sexta-feira, 12 de setembro de 2014

Opinião: É a estupidez das massas ou a das elites?

BLOG do SOMBRA

Em artigo publicado na Folha, Sérgio Malberger levanta uma questão interessante: há como construir um país melhor diante de tanta ignorância – ou estupidez mesmo, para usar o termo politicamente incorreto – de grande parte dos eleitores? É possível evitar a exploração populista dessa gente manipulável? Diz ele:
 
O fator mais influente desta eleição presidencial é a ignorância do eleitorado. As campanhas miram na ignorância das massas e nela investem suas forças. Não para esclarecê-las, mas para eleger seus candidatos. Isso não é ilegal e é muito eficiente. Mas para onde vai nos levar? E para onde não vai nos levar? ...
 
Em seguida, o autor nos compara com outros países, europeus, que sofreram com a crise de 2008 e derrubaram seus governantes após ouvirem e concordarem com as propostas da oposição, incluindo a da necessária austeridade fiscal.
 
Acho ele otimista demais com a racionalidade dos eleitores europeus, mas o ponto é válido: nesses países, como Inglaterra e Espanha, houve debates voltados para propostas, o que surtiu efeito positivo. Já por aqui:
 
Corta para o Brasil. Quem ousa propor austeridade pública, um princípio no mínimo defensável em qualquer momento e especialmente aqui e agora, é acusado imediata e intensamente de insensibilidade com o povo, antipobre, pró-demissões, vendido aos banqueiros, capitalista desalmado etc.
 
Qualquer debate minimamente propositivo e esclarecedor é transformado deliberadamente numa lama que deixa tudo no chão. O cinismo adiciona insulto à injúria.
 
Assim como no resto da América Latina, o Estado é visto no Brasil como provedor natural de benesses à população tão sofrida e maltratada. O problema da solução populista é que, além de ineficaz, é sempre irracional e emotiva.
 
Como negar? Os fatos, por aqui, são menos importantes do que a propaganda enganosa, as emoções, o discurso eleitoral. Apostar na ignorância do povo, portanto, seria uma tática vencedora na política nacional, segundo essa visão pessimista (ou realista?).
 
Confesso não ter muito como refutá-la. Hoje mesmo desabafei, afirmei que bate um desânimo enorme quando um escândalo como o da Petrobras vem à tona e Dilma sobe nas pesquisas. Mas tenho para mim que a culpa maior não é exatamente das tais massas. Afinal, o “povão”, até por definição, não é quem lidera uma nação.
 
São as elites. Eis o fardo das elites: liderar. Quando a qualidade dessas elites é ruim, quando elas só querem saber de pilhar, de participar do butim, de explorar os outros com foco no curto prazo, pois o país não tem jeito mesmo, aí fica complicado mudar o quadro.
 
Quem dissemina socialismo país afora por décadas, nas escolas, nas universidades, nas novelas, nas artes, não é o “povão”, mas sim as elites. Quem endossa o nacional-desenvolvimentismo fracassado não é a massa, mas a turma da Unicamp. Quem flerta com a “democracia direta” e elogia o modelo venezuelano não é o operário, mas o “intelectual”. Quem demoniza o conceito de elite é a própria elite, não o homem do povo.
 
O Brasil é um país no qual banqueiros financiam o PT! Ou onde empresários pedem apenas mais privilégios, subsídios do BNDES, barreiras protecionistas, tudo para impedir a livre concorrência e se beneficiar no curto prazo, alimentando um monstrengo que depois irá devorá-los com tanto poder arbitrário concentrado.
 
Freud, que é visto como “subversivo” por muitos e aplaudido pelos “progressistas”, tinha uma visão conservadora de mundo, bastante aristocrática e cética quando à natureza humana. Ele entendia bem o preço da civilização, e sabia que os instintos, deixados livres e sem freios, tendiam à destruição. Em uma passagem de O futuro de uma ilusão, ele chega a defender um modelo coercitivo contra a utopia da “liberdade plena”:
 
Acho que se tem de levar em conta o fato de estarem presentes em todos os homens tendências destrutivas e, portanto, anti-sociais e anticulturais, e que, num grande número de pessoas, essas tendências são suficientemente fortes para determinar o comportamento delas na sociedade humana.
 
[...] É tão impossível passar sem o controle da massa por uma minoria, quanto dispensar a coerção no trabalho da civilização. Já que as massas são preguiçosas e pouco inteligentes; não têm amor à renúncia instintiva e não podem ser convencidas pelo argumento de sua inevitabilidade; os indivíduos que as compõem apóiam-se uns aos outros em dar rédea livre a sua indisciplina.
 
Uma passagem sem dúvida elitista, e até “autoritária”, eu diria. Mas tem alguma mentira? Sabemos que é uma mensagem politicamente incorreta e que seria suicídio eleitoral na boca de algum político. Felizmente não sou político. Quero apenas buscar a verdade. E acredito que ela não deva ser substituída pela busca de conforto, regozijo pessoal ou aplausos da plateia.
 
Se as massas são como “bóias à deriva”, como dizia Ortega y Gasset, e as elites são formadas por aqueles que assumem as rédeas da própria vida e aceitam o fardo de liderar, de renunciar a esse “instinto” que pode ser pura “pulsão de morte”, então nosso problema está mesmo na qualidade das elites.
 
São essas, afinal, que têm dado o pior exemplo possível aos demais, propagando o hedonismo inconsequente, deturpando os valores morais, banalizando os “malfeitos”, ridicularizando as velhas virtudes, adotando uma visão extremamente míope, que não permite vislumbrar um horizonte maior do que alguns poucos anos à frente.
 
Nossa elite, em geral, é formada por populistas, não estadistas. Basta dizer que Dilma e Aécio Neves estão empatados na faixa de eleitores com curso superior. Acho injusto, portanto, responsabilizar apenas ou principalmente as massas pela pobreza do debate político em nosso país…
 
PS: Tenho dois conhecidos muito inteligentes, irmãos, que passaram em concursos públicos, e que em 2010 resolveram “debater” política comigo, alegando que Dilma era melhor do que Serra e que faria um bom governo. Racionalização para justificar suas escolhas profissionais, talvez? Não sei. O fato é que tenho muito mais raiva ou desprezo de gente assim do que de dona Nalvinha, aquela que idolatra Dilma porque ganhou uma dentadura nova. Acho que isso resume bem o espírito desse texto.
 
Rodrigo Constantino
Fonte: Coluna do RODRIGO CONSTANTINO - 12/09/2014 - - 05:27:12

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