20/12/2013
às 5:00De como José Dirceu virou um negro, e Joaquim Barbosa, o seu feitor. Quem assegura isso é um deputado petista… negro!
A Central
Única dos Trabalhadores promoveu nesta quinta, no Rio, uma daquelas
manifestações indecorosas de apoio aos mensaleiros a que volta e meia se
dedica.
Exige a libertação dos presos. Só vai acontecer se Dilma
resolver indultá-los. A Constituição lhe dá esse poder, mas não creio
que a Soberana a tanto se atrevesse.
Se ela pode ter José Dirceu preso,
por que iria querer soltá-lo, não é mesmo? Coisas formidáveis foram
ditas lá. A personagem da noite foi o deputado negro Edson Santos
(PT-RJ), ministro da Igualdade Racial no governo Lula.
Numa manifestação de fato estupefaciente, ele afirmou, segundo informa a Folha:
“Negros que usam o chicote para bater em outros negros não são meus irmãos. O Joaquim Barbosa não é meu irmão”.
Como
entender a frase? Bem, comecemos pelo óbvio. O deputado petista está
bravo com as decisões tomadas por Barbosa no julgamento do mensalão. Até
tive a curiosidade de rever a lista dos condenados e dos presos. Não há
nenhum negro no grupo. Assim, Santos certamente não se referia à cor da
pele dos brutos — incluindo, evidentemente, a de José Dirceu. O “negro”
da sua fala é uma metáfora e, na expressão mais perversa, uma
metonímia.
Para o
deputado, “negro” é a palavra que designa a vítima da injustiça, da
exclusão, da opressão.
Assim, na sua cabeça ao menos, José Dirceu, na
escala dos martírios, foi promovido da condição de corrupto e
quadrilheiro, crimes pelos quais Barbosa o condenou, à de… “negro”.
Santos está associando a discriminação de que são alvos as pessoas com
essa cor de pele àquela que o ex-ministro sofreria hoje (???). E quem é o
seu algoz, o seu feitor, o seu capitão do mato? Ninguém menos do que
Joaquim Barbosa.
Escrevo há
muito tempo neste blog sobre o que defini como “racismo de segundo
grau”, muito mais sofisticado do que a discriminação pura e simples,
bronca, brucutu, ignorante — que é aquela do sujeito que não suporta “o
outro” porque diferente dele, seja preto, amarelo, vermelho e, claro!, a
depender do grupo, branco.
Esse racismo meio visceral, que nasce da
ignorância, acredito, é mais fácil de combater. Eu confio no valor da
educação e no peso dos fatos.
Há um
outro racismo, este mais sutil, que pretende deitar um olhar caridoso
sobre a diferença. É muito influente na nossa imprensa.
Mistura-se, não
raro, com o racialismo e pode ser cultivado por brancos e negros.
Esse
racismo consiste em ver o mundo segundo o filtro da cor da pele.
Qualquer que seja a manifestação social, o primeiro recorte que
interessa é o da cor da pele. Seria ela o fato gerador de qualquer
fenômeno social. Nesta quinta, no STF, por exemplo, ao defender a
descriminação da maconha, o ministro Luís Roberto Barroso observou que a
maioria dos pequenos traficantes presos é composta de pretos e pobres. A
expressão desse racismo sutil transforma qualquer ocorrência social
numa questão de pele — ainda que seu intuito seja “salvar” e proteger os
negros.
O racismo
que chamo de “segundo grau” é outra coisa. Consiste em estabelecer um
conjunto de valores, de crenças e de escolhas a que um negro estaria
sujeito porque negro.
Assim, ele já nasceria menos livre para fazer as
suas opções porque necessariamente atrelado a uma pauta — pauta esta que
não nasceria de escolhas políticas, mas cairia, como diria certo
barbudo, da “árvore dos acontecimentos”. Tome-se o caso das cotas: um
branco poderia defendê-la ou não — afinal, ele é branco! Já um negro não
teria escapatória.
Mais: esse
racismo de segundo grau quer transformar o negro não apenas num
defensor da, vá lá, “causa de sua gente”.
Nada disso! O “negro”, nesse
caso, é metáfora, mas é também metonímia: ele é uma parte que tem de
simbolizar o “todo” das opressões. Assim, para que um “negro indivíduo”
ganhe o direito de ser um “negro coletivo”, ele tem de abraçar as
demandas de sua “raça”, mas também as outras: não só as das ditas
minorias como também as dos partidos de esquerda.
Nesse sentido, um
negro autêntico, respeitável, um negro “negro”, tem de ser também de
esquerda.
Ora, se
Joaquim Barbosa se negou a ceder às exigências do partido que exerce a
hegemonia no terreno das esquerdas e se teve uma atuação importante para
mandar os mensaleiros companheiros para a cadeia, então teria agido
como traidor, mero “negro indivíduo” — quando o certo seria ser um
“negro coletivo”.
Santos,
assim, procura cassar as credenciais de “negro” de Joaquim Barbosa. Para
o agora deputado, só uma escolha de Barbosa era aceitável — e, pois,
escolha ele não tinha: cabia-lhe inocentar o “negro” José Dirceu. Em vez
disso, segundo o deputado petista, o ministro pegou o “chicote”.
Chefe da Papuda
Ah, sim: Santos informou que tudo vai bem na Papuda. Dirceu, diz ele, já está organizado a festa de Natal — segundo se entende, com outros presos. Não tem jeito. Este homem nasceu para o comando. Já foi o chefão do Planalto. Agora é o chefão da Papuda.
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