segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Maria Alice Setubal: "O que o PT faz hoje é de esquerda? Não sei "




A socióloga que coordena o programa de governo de Marina diz que Fernando Henrique está à frente do PSDB e que Lula pensa a política de um jeito antiquado.


Entre os principais colaboradores de Marina Silva, a candidata do PSB à Presidência, nenhum ganhou tanta visibilidade nos últimos dias quanto a socióloga Maria Alice Setubal, conhecida como Neca.

  Amiga de Marina, indicada por ela para coordenar o programa de governo de sua coligação, Maria Alice, de 63 anos, virou alvo preferencial dos ataques de outros candidatos, por ser filha do banqueiro Olavo Setubal, um dos maiores acionistas do banco Itaú, morto em 2008. 


Casada pela segunda vez, com o empresário Paulo Almeida Prado, dono do hotel Fazenda Capoava, em Itu, no interior de São Paulo, com três filhos do primeiro casamento,  Maria Alice se dedica hoje, praticamente em tempo integral, ao mundo da política e à campanha eleitoral.  


Nesta entrevista, ela fala de sua ligação com Marina, de sua atuação política e do preconceito que sofreu por ter nascido em família rica e viver em redutos da esquerda. “Tenho orgulho de minha família e entendo que minha origem seja importante, mas não faz sentido reduzir meu currículo a isso”, diz.
 
ÉPOCA –  No debate da Band na semana passada, alguns  candidatos a chamaram de “banqueira” e “herdeira do Itaú”. Também atribuíram à senhora a proposta de conceder autonomia ao Banco Central, encampada por Marina. Como a senhora reage a isso? ...
 
Maria Alice Setubal – Sou parte da família, sou acionista. Sempre tive um ótimo relacionamento com eles e tenho orgulho de meu pai (Olavo Setubal, responsável pelo grande salto do banco, nos anos 1960 e 1970) e de meu irmão Roberto (atual presidente do Itaú Unibanco), padrinho do meu filho mais velho. Mas nunca ocupei nenhum cargo no banco. Entendo que seja importante e que tenha de responder por isso, mas minha atuação sempre foi nas áreas de educação e social. Acho uma pena que seja assim, reduzir meu currículo a isso. Tenho uma história, uma legitimidade e, hoje, tenho muito mais segurança e tranquilidade para lidar com essa questão.
 
ÉPOCA –  Como foi sua aproximação com Marina?


Maria Alice – Foi uma descoberta, em 2009. Marina me encantou. Eu a conheci por meio do Movimento Brasil Sustentável, que a apoiava. Era um grupo que já conhecia havia anos, de que faziam parte os empresários Guilherme Leal (um dos fundadores da Natura e candidato a vice-presidente de Marina em 2010), meu amigo desde a adolescência, Oded Grajew (um dos fundadores do Movimento Nacional das Bases Empresariais, o PNBE, em 1989, e ex-presidente da Associação Brasileira dos Fabricantes de Brinquedos, a Abrinq) e Ricardo Young (vereador do PPS em São Paulo, ex-presidente do Instituto Ethos e também ex-integrante do PNBE). Era um grupo muito confiável. Guilherme me perguntou se eu não queria ajudar na campanha na área da educação, e eu fui. Fui assistir a uma palestra de Marina em São Paulo e fiquei encantada.
 
ÉPOCA – Hoje, além do forte vínculo político, a senhora e Marina dizem que são muito amigas. Que amizade é essa? Vão ao cinema juntas, saem para jantar juntas com os maridos?


Maria Alice –  Não, porque o marido dela mora no Acre, e ela está com apartamento em São Paulo, como Eduardo (Campos) estava, e Brasília. Está praticamente sediada em São Paulo hoje. Meu marido  mora na fazenda, em Itu, no interior de São Paulo. Fábio (marido de Marina) ainda não esteve lá, mas Marina já foi duas vezes à fazenda, conhece o Paulo (marido de Maria Alice), e ele gosta muito dela. Não vamos ao cinema juntas, mas falamos muito ao telefone.
 
ÉPOCA – Marina liga de madrugada?

Maria Alice – Ela não é o (José) Serra (ex-governador de São Paulo), mas a gente se fala cedo, de noite...
 
ÉPOCA – Dizem que sua influência com Marina é tão grande que, no debate, a senhora avisou para ela tirar os óculos. Como foi isso?

Maria Alice – Os óculos eram meus. Temos o mesmo grau. Logo que começou o debate, veio uma enxurrada de mensagens pelo celular, pedindo para ela tirar os óculos. Era uma armação grande, vermelha, e ela estava olhando por cima. Não dava para ver o olho – e ela tem um olhar firme. Achei engraçado que um dos comentários era de um dos meus filhos: “Mãe, ela está ótima. Está indo muito bem, mas o que são esses óculos bizarros?”.


ÉPOCA – Como Marina decide?


Maria Alice – Ela escuta muito. Sempre se diz que ela é intolerante, intransigente e não dialoga. Mas ela escuta as pessoas. Isso não quer dizer que ela seja alguém que demore séculos para tomar uma decisão. Como você viu nos debates, ela é uma pessoa que toma decisão de bate-pronto. Tem convicções firmes, e isso às vezes é confundido com intransigência, mas não é.
 
ÉPOCA – Qual sua opinião sobre Lula e Fernando Henrique?


Maria Alice – Admiro ambos. Fernando Henrique está muito à frente do PSDB. Ele compreende mais que qualquer outro do partido os movimentos de junho e o que se passa no mundo. Entende a Marina, tem um ótimo diálogo com ela. Lula também admiro muitíssimo, a história de vida dele. Acho que ele fez o Brasil mudar. Claro que o PSDB abriu o caminho com Fernando Henrique, com a estabilidade econômica. Se não fosse isso, Lula não teria conseguido fazer o que fez. Hoje, se a gente avaliar pela área social, onde mais milito, o Brasil é outro mundo. Só que Lula continua com o mesmo discurso de 2010. Não percebeu que o mundo mudou, e o Brasil também. Lula ainda pensa a política por meio das grandes estruturas, que são as estruturas sindicais, político-partidárias. Não consegue perceber que há algo maior hoje, embora ainda seja difuso. São essas figuras difusas que votam na Marina. As pessoas não querem mais ficar submissas aos partidos, aos sindicatos, às ONGs.
 
ÉPOCA –  O que a senhora pensa da presidente Dilma?
 
Maria Alice – Dilma é o oposto de Marina. Ela não ouve. Agora, é uma pessoa íntegra, que acredita na causa. Tem um compromisso com o país – dentro do modelo dela, do qual discordo – e é centralizadora.


ÉPOCA –  Como começou sua atividade política?


Maria Alice – Nunca havia me filiado a um partido. Nos anos 1970, na época da faculdade, participei de algumas reuniões do MDB, mas nunca me filiei. Nunca votei num candidato por causa de partido. Votei várias vezes em candidatos do PT, várias vezes no Lula. Luiza Erundina (ex-prefeita de São Paulo, deputada federal pelo PSB e coordenadora da atual campanha de Marina) também era uma candidata minha. Eventualmente, votei também em candidatos do PSDB. Meus filhos falam: “Mãe, para você só a Marina, mesmo”, porque eu já havia tido outros convites, mas nunca havia aceitado nenhum.


ÉPOCA – A senhora se considera de esquerda?


Maria Alice – Tenho um compromisso com a justiça social, com a sustentabilidade, com a liberdade, a democracia. Agora, se isso é ser de esquerda ou direita, não sei. Ser de esquerda é o que o PT faz hoje? Não sei.
 
ÉPOCA – A senhora já defendeu a cobrança de impostos sobre grandes fortunas. Ainda mantém essa posição?


Maria Alice – Falo do ponto de vista pessoal, porque não faz parte do programa de governo da Marina. É algo importante, que o Brasil deveria ter, como os Estados Unidos e países da Europa. Isso não trará mais recursos para educação, saúde, mas tem um simbolismo importante. Sei que isso é controverso e fará com que muitas pessoas levem seus recursos para fora, como acontece na França hoje, mas dará um sinal importante à sociedade.


ÉPOCA – A senhora vem de uma família de acionistas do banco Itaú e estudou ciências sociais na USP,  um dos principais polos da esquerda do país. Como era viver nesses dois mundos?


Maria Alice – Entrei na USP em 1970, no auge da repressão. Meu pai (o banqueiro Olavo Setubal) ainda não era prefeito de São Paulo. Só foi prefeito cinco anos depois, quando eu estava no mestrado. Era muito difícil para mim, uma relação muito ambígua de conseguir lidar, naquela época. Sempre tinha a sensação de que deveria ter a palavra mais radical possível, para poder ser aceita, para contrabalançar. Paulo, meu irmão, que estudava engenharia na FEI, queria que meu pai me proibisse de ir para a USP, dizia que era um antro de comunistas, mas ele respeitava muito o meu jeito de ser. Ele tinha muito orgulho,  incentivava e queria ver os textos que eu lia, os estudos do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento) de José Arthur Giannotti, de Octavio Ianni. Era uma forma também de ele saber o que eles estavam pensando. A vida inteira meu pai, enquanto ele estava bem, convidava para almoçar lá no banco vários petistas, deputados, senadores. Ele gostava de conhecer as opiniões. Me lembro de vê-lo lá com o (economista do PT) Paul Singer, a Marta Suplicy (atual ministra da Cultura, do PT). 
 
ÉPOCA – Se Marina for eleita, a senhora trabalhará no governo?
Maria Alice – A gente nunca conversou sobre isso. Só sei que estarei com ela. Como? Do jeito que ela achar melhor.

Fonte: Por JOSÉ FUCS, revista Época - 31/08/2014 - - 11:32:17
 
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