terça-feira, 24 de fevereiro de 2015
A Comissão Nacional da Verdade ignorou, em seu relatório final, uma série
de documentos inéditos encontrados durante a investigação que podem
alterar o entendimento de episódios da ditadura (1964-85).Tais documentos já foram
reconhecidos pelo Estado.
Trata-se de um conjunto de relatórios dos
órgãos de inteligência das Forças Armadas que, entre outros assuntos,
detalha ações de monitoramento contra militantes e as atividades dos
infiltrados nas organizações de esquerda. Os infiltrados, ou
"cachorros", assim eram chamados os militantes de fachada que, na
realidade, colaboravam com a repressão.
São informes, transcrições de
encontros e até recibos de pagamento que os militares faziam para
registrar a coleta de informações. A prática foi crucial para a
repressão dizimar as organizações de esquerda na década de 1970. Não há
uma linha sobre os infiltrados nas conclusões da Comissão da Verdade –os
documentos nem sequer foram mencionados.
"Fiquei estarrecida quando vi
que eles não estavam no relatório", admitiu a psicanalista ultrapetista
Maria Rita Kehl, que fez parte do grupo. A esquerda sempre esconde os
fatos desabonadores de esquerdistas. Ela e o último coordenador, Pedro
Dallari, não souberam explicar a razão de os papéis terem sido
descartados.
"Foi usada toda a documentação que estava disponível. Se
não usamos mais foi por falta de tempo", afirmou Dallari. É evidente que
não é verdade. A análise desses documentos pode mudar o entendimento de
casos já reconhecidos e indenizados pelo Estado, caso do militante
Caiupy Alves de Castro. Integrante da FLN (Frente de Libertação
Nacional), ele desapareceu em novembro de 1973. Seu corpo nunca fora
encontrado. Caiupy foi reconhecido como desaparecido político pelo
governo FHC (1995-2002) e sua família foi indenizada.
Ficha do Cenimar
(Centro de Informações da Marinha) com o registro dos infiltrados mostra
que, ao ser preso, em junho de 73, Caiupy aceitara trabalhar como
informante. A legislação veda indenização a pessoas que, ainda que
vítimas, tenham sido também colaboradoras da repressão. Foi nessa linha a
decisão do governo federal ao negar pedido de José Anselmo dos Santos, o
Cabo Anselmo, notório agente duplo da ditadura.
Os documentos
desprezados foram encontrados entre 2012 e 2013 por um grupo de
historiadores e jornalistas que auxiliou a comissão, sob a coordenação
da historiadora Heloísa Starling. Conhecido internamente como "equipe
ninja", ele foi encerrado após o primeiro ano de trabalho. Três
historiadores – José Murilo de Carvalho, Ângela Castro Gomes e Daniel
Aarão Reis – analisaram os papéis para a comissão e reconheceram em
parecer que eles eram autênticos e inéditos.
"Os documentos eram
realmente inéditos e importantes. Não há nada parecido, nem no Arquivo
Nacional nem em lugar nenhum. Lamentável, e inexplicável, a comissão não
os ter considerado", reafirmou Daniel Aarão Reis: "As explicações
continuam sendo devidas à sociedade brasileira".
Nenhum comentário:
Postar um comentário