domingo, 2 de março de 2014

A esquerda, a História e o acaso: a obsessão pelo controle




Trazemos hoje para a Coluna do Leitor uma ótima análise feita pelo historiador com doutorado em Ciências Sociais que quis se identificar apenas como “Boa leitura:


(O texto que segue é uma série de apontamentos reunidos com o intuito de sublinhar algumas questões. Utilizei-me dos termos amplos “esquerda”, “esquerdista”, “esquerdismo” para facilitar).

Desde o recrudescimento das manifestações de junho de 2013 esperava-se que uma coisa acontecesse: alguém morresse. Não uma morte “indireta” ou “acidental” ocorrida a partir das confusões, mas sim uma morte – ou assassinato – diretamente ligada às respostas da polícia frente os manifestantes.


O máximo que se conseguiu, nesta situação em particular, foi um punhado de pessoas feridas por balas de borracha, o que foi largamente utilizado para demonstrar a “truculência” da polícia e, como um “resultado lógico” disto, conferir legitimidade às manifestações e aos atos perpetrados durante as mesmas.

Quem quer que fosse morto, neste contexto específico, seria transformado em mártir, o que, possivelmente, seria explorado ao ponto de ser impossível arranhar a aura de legitimidade com a qual manifestantes (e seus atos) seriam recobertos.

Já em 2014, foi possível imaginar toda a esquerda segurando a respiração, tensa, esperando que o manifestante baleado em São Paulo morresse – deste modo, teriam o mártir pelo qual eles tanto ansiavam. Não foi desta vez – ele não morreu.

E o pior: gravações mostraram que o manifestante atacara os policiais em primeiro lugar. Qualquer alegação de “execução”, de que a polícia “fascista” assassinara à sangue frio um inocente, que a ditadura militar estava de volta ou outros chavões tão caros à moral de rebanho esquerdista ficou impossibilitada de circular pelos meios tradicionais – imprensa e redes sociais, sobretudo.

Então, aconteceu aquilo que ninguém, sobretudo a esquerda, sequer cogitou: um assassinato cometido pelos próprios manifestantes – a vítima, o cinegrafista da Rede Bandeirantes Santiago Andrade.

Não foi uma morte “indireta” ou “acidental”, muito menos provocada pela política “truculenta”, “despreparada” e “fascista”. A esquerda, cuja história está repleta de verdadeiros massacres – e cuja ideologia apregoa e utiliza a violência como meio legítimo de alcançar seus objetivos – é quem foi a responsável pela morte. Ela, que esperava um mártir para sua causa, conseguiu, de certo modo, um fantasma para assombrá-la.

Decerto a esquerda não esperava por isto, ficou atordoada. Tanto é que, nos primeiros dias, só houve o silêncio, e quando surgiram os primeiros indícios claros da ligação entre os assassinos e os Black Blocs (e, por tabela, toda a esquerda), verdadeira tropa de assalto das manifestações, a SS da esquerda (peço desculpas por fazer esta referência batida ao nazismo, mas creio que ficará mais claro para os esquerdistas entenderem, pois a utilizam a torto e a direito, ignorando os grupos de extermínio que são parte de sua própria história), começou o corre-corre para que se ocultasse e negasse a ligação.

O PSOL, por exemplo, condenou (com algum atraso) a violência dos Black Blocs e das manifestações e disse que nunca apoiara seus métodos. Correndo, retiraram de seu site um artigo que dizia justamente o contrário.

Sendo assim, mentiram. O PSOL apoiava, sim, o uso da violência – se não, por que nunca emitiu uma nota condenando-a? E um de seus heróis, Marcelo Freixo, já deixara isto bem claro. Aliás, foi seu nome que ganhou destaque com a entrada em cena de “Sininho”. (Para um resumo, ver aqui)

Tem-se, aqui, dois elementos que trabalham juntos em uma situação que a esquerda não esperava: primeiro, o assassinato do cinegrafista, cometido pelas forças da esquerda; segundo, a ação destrambelhada de Sininho tentando mostrar serviço, o que acabou por evidenciar a conexão Black Bloc-PSOL (e a aderência irrestrita do PSOL à violência como meio de ação legítimo).

Por que a esquerda não esperava isto? Por que precisou, depois, recorrer à teorias conspiratórias disseminadas pela internet – e que ganharam, inclusive, espaço no jornal O Globo – para aliviar o lado do PSOL e de Freixo (e da esquerda em geral)? Por que seus intelectuais orgânicos estrategicamente posicionados na “grande mídia” correram para defender seu herói e sua ideologia redentora?

Por que o Salão Nobre de uma universidade federal (IFCS/UFRJ) foi utilizado para um “ato em defesa” do grande herói, portador das virtudes mais elevadas, e ao mesmo tempo para condenar à mesma “grande mídia” da qual a intelectualidade orgânica se vale diariamente para sua doutrinação?

Simples: a esquerda não é capaz de reconhecer o acaso e o caráter contingencial da realidade como elementos cruciais para a composição da durée da vida. Não existe, no pensamento de esquerda, espaço para o acaso, para a contingência. Quem olhar para algumas teorias [sic] esquerdistas, como o marxismo e o feminismo, verá que estas nada mais são do que teorias conspiratórias (da história).

Por quê? Porque elas são capazes de colocar o mundo em ordem, de explicar tudo como fruto de maquinações de algumas pessoas: os “ricos” que se juntam para explorar os “pobres” em todos os momentos da História; os “homens” que se reúnem para subjugarem as “mulheres”, criando uma cultura machista mundial.

Luta de classe e patriarcado são chaves da história: explicam o mundo, dão sentido à História, facultam às pessoas um acesso a uma realidade mais verdadeira. Deste modo, tudo acontece por um motivo bem definido e identificado. Não há acidentes, nem imprevistos.

Localizando-se o problema, basta enfrentá-lo. A complexidade do mundo – o que impede sua compreensão total e, o mais importante, a resolução de todos os seus problemas de uma só vez – é reduzida, por todo o pensamento de matriz de esquerda (e aqui estou incluindo o nazi-fascismo, cujas ideias centrais seguem o mesmo caminho com simplificações grosseiras), a uma monocausalidade capenga.

psol[1]


Não é á toa que o pensamento esquerdista despreza a ideia de liberdade (usada somente como peça retórica, e às vezes nem assim a palavra liberdade é mobilizada), seu ódio à liberdade individual é palpável – a liberdade rompe com o mundo ordenado do esquerdismo.

A possibilidade dos indivíduos agirem livremente fere de morte os esquemas traçados pelo pensamento de esquerda. Não existem processos nem entidades personificadas que movem a história teleologicamente, mas sim indivíduos que agem de maneiras distintas e as consequências de suas ações produzem resultados imprevisíveis. São as consequências não intencionais da ação.

Quando o rojão que “deveria estar voltado para a polícia” matou Santiago Andrade ou quando Sininho revelou, por um acaso, a ligação Black Bloc-PSOL, trazendo à tona o nome de Marcelo Freixo, a narrativa da história imaginada pela esquerda foi rompida, quebrou-se, daí a correria para remendá-la, para lhe dar ordem novamente. Conspiração, perseguição, interesses da grande mídia – todos elementos que visam colocar a “história” nos eixos, que reconduzem a durée da vida aos seus trilhos “normais”, como postulado pela te(le)ologia da esquerda.

Ao fim e ao cabo, a esquerda é obcecada pelo controle, tanto é que seu esforça para controlar a História. Ao contrário do que os intelectuais da Escola de Frankfurt pudessem achar sobre a relação entre capitalismo, racionalidade, técnica, dominação, etc. – o fato é que é o esquerdismo a forma mais bem acabada desta racionalidade pautada no cálculo intenso, na previsão, no controle. E não é à toa que a esquerda defende tanto o Estado: qual a melhor maneira de dominar, calcular e prever que não através da burocracia estatal?

A burocracia, a forma mais acabada desta racionalidade, adequa-se perfeitamente ao pensamento de esquerda. Ela nega qualquer espaço para as ações individuais, para o exercício da liberdade, que é a única coisa capaz de perturbar a narrativa imaginada pela esquerda. Através do cálculo, exerce controle sobre as pessoas; através da previsão, busca contornar o acaso.

Mais do que a emergência (na internet) de um pensamento liberal/conservador/de direta/o que seja – muito disperso, altamente individualizado (e, por isto, imóvel) e sem qualquer instituição capaz de viabilizar eventuais ações – acredito que o assassinato de Santiago e o surgimento de Sininho foram os eventos que melhor conseguiram atingir a esquerda, pois abalou seus fundamentos e valores mais caros: a crença em sua capacidade de controlar a história, jogando-lhe na cara que suas chaves da história não abrem todas as portas.

Leo N.

5 comentários para “A esquerda, a História e o acaso: a obsessão pelo controle”


  1. Zé Azedo 
    Jovens, quando comunistas, ainda são idealistas e acreditam na ideologia. Já um pouco mais experientes,percebem a inviabilidade das teorias de base e aí ou se tornam liberais ou por puro interesse pessoal se mantém na comuna mamando em alguma teta e esperando sua Dacha na nomenklatura. Os líderes comunistas modernos, comungam com os velhos comandantes apenas o interesse pessoal (e do grupo) assim como a dialética e a guerra ideológica de classes.

  2. Rodrigo 
    Leo N., ótimo texto, parabéns!
    Durante toda a vida aprendemos a associar Nazismo com extrema direita, ou simplesmente direita.

    O nazismo realmente não tem nada a ver com a direita, nem do ponto de vista moral, nem do ponto de vista econômico.


    Há praticamente um consenso quando se identifica o nazismo com o mal, diferente de outros regimes tão imorais, cruéis e desastrosos quanto, como o comunismo da União Soviética, o regime cubano, o coreano, o maoismo, etc.

    Acredito que esteja mais do que na hora de se iniciar a produção de textos de forma sistemática focados em explicar que o nazismo é, na verdade, uma corrente de esquerda, de explorar esse capital político extremamente negativo, e colar os rótulos “nazista”, “fascista” no lugar certo.
    Forte abraço.

  3. Carvalho
    Bacana o texto, parabéns.
    Fico pensando o que vem antes, o ovo ou a galinha? Me explico.
    Esquerdistas são obcecados por controle ou pessoas obcecadas por controle se tornam esquerdistas? Aposto mais na segunda possibilidade e por conta disso parte do argumento do texto, especialmente o final, não me convence. 

    A morte do Santiago Andrade só afeta aqueles poucos militantes esquerdistas que acreditam na possibilidade de controle, de organizar a sociedade, de dirigir a história. São os idiotas úteis que conhecemos, gente razoavelmente inteligente e bem intencionada, porém ingênua ou imatura a ponto de acreditar na pataquada esquerdista. Esses podem se sensibilizar com essa tragédia e repensar suas idéias.

    Os líderes no entanto são os que comandam a reação e usam para isso os vagabundos mal-intencionados que compõe a outra parte das hostes esquerdistas. Estes não são idiotas úteis, são pessoas que percebem seu baixo valor pessoal, que não tem disposição para trabalhar duro no setor privado, e que se sujeitam a obedecer ordens de bandidos para ganhar a vida bancado pelo Estado. São os blogueiros, jornalistas, sociólogos que vemos todos os dias na TV.

    Os líderes e vagabundos fazem o contra-ataque, apagam as provas, tentam reescrever a história de acordo com suas conveniências. Eles não são atingidos em suas crenças pela morte do Santiago Andrade, consideram isso um percalço do processo revolucionário e sabem que a história não é linear. Eles próprios não acreditam na ideologia que pregam, apenas a usam para recrutar novos idiotas úteis.

    Somente o crescimento das ideias liberais e o desmascaramento constante das artimanhas esquerdistas pode combater isso. Podemos estar somente na Internet, mas antes sequer existíamos ! E temos que começar por algum lado, visto que as instituições estão tomadas pelos vermelhos…vamos à luta !!

  4. danir 
    Não obstante, eles continuam tentando e aplicando a lógica de lançar sobre os outros aquilo que intuitivamente e na maioria da vezes inconscientemente sabem que representa as suas próprias ideias e intenções. É interessante e trágico ao mesmo tempo ver a forma com que os defensores do psol e das esquerdas manifestam suas ideias malucas com a maior desfaçatez e com uma aparente confiança de que o que dizem é correto, lógico e necessário. Ou são mau intencionados, ou são coniventes ou são burros.

  5. Lancelot 
    Muito bom.

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