(O Globo) Acordos de leniência na esfera administrativa, a serem celebrados
pela Controladoria Geral da União (CGU), podem livrar as empresas
envolvidas na operação Lava-Jato de punições na esfera penal, como
acusações na Justiça por crime de cartel, cobranças judiciais da multa
de até 20% do faturamento bruto do empreendimento e proibições – também
na esfera judicial – de novos financiamentos com dinheiro público. O
alerta é de auditores de controle externo e de procuradores de contas,
em nota divulgada neste domingo para rebater a defesa dos acordos feita
pelo advogado-geral da União, ministro Luís Inácio Adams (à direita, na foto).
O ministro divulgou no site da Advocacia Geral da União (AGU), no
sábado, um vídeo em que sustenta que a leniência na esfera
administrativa, a cargo da CGU, não provoca qualquer reflexo na esfera
penal. "O acordo de leniência é uma solução para uma penalização
administrativa, não tem nenhuma função na área penal, não isenta o
criminoso, não impede a produção de provas. É um instrumento que na
verdade potencializa a investigação", ressaltou Adams.
Para auditores e procuradores de contas, o argumento do
advogado-geral da União está equivocado. "O acordo tem, sim,
considerável repercussão penal, com a extinção da punibilidade do crime
de cartel por ato administrativo, o que impede o Ministério Público de
oferecer denúncia na esfera penal", citam as entidades na nota à
imprensa. "No âmbito da Lei Anticorrupção, uma vez celebrado o acordo
antes da ação do Ministério Público, fica o juiz impedido de aplicar
multa de 0,1% a 20% do faturamento bruto das empresas, assim como de
proibi-las de receber benefícios fiscais e creditícios com dinheiro
público", completa.
Assinam a nota os presidentes da Associação da Auditoria de Controle
Externo do Tribunal de Contas da União (AUD-TCU), da Associação Nacional
dos Auditores de Controle Externo dos Tribunais de Contas do Brasil
(ANTC), da Associação Nacional do Ministério Público de Contas (AMPCON) e
da Associação Contas Abertas. Foi a partir de uma provocação dessas
entidades que o procurador do Ministério Público junto ao TCU Júlio
Marcelo de Oliveira pediu a suspensão cautelar da celebração de acordos
de leniência pela CGU.
A representação do procurador foi enviada ao presidente do TCU,
ministro Aroldo Cedraz, na sexta. Ele concordou que os acordos na esfera
administrativa podem atrapalhar as investigações do MPF e defendeu que a
CGU só assine acordos depois de o MPF já ter assinado. No dia seguinte à representação, o advogado-geral da União fez a
defesa enfática do instrumento de leniência, que passou a ser previsto
na Lei Anticorrupção, em vigor desde janeiro de 2014. Pela lei, a
empresa passa a colaborar com as investigações, em troca de um alívio em
sanções como multas e impedimento de novos contratos públicos e de
novos financiamentos por bancos oficiais.
Os auditores e procuradores dizem ainda que o acordo de leniência não
deve ser usado como instrumento para "salvar" empresas acusadas de atos
ilícitos. "O órgão de controle interno do Poder Executivo da União não
pode funcionar como 'enfermaria' de empresas acusadas de fraudar o
Estado, pois, se assim o for, abre-se caminho para a formação de
verdadeiro 'cartel de leniência'", afirmam as entidades na nota.
Duas empresas investigadas na Operação Lava-Jato já pediram
formalmente a celebração de acordos de leniência na CGU. Uma delas é a
Setal Óleo e Gás, que já assinou acordo junto ao MPF. A outra é uma das
oito empreiteiras que passaram a responder a processos administrativos
no órgão, vinculado à Presidência da República. A presidente Dilma
Rousseff defendeu por duas vezes que se punam os executivos, e não as
empresas.
Nas ações de improbidade administrativa protocoladas na Justiça na
sexta, o MPF pediu o ressarcimento de danos e o impedimento de as
empreiteiras firmarem novos contratos públicos. A proibição, porém,
depende de uma decisão definitiva da Justiça, o que pode levar anos para
ocorrer.
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