domingo, 30 de novembro de 2014

paraíso natural Pantanal: terra das águas

ambiente

Em relato emocionante, o biológo Fábio Paschoal, colaborador da National Geographic Brasil, revela como é a vida entre a riqueza da fauna e da flora de um dos biomas mais importantes e belos do país

Fábio Paschoal

O Pantanal foi minha casa durante dois anos. Morava em uma pousada, no meio da maior planície alagável do mundo, isolado da civilização. Meu trabalho era guiar grupos interessados em história natural e conduzir passeios para a observação de animais selvagens. Acabei desenvolvendo uma relação especial com a planície pantaneira e me sentia em casa ao andar pelos campos abertos.

Hoje, 12 de novembro, Dia do Pantanal, gostaria de fazer uma homenagem compartilhando um pouco da minha experiência nesse lugar extraordinário. Para isso recorri ao meu diário, que fazia ao final de todas as noites, e selecionei o texto que escrevi no meu último dia por lá:

"Foi no ano de 2008 que tudo começou. Estava formado e desesperado para arrumar um emprego. Mandei currículo para todos os lugares possíveis e imagináveis. Passei por entrevistas, dinâmicas de grupo e todo aquele blá blá blá que fazem você passar antes de arranjar um trabalho. Nada dava certo. Eu era um biólogo que não queria dar aula nem fazer pesquisa, e os departamentos de RH me achavam uma incógnita.

Então recebi um telefonema do Refúgio Ecológico Caiman dizendo que havia sido contratado! Uma semana depois estava no Pantanal, começando o treinamento para ser guia de ecoturismo. Esse trabalho revelou minha paixão pela vida selvagem e mudou minha maneira de encarar o mundo.

Fábio Paschoal
Tucano-toco bebendo água. Durante a seca os animais se concentram em lagos e na beira de rios
O Pantanal é uma terra de extremos, com duas estações bem definidas controladas pelo ciclo das águas. Em abril, com o final das chuvas, começa a estação da seca. A água que inundava a planície passa a ser cada vez mais escassa e se concentra em pequenas poças onde os animais se amontoam para matar a sede.

Fábio Paschoal
As aves começam a estação de acasalamento e se encontram com a plumagem exuberante para tentar conquistar um companheiro. As árvores perdem as folhas para economizar água e o que antes era uma paisagem verde e exuberante se torna marrom e árida.



É quando um dos eventos mais marcantes do ano se inicia: a floração das piúvas (ipês). O Pantanal muda de cor e se torna rosa por uma semana. Depois é a vez do para-tudo colorir a planície de amarelo por sete dias. Em seguida, as flores roxas do tarumã fecham o espetáculo. Nessa época (meados de setembro) o capim fica esturricado e um raio pode começar um incêndio em um piscar de olhos.

Fábio Paschoal
 
No Pantanal, o Projeto Onçafari tenta salvar a espécie através do ecoturismo, mostrando que ela pode ter mais valor se permanecer viva
Nesse momento, quando tudo está prestes a arder em chamas, chegam as chuvas que renovam a vida. O rio Paraguai e seus afluentes transbordam, inundam e transformam o Pantanal na maior planície alagável do planeta. As terras baixas são ocupadas completamente pela água e os campos abertos viram leitos de rios.



As plantas, revigoradas, voltam a produzir folhas e tudo fica verde novamente. As aves, que se acasalaram durante a seca, aproveitam a época de fartura para alimentar seus filhotes. Os mamíferos vão para lugares mais elevados, deixando os campos alagados para cegonhas, patos, jacarés e peixes que procuram por alimento entre as plantas aquáticas multicoloridas que começam a se desenvolver.

Fábio Paschoal
 
A floração das piúvas é um dos eventos mais bonitos da temporada de seca
A paisagem muda completamente e tudo parece tranquilo. Quando o sol está brilhando e a água acalma fica difícil dizer onde a Terra acaba e o Céu começa.


O Pantanal também é a terra dos peões. Pessoas simples e muito contidas, mas com uma sabedoria espantosa construída pelo dia a dia da vida pantaneira. Eles cuidam do gado, o principal aliado do bioma para a conservação.

Como os campos abertos são naturais, não é preciso desmatar para fazer pastos. Os bois são criados soltos e convivem em harmonia com os animais selvagens. Muitas fazendas trabalham com ecoturismo, aliando atividade econômica e conservação do ambiente.

Fábio Paschoal
 
A maior arara do mundo (Anodorhynchus hyacinthinus) era extremamente rara. 
Em 1990 a população era de 1500 indivíduos, mas o Projeto Arara Azul mudou esse cenário. Hoje existem mais de 5000 araras colorindo o céu do Pantanal
A vida pulsa por todos os lados, e é impossível não ficar emocionado com tanta beleza. Todos os dias acordo com a sensação de que o dia será extraordinário e aprendo coisas novos sempre que ando pelos campos. Após dois anos nesse lugar maravilhoso, é difícil se despedir. Conheci pessoas incríveis, gente disposta a sacrificar a vida pela conservação de uma espécie, que me fazem acreditar que ainda há esperança para a Terra.

O Pantanal me mostrou o que eu realmente gosto de fazer. Foi aqui que descobri minha paixão pelos animais e, por isso, amo tanto esse lugar. Mas sinto que está na hora de procurar novos caminhos.

Saio daqui com a esperança revigorada e com o desejo de voltar. O Pantanal vai deixar saudades, mas estará sempre presente na minha memória e no meu coração."

Fábio Paschoal
 
Pantanal, o Céu aqui na Terra

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