Desde o fim da eleição, o que não faltam são sinais trocados que dificultam até mesmo a identificação de quem é quem na novela. Se antes da crise o território parecia bem demarcado – PT e satélites de um lado, PSDB e satélites de outro, com o PMDB sambando de um lado e de outro a depender de quem estivesse no comando – hoje as fronteiras estão confusas e desafiam o rascunho da própria lógica.
Na semana passada, por exemplo, Dilma Rousseff declarou que achava o PMDB ótimo e demonstrou impaciência com as críticas recebidas pelo antecessor Luiz Inácio Lula da Silva. Ao PT, necas. Nem uma mínima referência. Ao mesmo tempo em que criticava o “volume morto” do governo, Lula se reunia com os ministros da sucessora e pedia reação.
Só que o governo do “volume morto” nomeou como preposto da articulação política o vice-presidente Michel Temer, do, palavras da presidenta, ótimo PMDB, que no começo desta semana deu tchau e bença ao governo do qual faz parte para anunciar, em aparente sintonia, a candidatura própria para a Presidência daqui a três anos.
Mas nas contas da oposição – a oficial, encabeçada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) – o governo não chega inteiro até lá. Como pode cair a qualquer hora, palavras do senador, é preciso saber com quem dançar. Se o TCU barrar as contas do governo e o Congresso considerar a presidenta como responsável por eventuais ilegalidades nas chamadas pedaladas fiscais, sai Dilma e entra Temer. Parte do PSDB apoia, parte não quer saber da ideia porque não quer entregar o governo de mãos beijadas – nem para o PMDB nem para rivais tucanos.
O sonho de consumo de Aécio Neves, que tem o governador paulista e possível presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB-SP) em sua cola, é a cassação da presidenta e do seu vice pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com isso ele, segundo colocado na corrida eleitoral, assumiria – num ato falho, ele jurou já ter chegado lá, mas para isso é preciso provar que houve, por parte da candidata, abuso de poder, já que fazia campanha com a faixa presidencial, e, principalmente, financiamento escuso de campanha.
Detalhe: os suspeitos de financiar a campanha petista com recursos desviados da Petrobras também doaram para candidatos tucanos. Até o fechamento deste post, não havia ainda uma máquina para contar dinheiro e identificar quais notas do bolo vinham do suor do seu empresário e quais vinham do suor do contribuinte.
A complexidade e os vazamentos seletivos das apurações da Lava Jato, que envolve rixas internas entre alas da Polícia Federal, a própria Procuradoria-Geral da República e juízes de primeira e últimas instâncias, contribuem para a confusão. Em parte porque envolve governos eleitos e partidos políticos que a cada dois anos são autorizados a passar o chapéu a quem têm interesse em expandir os negócios com o poder público.
O Supremo Tribunal Federal teve a chance, há mais de ano, para coibir essa prática, mas um de seus ministros, que agora se reúne com opositores do Legislativo para debater as portas de saída do Executivo, pediu vista e nunca mais devolveu o processo. Nesse meio-tempo, os atingidos pela medida se articularam no Congresso e votaram pela sua perpetuação.
Com as bênçãos de seus beneficiários, o conluio das empreiteiras ramificou os braços com a influência de diretores de estatais e consultorias e abriu um mercado promissor a quem trocava apoio por atalhos ou aproximações. Como o lobby no Brasil não é uma atividade legalizada, a operação entra num campo indefinido e esfumaçado entre o normal e o patológico, o abuso e o recomendável, o relacionamento e o tráfico de influência.
Essa ausência clara de fronteiras é a marca, até aqui, dos resultados de uma investigação policial que colocou rotos e rasgados tentando desesperadamente recriar uma narrativa que funcionava até ontem. Essa narrativa opunha projetos de governo (nosso) com usurpação de poder (deles). Quando a soma zero de vetores – que puxa para um lado quando opositores acusam governistas de “mensaleiros” e para o outro quando governistas citam irregularidades no metrô, na privataria e no “mensalão 1.0” – não funciona, o inimigo torna-se outro: o policial que investigou, o procurador que denunciou, o juiz que sentenciou, o carcereiro que puniu.
Para quem ainda tenta desamarrar o emaranhado com cordões sanitários, soa ridículo o descrédito dado a delatores quando a delação atinge aliados e a exaltação daqueles quando atingem o outro lado.
Mas qual outro lado?
O que deveria governar e não governa?
O que gostaria de governar e não governa?
O que gostaria de governar e já governa?
A quem, exatamente, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusa quando atribui a suspeita de ter recebido R$ 5 milhões de um empresário-delator a uma ação do Executivo para atingir o Legislativo? É seu colega de partido Michel Temer, articulador político de Dilma Rousseff, a presidenta que negou na eleição qualquer ajuste fiscal, foi eleita, mudou de ideia e azedou a base e o partido que a elegeu? Ou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acusado de interferir nos trabalhos da PF que atingem, inclusive, dois colegas do PT na Esplanada? A bronca é por que ele não interferiu, então?
O que exatamente Cunha e outros citados na operação esperavam do Executivo? Uma intervenção em um órgão independente? Uma ilegalidade?
É difícil saber, mas antes é preciso calcular os efeitos da defesa e do discurso – e da ameaça, agora palpável, de rompimento definitivo do peemedebismo – o que coloca os rivais Cunha e Renan Calheiros (PMDB-AL) na mesma lâmina – com o governo. Onde Temer entra nessa história?
Se a tese da governabilidade é evitar a paralisação do país, alguém precisa avisar a presidenta que já não andamos desde outubro. Nesse ritmo, chegaremos a dezembro de 2015 com mensagens de feliz 2015. Este ano, ao que parece, nunca começou.
Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil
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