sexta-feira, 17 de julho de 2015

Acusado de receber propina, Eduardo Cunha fala em vingança. Relembre (e tente entender) os últimos capítulos da novela

Matheus Pichonelli

Se você não está entendendo mais nada da crise política, não se preocupe: você é só normal.


Desde o fim da eleição, o que não faltam são sinais trocados que dificultam até mesmo a identificação de quem é quem na novela. Se antes da crise o território parecia bem demarcado – PT e satélites de um lado, PSDB e satélites de outro, com o PMDB sambando de um lado e de outro a depender de quem estivesse no comando – hoje as fronteiras estão confusas e desafiam o rascunho da própria lógica.


Na semana passada, por exemplo, Dilma Rousseff declarou que achava o PMDB ótimo e demonstrou impaciência com as críticas recebidas pelo antecessor Luiz Inácio Lula da Silva. Ao PT, necas. Nem uma mínima referência. Ao mesmo tempo em que criticava o “volume morto” do governo, Lula se reunia com os ministros da sucessora e pedia reação.


Só que o governo do “volume morto” nomeou como preposto da articulação política o vice-presidente Michel Temer, do, palavras da presidenta, ótimo PMDB, que no começo desta semana deu tchau e bença ao governo do qual faz parte para anunciar, em aparente sintonia, a candidatura própria para a Presidência daqui a três anos.


Mas nas contas da oposição – a oficial, encabeçada pelo senador Aécio Neves (PSDB-MG) – o governo não chega inteiro até lá. Como pode cair a qualquer hora, palavras do senador, é preciso saber com quem dançar. Se o TCU barrar as contas do governo e o Congresso considerar a presidenta como responsável por eventuais ilegalidades nas chamadas pedaladas fiscais, sai Dilma e entra Temer. Parte do PSDB apoia, parte não quer saber da ideia porque não quer entregar o governo de mãos beijadas – nem para o PMDB nem para rivais tucanos.


O sonho de consumo de Aécio Neves, que tem o governador paulista e possível presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB-SP) em sua cola, é a cassação da presidenta e do seu vice pelo Tribunal Superior Eleitoral. Com isso ele, segundo colocado na corrida eleitoral, assumiria – num ato falho, ele jurou já ter chegado lá, mas para isso é preciso provar que houve, por parte da candidata, abuso de poder, já que fazia campanha com a faixa presidencial, e, principalmente, financiamento escuso de campanha.


Detalhe: os suspeitos de financiar a campanha petista com recursos desviados da Petrobras também doaram para candidatos tucanos. Até o fechamento deste post, não havia ainda uma máquina para contar dinheiro e identificar quais notas do bolo vinham do suor do seu empresário e quais vinham do suor do contribuinte.


A complexidade e os vazamentos seletivos das apurações da Lava Jato, que envolve rixas internas entre alas da Polícia Federal, a própria Procuradoria-Geral da República e juízes de primeira e últimas instâncias, contribuem para a confusão. Em parte porque envolve governos eleitos e partidos políticos que a cada dois anos são autorizados a passar o chapéu a quem têm interesse em expandir os negócios com o poder público.



O Supremo Tribunal Federal teve a chance, há mais de ano, para coibir essa prática, mas um de seus ministros, que agora se reúne com opositores do Legislativo para debater as portas de saída do Executivo, pediu vista e nunca mais devolveu o processo. Nesse meio-tempo, os atingidos pela medida se articularam no Congresso e votaram pela sua perpetuação.



Com as bênçãos de seus beneficiários, o conluio das empreiteiras ramificou os braços com a influência de diretores de estatais e consultorias e abriu um mercado promissor a quem trocava apoio por atalhos ou aproximações. Como o lobby no Brasil não é uma atividade legalizada, a operação entra num campo indefinido e esfumaçado entre o normal e o patológico, o abuso e o recomendável, o relacionamento e o tráfico de influência.



Essa ausência clara de fronteiras é a marca, até aqui, dos resultados de uma investigação policial que colocou rotos e rasgados tentando desesperadamente recriar uma narrativa que funcionava até ontem. Essa narrativa opunha projetos de governo (nosso) com usurpação de poder (deles). Quando a soma zero de vetores – que puxa para um lado quando opositores acusam governistas de “mensaleiros” e para o outro quando governistas citam irregularidades no metrô, na privataria e no “mensalão 1.0” – não funciona, o inimigo torna-se outro: o policial que investigou, o procurador que denunciou, o juiz que sentenciou, o carcereiro que puniu.



Para quem ainda tenta desamarrar o emaranhado com cordões sanitários, soa ridículo o descrédito dado a delatores quando a delação atinge aliados e a exaltação daqueles quando atingem o outro lado.


Mas qual outro lado?
O que deveria governar e não governa?
O que gostaria de governar e não governa?
O que gostaria de governar e já governa?



A quem, exatamente, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), acusa quando atribui a suspeita de ter recebido R$ 5 milhões de um empresário-delator a uma ação do Executivo para atingir o Legislativo? É seu colega de partido Michel Temer, articulador político de Dilma Rousseff, a presidenta que negou na eleição qualquer ajuste fiscal, foi eleita, mudou de ideia e azedou a base e o partido que a elegeu? Ou o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, acusado de interferir nos trabalhos da PF que atingem, inclusive, dois colegas do PT na Esplanada? A bronca é por que ele não interferiu, então?


O que exatamente Cunha e outros citados na operação esperavam do Executivo? Uma intervenção em um órgão independente? Uma ilegalidade?


É difícil saber, mas antes é preciso calcular os efeitos da defesa e do discurso – e da ameaça, agora palpável, de rompimento definitivo do peemedebismo – o que coloca os rivais Cunha e Renan Calheiros (PMDB-AL) na mesma lâmina – com o governo. Onde Temer entra nessa história?


Se a tese da governabilidade é evitar a paralisação do país, alguém precisa avisar a presidenta que já não andamos desde outubro. Nesse ritmo, chegaremos a dezembro de 2015 com mensagens de feliz 2015. Este ano, ao que parece, nunca começou.

Foto: Antonio Cruz/ Agência Brasil

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