A cada novo escândalo envolvendo as empresas estatais, lembro-me de
frase curiosa do diplomata e economista Roberto Campos: “A diferença
entre a empresa privada e a empresa pública é que aquela é controlada
pelo governo, e esta por ninguém.” ...
No Brasil, mesmo após tantas discussões sobre as privatizações, ainda
existe uma centena de empresas estatais que empregam mais de meio milhão
de funcionários e movimentam, anualmente, R$ 1,4 trilhão, montante
superior ao PIB da Argentina.
Apenas os investimentos do Grupo Petrobras no ano passado somaram R$
99,2 bilhões, o dobro dos investimentos federais dos Três Poderes
(Executivo, Legislativo e Judiciário).
A conjunção de recursos volumosos, ingerência política e pouca
transparência fez das estatais a Disneylândia dos políticos. Afinal,
parafraseando Milton Nascimento na canção “Nos bailes da vida”, o
corrupto vai aonde o dinheiro está.
O ex-deputado e hoje condenado Roberto Jefferson, no seu livro “Nervos
de aço”, referindo-se aos Correios, confessa: “... é evidente que as
nomeações feitas pelo PTB se prendiam, sim, a uma estratégia de captação
de recursos eleitorais. Nunca neguei isso.”
Essa lógica parece ser a mesma da camarilha infestada na Petrobras para
intermediar negócios entre empreiteiras, prestadoras de serviços e
políticos. A cada contrato, 3% para a patota. Se o próprio ex-diretor de
operações Paulo Costa se ofereceu para devolver US$ 23 milhões, dá para
imaginar o tamanho do rombo.
A movimentação financeira irregular já identificada na operação
Lava-Jato chega a R$ 10 bilhões, oriundos não só do desvio de dinheiro
público, mas também de tráfico de drogas e contrabando de pedras
preciosas. A importância faz o mensalão (R$ 141 milhões) parecer roubo
de galinha.
De fato, as estatais são figurinhas carimbadas nos escândalos recentes.
Com as eleições cada vez mais caras — e muitos ainda se valem dos
pleitos para aumentar o próprio patrimônio — os partidos aparelham as
empresas indicando “operadores” ou utilizam servidores de carreira
filiados para viabilizar ganhos ilícitos em obras, contratos de
prestação de serviços, aquisição de equipamentos ou, ainda, nos fundos
de pensão. Quanto mais esses delinquentes “arrecadam”, mais são
valorizados politicamente.
Como consequência da interferência do governo, a Petrobras e a
Eletrobras se apequenaram como “autarquias” vinculadas ao Ministério da
Fazenda, reféns da política econômica. Na Petrobras, a contenção dos
preços dos combustíveis, para empurrar a inflação com a barriga até
depois das eleições, afetou o caixa e a rentabilidade da empresa.
Na Eletrobras, as ações viraram “mico” após o subsídio ao uso das
usinas térmicas e a redução das tarifas de energia. Em 2013, segundo
cálculos do economista José Roberto Afonso, as duas estatais tiveram
déficit primário de 0,71% do Produto Interno Bruto (0,09% para a
Eletrobras e 0,62% para a Petrobras). Em conjunto, investiram 2,2% do
PIB, mas tomaram 1,58% do mesmo em operações de crédito. Se fossem
empresas privadas, quebrariam.
As estatais fogem da transparência como o diabo da cruz. Incluídas na
Lei de Acesso à Informação (lei 12.527), pressionaram o governo e foram
praticamente excluídas da obrigatoriedade de prestarem informações à
sociedade pelo decreto 7.724. Algumas situações beiram o ridículo.
No primeiro dia da vigência da lei, a Associação Contas Abertas
solicitou à Petrobras o Programa de Dispêndios Globais (PDG), conjunto
de informações relacionado às receitas, dispêndios e necessidades de
financiamento.
A empresa negou sob a alegação de que “a informação não podia ser
fornecida por comprometer a competitividade, a governança corporativa
e/ou os interesses dos acionistas minoritários”. O próprio governo
federal enviou-nos os dados.
Na verdade, o que hoje compromete a governança das estatais é,
justamente, a falta de transparência. Os investimentos das estatais em
julho, por exemplo, só serão conhecidos no fim de setembro. Sequer
existe um portal com informações atualizadas e detalhadas sobre esse
segmento.
Na Petrobras, os mistérios são tantos que a Diretoria e o Conselho de
Administração sequer desconfiavam do que Dilma e Lula costumam chamar de
“malfeito”, expressão que minha avó usava quando fazia um bolo e ele
solava. No bom português, o que aconteceu na Petrobras envolve peculato,
lavagem de dinheiro e formação de quadrilha.
Voltando à frase de Roberto Campos, já é tempo de as empresas públicas serem controladas pela sociedade.
Gil Castello Branco é economista e fundador da organização não governamental Associação Contas Abertas.
Fonte: Por GIL CASTELLO BRANCO, O Globo / blog do RICARDO NOBLAT - 16/09/2014 - - 18:00:59
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