BLOG do SOMBRA
Em artigo publicado
na Folha, Sérgio Malberger levanta uma questão interessante: há como
construir um país melhor diante de tanta ignorância – ou estupidez
mesmo, para usar o termo politicamente incorreto – de grande parte dos
eleitores? É possível evitar a exploração populista dessa gente
manipulável? Diz ele:
O fator mais
influente desta eleição presidencial é a ignorância do eleitorado. As
campanhas miram na ignorância das massas e nela investem suas forças.
Não para esclarecê-las, mas para eleger seus candidatos. Isso não é
ilegal e é muito eficiente. Mas para onde vai nos levar? E para onde não
vai nos levar? ...
Em seguida, o autor nos compara com outros países, europeus, que
sofreram com a crise de 2008 e derrubaram seus governantes após ouvirem e
concordarem com as propostas da oposição, incluindo a da necessária
austeridade fiscal.
Acho ele otimista demais com a racionalidade dos eleitores europeus,
mas o ponto é válido: nesses países, como Inglaterra e Espanha, houve
debates voltados para propostas, o que surtiu efeito positivo. Já por
aqui:
Corta para o Brasil. Quem ousa propor austeridade pública, um princípio
no mínimo defensável em qualquer momento e especialmente aqui e agora, é
acusado imediata e intensamente de insensibilidade com o povo,
antipobre, pró-demissões, vendido aos banqueiros, capitalista desalmado
etc.
Qualquer debate minimamente propositivo e esclarecedor é transformado
deliberadamente numa lama que deixa tudo no chão. O cinismo adiciona insulto à injúria.
Assim como no resto da América Latina,
o Estado é visto no Brasil como provedor natural de benesses à
população tão sofrida e maltratada. O problema da solução populista é
que, além de ineficaz, é sempre irracional e emotiva.
Como negar? Os fatos, por aqui, são menos importantes do que a propaganda enganosa,
as emoções, o discurso eleitoral. Apostar na ignorância do povo,
portanto, seria uma tática vencedora na política nacional, segundo essa
visão pessimista (ou realista?).
Confesso não ter muito como refutá-la. Hoje mesmo desabafei, afirmei
que bate um desânimo enorme quando um escândalo como o da Petrobras vem à tona
e Dilma sobe nas pesquisas. Mas tenho para mim que a culpa maior não é
exatamente das tais massas. Afinal, o “povão”, até por definição, não é
quem lidera uma nação.
São as elites. Eis o fardo das elites: liderar. Quando a qualidade
dessas elites é ruim, quando elas só querem saber de pilhar, de
participar do butim, de explorar os outros com foco no curto prazo, pois o país não tem jeito mesmo, aí fica complicado mudar o quadro.
Quem dissemina socialismo país afora por décadas, nas escolas, nas
universidades, nas novelas, nas artes, não é o “povão”, mas sim as
elites. Quem endossa o nacional-desenvolvimentismo fracassado não é a
massa, mas a turma da Unicamp. Quem flerta com a “democracia direta”
e elogia o modelo venezuelano não é o operário, mas o “intelectual”.
Quem demoniza o conceito de elite é a própria elite, não o homem do
povo.
O Brasil é um país no qual banqueiros financiam o PT! Ou onde
empresários pedem apenas mais privilégios, subsídios do BNDES, barreiras
protecionistas, tudo para impedir a livre concorrência e se beneficiar no curto prazo, alimentando um monstrengo que depois irá devorá-los com tanto poder arbitrário concentrado.
Freud, que é visto como “subversivo” por muitos e aplaudido pelos
“progressistas”, tinha uma visão conservadora de mundo, bastante
aristocrática e cética quando à natureza humana.
Ele entendia bem o preço da civilização, e sabia que os instintos,
deixados livres e sem freios, tendiam à destruição. Em uma passagem de O
futuro de uma ilusão, ele chega a defender um modelo coercitivo contra a
utopia da “liberdade plena”:
Acho que se tem de levar em conta
o fato de estarem presentes em todos os homens tendências destrutivas
e, portanto, anti-sociais e anticulturais, e que, num grande número de
pessoas, essas tendências são suficientemente fortes para determinar o
comportamento delas na sociedade humana.
[...] É tão impossível passar sem o controle da massa por uma minoria,
quanto dispensar a coerção no trabalho da civilização. Já que as massas
são preguiçosas e pouco inteligentes; não têm amor à renúncia instintiva
e não podem ser convencidas pelo argumento de sua inevitabilidade; os
indivíduos que as compõem apóiam-se uns aos outros em dar rédea livre a
sua indisciplina.
Uma passagem sem dúvida elitista, e até “autoritária”, eu diria. Mas
tem alguma mentira? Sabemos que é uma mensagem politicamente incorreta e
que seria suicídio eleitoral na boca de algum político. Felizmente não
sou político. Quero apenas buscar a verdade. E acredito que ela não deva
ser substituída pela busca de conforto, regozijo pessoal ou aplausos da
plateia.
Se as massas são como “bóias à deriva”,
como dizia Ortega y Gasset, e as elites são formadas por aqueles que
assumem as rédeas da própria vida e aceitam o fardo de liderar, de
renunciar a esse “instinto” que pode ser pura “pulsão de morte”, então
nosso problema está mesmo na qualidade das elites.
São essas, afinal, que têm dado o pior exemplo possível aos demais,
propagando o hedonismo inconsequente, deturpando os valores morais,
banalizando os “malfeitos”, ridicularizando as velhas virtudes, adotando
uma visão extremamente míope, que não permite vislumbrar um horizonte
maior do que alguns poucos anos à frente.
Nossa elite, em geral, é formada por populistas, não estadistas. Basta
dizer que Dilma e Aécio Neves estão empatados na faixa de eleitores com
curso superior. Acho injusto, portanto, responsabilizar apenas ou
principalmente as massas pela pobreza do debate político em nosso país…
PS: Tenho dois conhecidos muito inteligentes, irmãos, que passaram em
concursos públicos, e que em 2010 resolveram “debater” política comigo,
alegando que Dilma era melhor do que Serra e que faria um bom governo.
Racionalização para justificar suas escolhas profissionais, talvez? Não
sei. O fato é que tenho muito mais raiva ou desprezo de gente assim do
que de dona Nalvinha, aquela que idolatra Dilma porque ganhou uma
dentadura nova. Acho que isso resume bem o espírito desse texto.
Rodrigo Constantino
Fonte: Coluna do RODRIGO CONSTANTINO - 12/09/2014 - - 05:27:12
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