Plantas se comunicam e 'brigam' usando 'internet de fungos'
BBC
Da BBC Earth
28 novembro 2014
Filamentos de fungos chamados micélios formam uma rede conhecida como micorriza
Uma
via superrápida para tráfego de dados, que coloca em contato uma grande
população de indivíduos diversos e dispersos. Essa via facilita a
comunicação e colaboração entre os indivíduos, mas também abre caminho
para que crimes sejam cometidos.
Parece uma descrição da internet,
mas estamos falando de fungos. Os fungos – sejam eles cogumelos ou não –
são formados de um emaranhado de pequenos filamentos conhecidos como
micélio. O solo está cheio desta rede de micélios, que ajuda a
"conectar" diferentes plantas no mesmo solo.
Muitos cientistas
estudam a forma como as plantas usam essa rede de micélios para trocar
nutrientes e até mesmo para "se comunicar". Em alguns casos, as plantas
formam até mesmo uma união para "sabotar" outras espécies invasoras de
plantas, liberando toxinas na rede.
Cerca de 90% das plantas
terrestres têm uma relação simbiótica com fungos, que é batizada de
micorriza. Com a simbiose, as plantas recebem carboidratos, fósforo e
nitrogênio dos fungos, que também as ajudam a extrair água do solo. Esse
processo é importante no desenvolvimento das plantas.
'Internet natural'
Filme de ficção 'Avatar' tinha uma ideia parecida com a 'internet natural' que existe na Terra
Para o especialista em fungos
Paul Stamets, essa rede é uma "internet natural" do planeta Terra. Sua
tese é que ela coloca em contato plantas que estão muito distantes de si
e não apenas as que estão próximas. Ele traça um paralelo com o filme Avatar,
de 2009, em que vários organismos em uma lua conseguem se comunicar e
dividir recursos graças a uma espécie de ligação eletroquímica entre as
raízes das árvores.
Só em 1997 é que foi possível comprovar
concretamente algumas dessas comunicaçõeos via "internet natural".
Suzanne Simard, da Universidade de British Columbia, no Canadá, mostrou
que havia uma transferência de carbono por micélio entre o abeto de
Douglas (uma árvore conífera) e uma bétula. Desde então, também ficou
provado que algumas plantas trocam fósforo e nitrogênio da mesma forma.
Simard
acredita que árvores de grande porte usam o micélio para alimentar
outras em nascimento. Sem essa ajuda, a cientista argumenta, muitas das
novas árvores não conseguiriam sobreviver.
Simard conta que as
plantas parecem trabalhar no sentido contrário ao observado por Charles
Darwin, de competição por recursos entre espécies. Em muitos casos,
espécies diferentes de plantas estão usando a rede para trocar
nutrientes e se ajudarem na sobrevivência.
Os cientistas estão
convencidos de que as trocas de nutrientes realmente acontece pelo fungo
no solo, mas eles ainda não entendem exatamente como isso ocorre.
'Conluio'
Uma
pesquisa recente foi além. Em 2010, Ren Sem Zeng, da faculdade de
agronomia da Universidade de Guangzhou, na China, conseguiu observar que
algumas plantas "se comunicam entre si" para formar uma espécie de
sabotagem a espécies invasoras.
A experiência foi feita com
tomates plantados em vários vasos e ligados entre si por micorriza. Um
dos tomates foi borrifado com o fungo Alternaria solani, que provoca doenças na planta.
Depois de 65 horas, os cientistas borrifaram outro vaso e descobriram que a resistência deste tomate era muito superior.
"Acreditamos
que os tomates conseguem 'espiar' o que está acontecendo em outros
lugares e aumentar sua resposta à doença contra uma potencial
patogenia", escreveu Zeng no artigo científico.
Ou seja, as
plantas não só usam a "internet natural" para compartilhar nutrientes,
mas também para formar um "conluio" contra doenças.
Esse tipo de
comportamento não foi observado apenas em tomates. Em 2013, o
pesquisador David Johnson, da Universidade de Aberdeen, na Escócia,
também detectou isso em favas, que se protegem contra insetos mínusculos
conhecidos com afídios.
Lado negro
Experiência mostrou que tomates se 'comunicam' pela micorriza sobre doenças
Mas assim como a internet
humana, a internet natural também possui seu lado negro. A nossa
internet reduz a privacidade e facilita crimes e a disseminação de
vírus.
O mesmo acontece com as plantas na micorriza, segundo os
cientistas. Algumas plantas não possuem clorofila e não conseguem
produzir sua própria energia por fotossíntese.
Algumas plantas, como a orquídea Cephalanthera austiniae,
"roubam" o carbono que necessitam de árvores das proximidades, usando a
rede de micélio. Outras orquídeas que são capazes de fotossíntese
roubam carbono, mesmo sem necessitar.
Esse tipo de comportamento
faz com que algumas árvores soltem toxinas na rede para combater plantas
que roubam recursos. Isso é comum em acácias. No entanto, cientistas
duvidam da eficácia desta técnica, já que muitas toxinas acabam sendo
absorvidas pelo solo ou por micróbios antes de atingir o alvo desejado.
Para
vários cientistas, a internet dos fungos é um exemplo de uma grande
lição do mundo natural: organismos aparentemente isolados podem estar,
na verdade, conectados de alguma forma, e até depender uns do outros. Leia
a versão original em inglês desta reportagem no site
BBC Earth.
Nenhum comentário:
Postar um comentário