovação das licenças de operação, deverá ser exigida a realização de projetos de levantamento, prospecção, resgate e salvamento arqueológico nas faixas de depleção das Usinas Hidrelétricas, ao menos entre os níveis médio e máximo de enchimento aos reservatórios de empreendimentos já implantados e que não foram objeto de pesquisas arqueológicas, sem prever, contudo, mecanismos para atuação da autarquia no licenciamento arqueológico corretivo desses empreendimentos (ausência de previsão no anexo II);

CONSIDERANDO que a Audiência Pública mencionada possibilitou amealhar farto acervo de contribuições, de ordem técnica e jurídica, objetivando o aperfeiçoamento do projeto de IN 01/2014;

CONSIDERANDO, com base especificamente no texto da minuta da IN, que:

1 – artigo 4º, § 1º, inciso II – não há delimitação de parâmetros orientadores da possibilidade de “avocação” da atuação do IPHAN, originalmente da superintendência local, pela presidência da autarquia, fazendo-se necessário estabelecer tais parâmetros e ratificar que qualquer ato de avocação tem a natureza de ato administrativo vinculado, para o qual deve ser formalizada sua motivação, sob pena de mácula aos princípios da moralidade e impessoalidade da Administração Pública, trazendo como consectário a nulidade do ato;

2 – artigo 10, § 2º – a redação impossibilita, na prática, a inserção do IPHAN nos licenciamentos que envolvam bens, localizados na AID do empreendimento, ainda em processo de acautelamento, eis que os formulários próprios sequer chegarão à autarquia. Note-se que os procedimentos de acautelamento ainda não concluídos não constam nos bancos de dados do IPHAN, os quais servem como base para que o órgão licenciador notifique a autarquia federal para participação no processo;
3 – artigo 13, inciso III – a existência de comunidades tradicionais, não reconhecidas, não raro é feita no curso dos licenciamentos ambientais. Na ausência de qualquer previsão, na IN 01/2014, de imediata comunicação à autarquia para sua regular atuação, inclusive para preservação do patrimônio imaterialvinculado a tais comunidades, há imenso risco de sua desagregação se concretizar sem a devida proteção estatal, com perda de importante recorte vinculado à formação do povo brasileiro;

4 – artigo 15 – a inexistência de previsão de ser o TCE um mínimo de documentação em qualquerlicenciamento ambiental, integrando, frise-se, todo e qualquer licenciamento ambiental nas três esferas da federação, implica em grave mácula ao princípio da prevenção;

5 – artigo 20, inciso X e 23, inciso IV -  não deixa claro que a prioridade na preservação de sítios arqueológicos é, conforme carta de Nova Dheli, a preservação in situ;

6 – artigo 28 c/c artigo 29 c/c artigo 33 – para empreendimentos de nível IV não há clara previsão da possibilidade da conservação in situ;

7 – artigo 34, inciso IV – confere ênfase apenas na guarda e pesquisa de material arqueológico, sem indicação de como se dará a exposição de bens e difusão do conhecimento oriundo da pesquisa;
CONSIDERANDO, por fim, as contribuições oriundas de membros do MAE-USP, UFMG, Peruaçu Arqueologia, Cooperativa Cultura, IEF/SISEMA, LAEP/UFVJM, Scientia Consultoria Científica, IPHAN, Sociedade Brasileira de Espeleologia –SBE, UNISUL e Sociedade de Arqueologia Brasileira, as quais, devidamente protocolizadas em audiência, passam a ser parte integrante dos fundamentos desta RECOMENDAÇÃO

RESOLVE

RECOMENDAR ao IPHAN, através de sua Presidente, Jurema Machado, que se abstenha de publicar a IN 01/2014 na forma como apresentada no evento ocorrido no dia 13/10/2014, em razão dos fundamentos fáticos e jurídicos acima expostos;

REQUISITAR que a autarquia federal encaminhe ao MPF, no prazo de 30 (trinta) dias, resposta quanto ao acatamento da presente, apresentando nova minuta de instrução normativa ou justificando sua eventual discordância.
Belo Horizonte/MG, 22 de outubro de 2014.
Sandra Verônica Cureau – Subprocuradora-Geral da República e Coordenadora da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão
Zani Cajueiro Tobias de Souza – Procuradora da República e Coordenadora do GT Patrimônio Cultural
Gisele Elias de Lima Porto – Procuradora Regional da República
Lívia Tinoco – Procuradora da República
Renato de Freitas Souza Machado – Procurador da Repúblicattp://coletivocarranca.cc/mp-recomenda-ao-iphan-nao-publique-nova-012014/



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