by fernaslm
Duas histórias que indiretamente são conexas chamaram minha atenção nos jornais de hoje.
Uma, do Valor Econômico,
dava conta da saga dos fabricantes de sapatos brasileiros que, ha cerca
de 20 anos, massacrados pela burocracia, pelo peso dos impostos, pela
chantagem “trabalhista” e pelas manipulações do câmbio,
desistiram do Brasil e foram fabricar sapatos em Dongguan, na China. É o
mesmo pessoal do Vale dos Sinos, RGS, que esteve no centro de uma longa
série de reportagens dos meados dos anos 80 do “eutanasiado” Jornal da Tarde cujo mote eram “Os guerrilheiros da prosperidade nacional”, micro e pequenos empresários que, contra tudo e contra todos, ainda conseguiam produzir no país em níveis de excelência.
Eram
ainda os tempos em que os jornais perscrutavam o Brasil real, sentiam
suas dificuldades e faziam-se porta-vozes de soluções para os seus
problemas e, em vez de se limitar a amplificar as mentiras e
mesquinharias das “fontes oficiais” como é norma nas redações
de hoje, obrigavam-nas a olhar para os problemas reais dos brasileiros
reais e estudar soluções para eles.
Essa
série de reportagens, apesar da circulação restrita a São Paulo do JT,
pautou o resto da imprensa e pôs em marcha dois movimentos que entraram
definitivamente para a pauta nacional – uma campanha pela
desburocratização dos trâmites para a criação e operação de micro e
pequenas empresas no país e a criação de um regime tributário especial
para elas, além de iluminar o drama generalizado que era e continua
sendo produzir no Brasil.
De
lá para cá a internet entrou em cena, as fronteiras nacionais se
dissolveram e os pequenos alívios no garrote vil, que eventualmente se
conseguia arrancar a fórceps da máfia que desde sempre explora os
brasileiros, deixaram de fazer diferença para a competição aberta contra
produtores ao redor do mundo, cujos governos são seus aliados e não seus
inimigos, quando não seus assaltantes. Hoje, com o universo estatal
brasileiro tomando metade da renda nacional e declarado
constitucionalmente intocável, seja qual for a dificuldade vivida pelo
país, e com o Brasil que produz reduzido a pele e ossos, as esperanças
se foram.
Mas
não completamente. Lá estão, em Dongguan, os mesmos empreendedores
formados pelo Serviço Nacional da Indústria – o Senai, símbolo de uma
época em que os empreendedores brasileiros ainda acreditavam neste país e
investiam na formação de seus próprios sucessores – que puderam migrar
para o outro lado do mundo para por em prática a sua vocação e a sua
força empreendedora.
São
os brasileiros da China que dominam a indústria de sapatos mundial, em
operações que chegam a envolver até 18 mil trabalhadores terceirizados –
o tipo de atitividade que nossos “excelentes” representantes
no Legislativo e no Executivo tratam, neste momento, de proibir em todo o
território nacional.
São eles que proporcionaram à China, partindo do
zero, chegar a 1,8 bilhão de pares de sapatos exportados por ano para os
EUA, 2/3 de tudo que aquele país consome, movimentando 17,5 bilhões de dólares. Mão de obra formada no Brasil com investimento brasileiro, mas
impedida de trabalhar no Brasil, que até 2008 também importava desses
seus filhos expatriados 33,6 milhões de pares de sapatos, até que lhes
antepusessem barreiras alfandegarias, em 2009, para que os sapateiros
remanescentes nesta nossa pátria da “justiça trabalhista” não
fossem banidos de vez do mercado mundial, à custa, como sempre, de
obrigar os brasileiros do Brasil a pagar o sobrepreço dos seus governos
também para não acabar andando descalços.
É
uma história triste mas que tem um lado positivo posto que abre, na
nossa desesperança, a fissura de nos tomarmos como cidadãos do mundo que a
corja- que tomou este país de assalto-- não conseguirá alcançar
indefinidamente.
Haverá sempre uma China para onde fugir quem queira
trabalhar...
Acena
com esse mesmo tipo de esperança a prisão, ontem, a pedido da justiça
norte-americana, daqueles velhos ladravazes da Fifa que o mundo inteiro
sabe o que são e o que sempre foram, desde os tempos em que a Fifa ainda
estava nas mãos gosmentas do clã Havelange.
A
velha e doentíssima Europa, em matéria de corrupção, não é mais que uma
América Latina com um pouco mais de verniz e mesuras, o que
proporcionou aos membros da quadrilha cujos rostos patibulares estavam
estampados nas primeiras páginas de todos os jornais do mundo hoje,
esfregar por gerações a fio a sua subversiva impunidade nas esperanças
de todos quantos vivem de trabalho honesto neste planeta, até que o
velho esporte bretão caísse finalmente no gosto dos americanos.
Não
demorou muito para o vitríolo moral distilado pela Fifa e associados
corroer a sua extensão americana e, a partir daí, finalmente despertar o
interesse da polícia de um país com polícia.
E lá estavam, ontem,
ninguém menos que a secretária de Justiça dos Estados Unidos da América,
Loretta Lynn, em pessoa, ao lado dos diretores do FBI e da Receita para
que não fiquem dúvidas sobre o peso da mão que está descendo sobre a
podridão de que o mundo jamais esperava se ver livre nesta encarnação,
para dar o “cartão vermelho” que esperamos que seja final e definitivo “numa cultura de corrupção desenfreada, sistêmica e profundamente enraizada”,
da qual o velho bandalho que já foi até governador de São Paulo é um
dos principais protagonistas e de que com certeza fez uso gente muito
mais grauda que ele nas tramóias tidas e havidas para trazer uma Copa do
Mundo para o meio deste nosso tiroteio.
Vamos
torcer para que, certos de sua impunidade como todos sempre estiveram,
esses grandes tubarões tenham cometido a mesma imprudência dos peixes
menores já trancafiados na Suíça tentando lavar o produto do que nos têm
roubado no sistema financeiro dos Estados Unidos.
Os “petrolões”,
pelo menos, nós sabemos que já têm um perna agarrada por lá. Se o STF
dos notórios amigos do PT melar tudo por aqui, temos o consolo de saber
que terão de pagar ao menos o que roubaram dos acionistas americanos da
Petrobras.
É
outra ponta da globalização que, neste nosso deserto moral, serve de
boia de salvação: na aldeia global, é sempre possível que o xerife que é
de fato xerife entre, afinal, em ação. E tende a ser cada vez mais
difícil escapar dele até porque os lugares interessantes que restam para
se guardar e gastar o produto das roubalheiras que rolam pelo mundo são
aqueles nos quais xerifes como esses atuam pra valer.
Ladrão sabe
melhor que ninguém o perigo que é viver numa terra sem lei. E, ademais,
de nada serve roubar até destruir um país, como estão fazendo com o
nosso e com tantos outros, para depois ficar condenado a viver na terra
arrasada deixada para tras do saque.
Que o braço do xerife seja cada vez mais longo!
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