Na manhã da quinta-feira 30, a presidenta Dilma Rousseff viajou para a
Base Naval de Aratu, na Bahia, para alguns dias de descanso.
Exausta devido aos quatro meses de acirrada campanha eleitoral, Dilma se recolheu para recarregar as baterias e refletir sobre o segundo mandato, conquistado nas urnas com os votos de 54,5 milhões de brasileiros – o equivalente a 51,6% do eleitorado, a margem mais estreita sobre o segundo colocado desde a redemocratização.
A missão que Dilma tem pela frente não é nada fácil. Mas já na largada ela mostrou que está mais perto de cometer os erros que marcaram seus quatro primeiros anos de governo do que compreender o clamor das ruas.
Foi um mau começo. Quando a população esperava definições concretas sobre os rumos econômicos e renovação das práticas políticas, o governo se limitou a promover o lançamento de balões de ensaio com nomes para o Ministério da Fazenda e a manter o relacionamento conflituoso com o Congresso Nacional.
Ainda não houve uma ampla reunião ministerial entre Dilma e os integrantes do primeiro escalão para tratar do novo governo. Ela limitou-se a despachar com a equipe econômica na terça-feira 28 para revisar a lei orçamentária. Também não foram registradas audiências com governadores eleitos.
Apenas conversas com auxiliares mais próximos, como o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o vice-presidente, Michel Temer, e diletos companheiros de sempre, como o ex-presidente Lula.
Responsável por fazer a ponte com os movimentos sociais, Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, nem sequer esteve com a presidenta nos dias que em tese deveriam ser os primeiros sete dias do segundo mandato. No governo, comenta-se que Gilbertinho, como é conhecido no PT, está com os dias contados no Planalto, o que justificaria essa atitude de Dilma.
Antes mesmo do resultado da eleição, ele já teria conversado com a presidenta sobre sua saída, provavelmente para um cargo de segundo escalão na área social. Nesse caso, a troca já poderia ter sido concretizada, mas a presidenta preferiu adiar também essa questão.
A falta de ações enérgicas e imediatas, a fim de corrigir erros do passado, gerou consequências deletérias para o País.
Na sexta-feira 31, foi anunciado que o Tesouro Nacional passou a ser deficitário no ano em R$ 15,7 bilhões, um rombo recorde no acumulado até setembro, fato que acontece pela primeira vez desde o Plano Real.
Traduzindo para o português claro, o governo federal precisou, de janeiro a setembro, se endividar para fazer os pagamentos rotineiros e as obras de infraestrutura, provocando um déficit nas contas públicas inédito em duas décadas.
Na quarta-feira 29, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, havia aumentado a taxa básica e os juros (Selic) de 11% para 11,25% ao ano. A decisão surpreendeu o mercado financeiro e assustou os eleitores.
Durante a campanha, como parte da estratégia de desconstruir os concorrentes, a presidenta Dilma disse que os adversários eram ligados a banqueiros e tomariam medidas impopulares. Reeleita, a presidenta segue exatamente esse caminho.
Diferentemente do que a presidenta pregou nos últimos meses, ao subir a Selic o governo recorre a um fundamento econômico que reforça a estagnação da economia brasileira. Em vez de provocar sobressaltos na população, o ideal seria que o governo anunciasse logo o nome do futuro ministro da Fazenda.
Desde que a presidenta anunciou que Mantega não continuará no cargo, há uma grande expectativa sobre quem o substituirá. O perfil no novo titular da Fazenda será determinante para se saber se o Planalto pretende dar uma guinada em um modelo que não deu certo e se tomará as medidas necessárias para o país retomar o crescimento.
No governo, os nomes mais falados são o do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, afinado com o mercado, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles e dois personagens que já passaram pelo governo: o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa e o ex-presidente do Banco do Brasil Rossano Maranhão.
A demora em escolher a pessoa responsável por conduzir a economia do Brasil só agrava os problemas sentidos pela população e expostos durante a campanha eleitoral.
PRIMEIRO DISCURSO
Dilma Rousseff usou boa parte de seu pronunciamento
para agradar a plateia de militantes
Os equívocos ficaram evidentes já no discurso de vitória, feito em Brasília, na noite do domingo 26, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou o resultado da votação. Embora falasse para todo o País e tivesse aparecido de trajes na cor branca, o que seria um sinal importante, a presidenta usou boa parte de sua fala para agradar a plateia de militantes que lotou o auditório do hotel de luxo escolhido para a comemoração petista. Ao apresentar suas propostas para o futuro, ela demonstrou que continua prisioneira do passado. A falta de rumo pôde ser observada, por exemplo, em relação à reforma política, uma reivindicação real feita por diferentes setores da sociedade, incluindo governo e oposição.
Para resolver os graves problemas decorrentes de regras inadequadas para o funcionamento do sistema representativo brasileiro, a presidenta apontou o caminho do plebiscito. “Como instrumento dessa consulta, o plebiscito, nós vamos encontrar a força e a legitimidade exigidas neste momento de transformação para levarmos à frente a reforma política”, afirmou a presidenta.
Difícil compreender as razões que levaram Dilma a reapresentar essa proposta, anunciada de forma desesperada no ano passado para conter a onda de manifestações, em grande parte violentas, que sacudiram as principais cidades brasileiras no mês de junho. Já na época, essa sugestão foi enterrada pelo Congresso e, até pelo vice-presidente, Michel Temer, que aconselhou a titular a desistir da idéia.
O filme se repetiu. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, reagiram de pronto contra a proposta, que subtrairia de deputados e senadores o poder de elaborar a lei.
Na terça-feira 28, Temer esteve com Dilma e, mais uma vez, a alertou sobre a impropriedade da iniciativa. Dilma, de novo, recuou. “Acho que não interessa muito se é referendo ou plebiscito. Pode ser uma coisa ou outra”, afirmou a presidenta.
A tentativa de submeter a mudança na legislação a uma consulta prévia da sociedade soa como música nos ouvidos dos militantes mais radicais, que a rodeavam na noite do discurso e que engrossaram as fileiras dos ataques aos adversários no período eleitoral.
Mas, além de rechaçada pelo Parlamento, até onde se pode imaginar a proposta se revela inexequível do ponto de vista prático. Para se realizar o plebiscito, o Congresso teria de elaborar uma relação de temas com alternativas a serem escolhidos pela população.
A cédula de votação listaria temas inóspitos e, muitas vezes, indecifráveis até por especialistas. Os eleitores precisariam decidir entre o sistema proporcional e o voto distrital, o financiamento público ou privado, lista fechada ou aberta.
Para se completar o novo modelo político a ser adotado no Brasil, seriam necessárias dezenas de perguntas sobre assuntos demasiadamente específicos para quem não vive em função da política. Nesse contexto, parece muito mais lógica a ideia, aceita pelos aliados, de discutir e aprovar a reforma política no Congresso e, depois, submetê-la a um referendo para aumentar sua legitimidade.
Será com esses aliados, refratários à tese do plebiscito, que Dilma terá de rever a forma de relacionamento, quando retornar da Bahia para Brasília. Se quiser melhorar esse convívio, terá de aprender a dialogar com parlamentares e ter mais jogo de cintura político, característica que até hoje não demonstrou possuir. Eleita em uma coalizão partidária ampla, difusa e ávida por cargos e verbas, a presidenta sentiu, já na semana passada, um pouco das dificuldades que terá pela frente. Na noite da terça-feira 28, a Câmara derrotou o governo e rejeitou o decreto baixado por ela para tentar criar conselhos populares em todos os órgãos governamentais. Essas instâncias poriam em prática a Política Nacional de Participação Social, uma diretriz que determinaria a promoção de consultas populares na definição dos rumos a serem tomados pelos diferentes setores da administração pública. Os deputados rechaçaram a proposta, considerada prioritária pelo Palácio. Como o texto ainda segue para o Senado, Renan Calheiros já avisou que lá o governo também deverá amargar uma derrota.
Além de um recado sobre o grau de dificuldades que os congressistas podem criar para o governo, a derrubada do decreto foi também uma manifestação da mágoa de alguns aliados com o comportamento da cúpula da campanha de Dilma. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, por exemplo, não escondeu seu descontentamento com o fato de o ex-presidente Lula ter gravado um vídeo de apoio a seu adversário da disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD).
Como demonstrou a primeira semana depois da reeleição de Dilma, lidar com a base partidária será uma das tarefas mais difíceis do quarto mandato petista no Palácio do Planalto. A exemplo do que ocorreu no primeiro mandato, a formação da maioria parlamentar não deveria mais ser guiada pelo critério da cooptação de políticos acostumados ao toma lá dá cá que predomina há décadas no País.
As consequências desse modelo de alianças, a história comprova, são o aparelhamento do Estado, o fisiologismo e a corrupção. Mas as imagens transmitidas ao vivo do discurso da vitória mostram que Dilma tende a seguir pelo mesmo caminho.
Exausta devido aos quatro meses de acirrada campanha eleitoral, Dilma se recolheu para recarregar as baterias e refletir sobre o segundo mandato, conquistado nas urnas com os votos de 54,5 milhões de brasileiros – o equivalente a 51,6% do eleitorado, a margem mais estreita sobre o segundo colocado desde a redemocratização.
A missão que Dilma tem pela frente não é nada fácil. Mas já na largada ela mostrou que está mais perto de cometer os erros que marcaram seus quatro primeiros anos de governo do que compreender o clamor das ruas.
Foi um mau começo. Quando a população esperava definições concretas sobre os rumos econômicos e renovação das práticas políticas, o governo se limitou a promover o lançamento de balões de ensaio com nomes para o Ministério da Fazenda e a manter o relacionamento conflituoso com o Congresso Nacional.
Ainda não houve uma ampla reunião ministerial entre Dilma e os integrantes do primeiro escalão para tratar do novo governo. Ela limitou-se a despachar com a equipe econômica na terça-feira 28 para revisar a lei orçamentária. Também não foram registradas audiências com governadores eleitos.
Apenas conversas com auxiliares mais próximos, como o chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, o vice-presidente, Michel Temer, e diletos companheiros de sempre, como o ex-presidente Lula.
Responsável por fazer a ponte com os movimentos sociais, Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência, nem sequer esteve com a presidenta nos dias que em tese deveriam ser os primeiros sete dias do segundo mandato. No governo, comenta-se que Gilbertinho, como é conhecido no PT, está com os dias contados no Planalto, o que justificaria essa atitude de Dilma.
Antes mesmo do resultado da eleição, ele já teria conversado com a presidenta sobre sua saída, provavelmente para um cargo de segundo escalão na área social. Nesse caso, a troca já poderia ter sido concretizada, mas a presidenta preferiu adiar também essa questão.
A falta de ações enérgicas e imediatas, a fim de corrigir erros do passado, gerou consequências deletérias para o País.
Na sexta-feira 31, foi anunciado que o Tesouro Nacional passou a ser deficitário no ano em R$ 15,7 bilhões, um rombo recorde no acumulado até setembro, fato que acontece pela primeira vez desde o Plano Real.
Traduzindo para o português claro, o governo federal precisou, de janeiro a setembro, se endividar para fazer os pagamentos rotineiros e as obras de infraestrutura, provocando um déficit nas contas públicas inédito em duas décadas.
Na quarta-feira 29, o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central, havia aumentado a taxa básica e os juros (Selic) de 11% para 11,25% ao ano. A decisão surpreendeu o mercado financeiro e assustou os eleitores.
Durante a campanha, como parte da estratégia de desconstruir os concorrentes, a presidenta Dilma disse que os adversários eram ligados a banqueiros e tomariam medidas impopulares. Reeleita, a presidenta segue exatamente esse caminho.
Diferentemente do que a presidenta pregou nos últimos meses, ao subir a Selic o governo recorre a um fundamento econômico que reforça a estagnação da economia brasileira. Em vez de provocar sobressaltos na população, o ideal seria que o governo anunciasse logo o nome do futuro ministro da Fazenda.
Desde que a presidenta anunciou que Mantega não continuará no cargo, há uma grande expectativa sobre quem o substituirá. O perfil no novo titular da Fazenda será determinante para se saber se o Planalto pretende dar uma guinada em um modelo que não deu certo e se tomará as medidas necessárias para o país retomar o crescimento.
No governo, os nomes mais falados são o do presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco, afinado com o mercado, o ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles e dois personagens que já passaram pelo governo: o ex-secretário-executivo do Ministério da Fazenda Nelson Barbosa e o ex-presidente do Banco do Brasil Rossano Maranhão.
A demora em escolher a pessoa responsável por conduzir a economia do Brasil só agrava os problemas sentidos pela população e expostos durante a campanha eleitoral.
PRIMEIRO DISCURSO
Dilma Rousseff usou boa parte de seu pronunciamento
para agradar a plateia de militantes
Os equívocos ficaram evidentes já no discurso de vitória, feito em Brasília, na noite do domingo 26, assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgou o resultado da votação. Embora falasse para todo o País e tivesse aparecido de trajes na cor branca, o que seria um sinal importante, a presidenta usou boa parte de sua fala para agradar a plateia de militantes que lotou o auditório do hotel de luxo escolhido para a comemoração petista. Ao apresentar suas propostas para o futuro, ela demonstrou que continua prisioneira do passado. A falta de rumo pôde ser observada, por exemplo, em relação à reforma política, uma reivindicação real feita por diferentes setores da sociedade, incluindo governo e oposição.
Para resolver os graves problemas decorrentes de regras inadequadas para o funcionamento do sistema representativo brasileiro, a presidenta apontou o caminho do plebiscito. “Como instrumento dessa consulta, o plebiscito, nós vamos encontrar a força e a legitimidade exigidas neste momento de transformação para levarmos à frente a reforma política”, afirmou a presidenta.
Difícil compreender as razões que levaram Dilma a reapresentar essa proposta, anunciada de forma desesperada no ano passado para conter a onda de manifestações, em grande parte violentas, que sacudiram as principais cidades brasileiras no mês de junho. Já na época, essa sugestão foi enterrada pelo Congresso e, até pelo vice-presidente, Michel Temer, que aconselhou a titular a desistir da idéia.
O filme se repetiu. Os presidentes do Senado, Renan Calheiros, e da Câmara, Henrique Eduardo Alves, reagiram de pronto contra a proposta, que subtrairia de deputados e senadores o poder de elaborar a lei.
Na terça-feira 28, Temer esteve com Dilma e, mais uma vez, a alertou sobre a impropriedade da iniciativa. Dilma, de novo, recuou. “Acho que não interessa muito se é referendo ou plebiscito. Pode ser uma coisa ou outra”, afirmou a presidenta.
A tentativa de submeter a mudança na legislação a uma consulta prévia da sociedade soa como música nos ouvidos dos militantes mais radicais, que a rodeavam na noite do discurso e que engrossaram as fileiras dos ataques aos adversários no período eleitoral.
Mas, além de rechaçada pelo Parlamento, até onde se pode imaginar a proposta se revela inexequível do ponto de vista prático. Para se realizar o plebiscito, o Congresso teria de elaborar uma relação de temas com alternativas a serem escolhidos pela população.
A cédula de votação listaria temas inóspitos e, muitas vezes, indecifráveis até por especialistas. Os eleitores precisariam decidir entre o sistema proporcional e o voto distrital, o financiamento público ou privado, lista fechada ou aberta.
Para se completar o novo modelo político a ser adotado no Brasil, seriam necessárias dezenas de perguntas sobre assuntos demasiadamente específicos para quem não vive em função da política. Nesse contexto, parece muito mais lógica a ideia, aceita pelos aliados, de discutir e aprovar a reforma política no Congresso e, depois, submetê-la a um referendo para aumentar sua legitimidade.
Será com esses aliados, refratários à tese do plebiscito, que Dilma terá de rever a forma de relacionamento, quando retornar da Bahia para Brasília. Se quiser melhorar esse convívio, terá de aprender a dialogar com parlamentares e ter mais jogo de cintura político, característica que até hoje não demonstrou possuir. Eleita em uma coalizão partidária ampla, difusa e ávida por cargos e verbas, a presidenta sentiu, já na semana passada, um pouco das dificuldades que terá pela frente. Na noite da terça-feira 28, a Câmara derrotou o governo e rejeitou o decreto baixado por ela para tentar criar conselhos populares em todos os órgãos governamentais. Essas instâncias poriam em prática a Política Nacional de Participação Social, uma diretriz que determinaria a promoção de consultas populares na definição dos rumos a serem tomados pelos diferentes setores da administração pública. Os deputados rechaçaram a proposta, considerada prioritária pelo Palácio. Como o texto ainda segue para o Senado, Renan Calheiros já avisou que lá o governo também deverá amargar uma derrota.
Além de um recado sobre o grau de dificuldades que os congressistas podem criar para o governo, a derrubada do decreto foi também uma manifestação da mágoa de alguns aliados com o comportamento da cúpula da campanha de Dilma. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves, por exemplo, não escondeu seu descontentamento com o fato de o ex-presidente Lula ter gravado um vídeo de apoio a seu adversário da disputa pelo governo do Rio Grande do Norte, Robinson Faria (PSD).
Como demonstrou a primeira semana depois da reeleição de Dilma, lidar com a base partidária será uma das tarefas mais difíceis do quarto mandato petista no Palácio do Planalto. A exemplo do que ocorreu no primeiro mandato, a formação da maioria parlamentar não deveria mais ser guiada pelo critério da cooptação de políticos acostumados ao toma lá dá cá que predomina há décadas no País.
As consequências desse modelo de alianças, a história comprova, são o aparelhamento do Estado, o fisiologismo e a corrupção. Mas as imagens transmitidas ao vivo do discurso da vitória mostram que Dilma tende a seguir pelo mesmo caminho.
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